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A descentralização da assistência é um dos princípios norteadores do Sistema Único de Saúde (SUS), envolvendo a atuação do governo federal, que estabelece diretrizes e coordena políticas nacionais; dos estados, que planejam e organizam as ações de saúde em seus territórios, prestando apoio técnico e financeiro aos municípios; e dos municípios, responsáveis pela execução direta das ações e pela atenção básica à população (1).
A coordenação do cuidado entre os entes federativos é fundamental para a assistência integral à saúde. Mas, para o pesquisador Everton Nunes da Silva, do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília (UnB), ainda é preciso avançar na gestão para o atendimento ao princípio da integralidade, que considera as pessoas como um todo e busca atender a todas as suas necessidades (2).
“É necessário prover todos os serviços para as pessoas ao longo do ciclo da vida. Hoje, o diagnóstico é um grande problema. Um diagnóstico tardio dificulta o tratamento e reduz possibilidades, além de gerar impactos no sistema de saúde, para o paciente e para a família”, explica.
Ele cita como exemplo as doenças raras, que exigem agilidade nas etapas de diagnóstico e no tratamento. “Começamos a estruturar essa questão com a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, em 2014 (3). Houve um aprimoramento, passamos a organizar e elaborar diretrizes terapêuticas. Os protocolos são fundamentais para os profissionais, pois deixam claro o que está disponível dentro do SUS para essas pessoas”, pondera.
Nesse cenário de execução da política pública, o pesquisador destaca que é preciso fortalecer a rede de atenção à saúde. Sem essa estrutura, os centros de referência ficam sobrecarregados, o que reduz a capacidade de atendimento.
“Não vamos ter centros de referência em todos os municípios. A maior parte das cidades tem porte populacional muito pequeno, mas precisamos garantir que todos tenham acesso. Isso é função de um conjunto de municípios, o que chamamos de regionalização da saúde, que passa pela descentralização. Os especialistas não estão distribuídos de forma igualitária. Eles se concentram nos grandes centros, mas é preciso que também abranjam os territórios descobertos. Hoje isso ainda é muito fragmentado”, observa.
Everton avalia que, além de um número insuficiente de centros, falta uma coordenação mais eficiente para o encaminhamento dos pacientes. “Esse ordenamento é essencial para que as pessoas não fiquem perdidas dentro da rede. Com o diagnóstico, é preciso saber a quem se reportar. Há avanços, mas precisamos de investimento nesse sentido. O primeiro desafio é conseguir o diagnóstico. Não é fácil encontrar especialistas, e o paciente acaba passando por vários médicos, o que gera uma angústia muito grande em quem sabe que tem uma doença grave, mas não consegue descobrir qual. O trânsito é enorme, é preciso circular muito para encontrar o médico certo”, afirma.
Além do possível impacto clínico para o paciente, o pesquisador chama a atenção para impactos que ficam subjacentes às discussões. “Além do impacto econômico, há a sobrecarga das mães, os impactos no mercado de trabalho e o aumento da judicialização. É preciso observar também o custo dos deslocamentos dos pacientes. Por isso, temos que aprimorar a atenção primária nos municípios. A rede de atenção à saúde precisa ser mais bem desenhada”, conclui.
Um projeto de referência em coordenação, na visão do pesquisador, é o Hospital de Clínicas de Porto Alegre, unidade que atende 60 especialidades, é referência regional em diagnóstico laboratorial e foi considerado o melhor hospital público da América Latina (4).
“O Hospital de Clínicas tem um centro de referência importante, que recebe amostras para diagnóstico laboratorial. Isso estende a rede e evita que o paciente precise sair do seu município, especialmente para o diagnóstico. Mas, para isso funcionar, a rede clínica deve estar articulada para dar suporte. Nesse contexto, a telemedicina pode ser um instrumento que facilita bastante”, explica.
Everton reforça que são necessários esforços conjuntos dos governos municipais, estaduais e federal para que a descentralização ocorra de forma adequada, assegurando a assistência igualitária e consolidando os princípios do SUS (5). “É preciso organizar o sistema de maneira coordenada, pensar na equidade e distribuir regionalmente de forma mais equilibrada, para que os serviços não fiquem restritos aos grandes centros”, enfatiza.
Desafios da jornada de saúde
Agilidade no diagnóstico e acesso ao tratamento são essenciais para quem recebe a confirmação de uma doença rara, na avaliação da engenheira Regina Furuta, de 49 anos. “Há pessoas que passam cinco anos indo de médico em médico sem conseguir um diagnóstico”, ressalta.
Em agosto de 2015, ela recebeu o diagnóstico de hemoglobinúria paroxística noturna (HPN), uma doença hematológica rara que causa a destruição anormal das hemácias, levando à anemia e ao aumento do risco de trombose (6). A moradora de São Paulo explica que, ao contrário de muitos pacientes, sua jornada foi marcada por agilidade e precisão diagnóstica. “Receber o diagnóstico foi impactante. Fiquei assustada por ser uma doença sem cura”, afirma.
“Também há o impacto social. Moro com minha mãe e posso afirmar que o impacto na vida profissional foi grande. No ano passado, fui desligada da empresa em que trabalhei por 20 anos, na aviação. A parte cognitiva é muito afetada, o que reduz o rendimento e a produtividade. Até outubro do ano passado, fazia um tratamento hospitalar com infusões frequentes, o que me obrigava a me ausentar do trabalho por até seis horas. Hoje, aprendi a conviver com a dor”, relata a paciente.
Para Regina, há falhas na oferta de diagnóstico e de opções terapêuticas no sistema público. “Acredito que precisamos melhorar muito o acesso ao tratamento. É necessário aprimorar todo o processo de aprovação e disponibilidade de tecnologias para o paciente poder se tratar”, avalia.
Referência de atendimento
Desde junho de 2023, o Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF) passou a ser polo de atendimento a pacientes com HPN (7). O hematologista Luiz Henrique Ramos, chefe do Serviço de Hematologia, Hemoterapia e Transplante de Medula Óssea da unidade, afirma que a demora no início do tratamento compromete a qualidade de vida dos pacientes. Atualmente, 43 pessoas com HPN estão em acompanhamento no HBDF. A maioria reside no Distrito Federal, mas também há pacientes vindos da Bahia e de Goiás.
“Os pacientes com HPN apresentam sintomas diversos, alguns com risco de vida. A anemia grave, assim como os episódios de trombose, pode causar danos irreversíveis à funcionalidade. Por ser contínuo e sem previsão de interrupção, o tratamento mantém o paciente vinculado ao serviço de saúde desde o diagnóstico até o fim da vida. A aplicação periódica do medicamento, associada ao uso de antibióticos, vacinas e ao monitoramento clínico, pode gerar impacto emocional significativo. Por isso, uma equipe assistencial adequada e acolhedora faz toda a diferença”, explica o especialista.
Segundo o médico, inovações ainda não disponíveis no SUS podem reduzir a frequência de aplicações e até permitir tratamento domiciliar, diminuindo o impacto na rotina dos pacientes. “Como o Brasil tem dimensão continental, e os centros de referência são concentrados, é essencial avançar na distribuição do tratamento. Também precisamos garantir o fornecimento dos medicamentos, os exames específicos e a assistência multiprofissional. A incorporação de terapias que podem ser ministradas em casa, quando aprovadas, pode minimizar barreiras geográficas e ampliar o acesso equitativo”, conclui.
Referências
1 BRASIL. Lei n.º 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm. Acesso em: 22 outubro 2025.
2 BRASIL. Sistema Único de Saúde (SUS). Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/sus.
3 BRASIL. Portaria nº 199, de 30 de janeiro de 2014. Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras. Brasília: Ministério da Saúde, 2014.
4 G1. Melhor hospital público da América Latina é do RS, segundo ranking. 25 set. 2025. Disponível em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2025/09/25/melhor-hospital-publico-da-america-latina-e-do-rs-segundo-ranking.ghtml .
5 SCIELO. Revista Pan-Amazônica de Saúde. Disponível em: http://scielo.iec.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-49742004000100003
6 CONITEC. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas: Hemoglobinúria Paroxística Noturna. Brasília: Ministério da Saúde, 2024. Disponível em: https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/protocolos/resumidos/pcdt_resumido_hemoglobinuriaparoxisticanoturna.pdf.
7 SECRETARIA DE SAÚDE DO DISTRITO FEDERAL. HB será polo de aplicação de medicação para doença rara na medula óssea. Brasília: Governo do DF, 2023. Disponível em: https://www.saude.df.gov.br/web/guest/w/hb-ser%C3%A1-polo-de-aplica%C3%A7%C3%A3o-de-medica%C3%A7%C3%A3o-para-doen%C3%A7a-rara-na-medula-%C3%B3ssea .
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M-BR-00022863 – Novembro/2025




