Devemos mover os data centers para o espaço?
Natureza e espaço

Devemos mover os data centers para o espaço?

Construir essas instalações fora da Terra pode trazer muitos benefícios. Os primeiros projetos já estão em andamento.

O que você encontrará neste artigo:

O impacto ambiental e energético do espaço
A viabilidade técnica e os obstáculos reais
A infraestrutura digital e o futuro da economia lunar

Em fevereiro deste ano, a empresa Lonestar Data Holdings, sediada na Flórida, lançou um dispositivo do tamanho de uma caixa de sapatos contendo dados do pioneiro da internet Vint Cerf e do governo da Flórida, entre outros, a bordo do módulo de pouso Athena da Intuitive Machines. O pouso do dispositivo na Lua torna a empresa pioneira ao testar explicitamente uma questão que tem intrigado alguns tecnólogos recentemente: talvez seja hora de mover os data centers para fora da Terra?

Afinal, os data centers, que consomem enormes quantidades de energia, estão se multiplicando pelo mundo, ocupando terrenos valiosos, sobrecarregando as redes elétricas, consumindo água e emitindo ruído. Construir essas instalações em órbita ou na Lua poderia ajudar a mitigar muitos desses problemas.

Para Steve Eisele, presidente e diretor de receitas da Lonestar, um dos principais atrativos do armazenamento de dados na Lua é a segurança. “No fim das contas, a Lua pode ser a opção mais segura para um backup dos seus dados”, afirma Eisele. “É mais difícil de hackear, muito mais difícil de invadir e está acima de qualquer problema na Terra, desde desastres naturais até apagões e guerras.”

O dispositivo da Lonestar tem capacidade de armazenamento de oito terabytes, equivalente a um laptop de alto desempenho. Ele funcionará por apenas algumas semanas antes da chegada da noite lunar, quando as temperaturas despencam e a energia solar se esgota. Mas a empresa espera que esse período seja suficiente para testar aspectos práticos como download e upload de dados e a verificação de protocolos de transferência segura.

E há planos ainda maiores. Já em 2027, a empresa pretende lançar um serviço comercial de armazenamento de dados utilizando uma constelação de satélites posicionados no ponto L1 de Lagrange entre a Terra e a Lua, uma região gravitacionalmente estável a 61.350 quilômetros da superfície lunar. Nessa posição, as espaçonaves teriam uma visão constante da Terra, permitindo acesso contínuo aos dados.

Outras empresas compartilham ambições semelhantes. A Axiom Space, empresa dos EUA mais conhecida por organizar viagens privadas à Estação Espacial Internacional, pretende lançar um servidor protótipo para a estação nos próximos meses. Até 2027, a empresa quer estabelecer um nó de computação em órbita baixa da Terra dentro de seu próprio módulo da estação espacial.

Já a Starcloud, sediada no estado de Washington, aposta na necessidade de processar dados no espaço. A empresa, que arrecadou US$ 11 milhões em dezembro e captou mais investimentos desde então, planeja lançar um pequeno satélite equipado com GPUs da Nvidia ainda este ano para realizar processamento de dados no espaço.

A Axiom vê uma necessidade urgente de capacidade computacional no espaço que vai além da criação de backups seguros para dados terrestres. Atualmente, as crescentes frotas de satélites de observação da Terra e do espaço enfrentam limitações de largura de banda. Antes que os usuários possam obter insights das imagens captadas por satélites, esses dados precisam ser transmitidos para estações terrestres espalhadas pelo planeta e então enviados para data centers para processamento, o que gera atrasos.

“Data centers no espaço ajudarão a acelerar muitos casos de uso”, afirma Jason Aspiotis, diretor global de dados e segurança no espaço da Axiom. “O tempo entre observar algo e tomar uma ação é extremamente importante para a segurança nacional e para algumas aplicações científicas. Um computador no espaço também reduziria os custos envolvidos na transmissão de todos os dados para a Terra.”

Mas para que esses data centers tenham sucesso, eles precisam resistir às condições extremas do espaço, captar energia solar suficiente para operar e fazer sentido economicamente. Os entusiastas afirmam que os desafios são mais manejáveis do que parecem — especialmente se considerarmos alguns dos problemas dos data centers na Terra.

Mini Banner - Assine a MIT Technology Review

Melhor no espaço?

O atual boom da Inteligência Artificial e da mineração de criptomoedas está gerando preocupações sobre o impacto ambiental da infraestrutura computacional na Terra. Atualmente, os data centers consomem cerca de 1% a 2% da eletricidade mundial. Esse número pode dobrar até 2030, de acordo com um relatório do Goldman Sachs publicado no ano passado.

Os entusiastas da tecnologia espacial acreditam que os data centers em órbita podem solucionar esse problema.

“Os data centers na Terra precisam de muita energia para operar, o que significa que possuem uma pegada de carbono elevada”, diz Damien Dumestier, arquiteto de sistemas espaciais do conglomerado aeroespacial europeu Thales Alenia Space. “Eles também geram muito calor, então é necessário usar água para resfriá-los. Nada disso é um problema no espaço, onde há acesso ilimitado à energia solar e onde o calor excedente pode simplesmente ser irradiado para o vácuo.”

Dumestier, que liderou um estudo financiado pela União Europeia sobre a viabilidade de colocar infraestrutura de TI em larga escala na órbita terrestre, também vê o espaço como uma opção mais segura do que a Terra para o transporte e armazenamento de dados. Cabos de fibra óptica submarinos são vulneráveis a sabotagens e desastres naturais, como a erupção vulcânica subaquática que deixou Tonga sem internet por duas semanas.

A grandes altitudes, data centers conectados por links de laser invioláveis seriam muito mais difíceis de serem cortados ou invadidos. Exceto por mísseis antissatélites, explosões nucleares no espaço ou robôs interceptores, esses super-hubs computacionais seriam praticamente intocáveis. Ou melhor, quase intocáveis — micrometeoritos e detritos espaciais representam riscos, mas podem ser evitados e, até certo ponto, os equipamentos podem ser projetados para resistir a esses impactos.

Fora da atmosfera protetora da Terra, os equipamentos eletrônicos também ficariam expostos a partículas energéticas do Sol, que poderiam danificá-los ao longo do tempo. A Axiom pretende enfrentar esse problema usando equipamentos militares reforçados, que, segundo Aspiotis, demonstram boa resistência em ambientes extremos. A Lonestar, por sua vez, acredita que poderia evitar a radiação intensa próxima à Lua colocando seus data centers dentro de tubos de lava sob a superfície lunar.

Resta ainda a questão da alimentação dessas instalações. Embora a energia solar na órbita da Terra seja gratuita e constantemente disponível, ela nunca foi coletada em quantidades suficientes para alimentar infraestruturas de dados na escala existente na Terra.

O estudo da Thales Alenia Space, chamado ASCEND (sigla para Advanced Space Cloud for European Net Zero Emission and Data Sovereignty), prevê plataformas de dados em órbita com o dobro do tamanho da Estação Espacial Internacional, a maior estrutura espacial já construída. Os racks de servidores no centro das plataformas ASCEND seriam alimentados por vastos painéis solares capazes de gerar um megawatt de potência, o equivalente ao consumo elétrico de cerca de 500 residências ocidentais. Em comparação, os painéis solares da ISS produzem apenas um quarto dessa quantidade — cerca de 240 quilowatts em plena iluminação.

Os custos de lançamento — e os efeitos ambientais dos lançamentos de foguetes — também complicam o cenário. Para que os data centers espaciais sejam uma vitória ambiental, Dumestier afirma que a pegada de carbono dos voos de foguetes precisa melhorar. Ele aponta que a Starship da SpaceX, projetada para transportar cargas muito grandes e, portanto, mais barata e eficiente por quilograma lançado, representa um grande avanço na direção certa — e pode abrir caminho para o lançamento de data centers orbitais em larga escala até 2030.

Aspiotis compartilha dessa visão: “Em um futuro não muito distante, os data centers no espaço serão tão econômicos quanto os que estão na Terra”, afirma. “Nesse caso, queremos mantê-los na superfície terrestre, onde consomem energia, água e outros recursos, além de ocupar terrenos valiosos?”

No entanto, Domenico Vicinanza, professor associado de sistemas inteligentes e ciência de dados na Universidade Anglia Ruskin, no Reino Unido, é mais cético. Ele defende que transferir data centers para o espaço em larga escala ainda é um projeto altamente ambicioso. Tecnologias robóticas capazes de montar e manter essas estruturas gigantescas ainda não existem, e falhas de hardware no ambiente hostil da órbita aumentariam os custos de manutenção.

“Corrigir problemas em órbita está longe de ser simples. Mesmo com robótica e automação, há limites para o que pode ser reparado remotamente”, explica Vicinanza. “Embora o espaço ofereça o benefício da energia solar ininterrupta, erupções solares e radiação cósmica podem danificar equipamentos eletrônicos sensíveis. Atualmente, desde microchips convencionais até memórias não são projetados nem testados para funcionar no espaço.”

Ele também alerta para o risco de colisões, que poderiam aumentar ainda mais a quantidade de detritos espaciais ao redor da Terra. “Qualquer dano acidental ao data center poderia gerar uma reação em cadeia de detritos, complicando ainda mais as operações orbitais”, afirma.

Mas mesmo que os data centers não sejam transferidos da Terra, seus defensores argumentam que essa é uma tecnologia essencial para expandirmos nossa presença no espaço.

“A economia lunar vai crescer, e dentro dos próximos cinco anos precisaremos de infraestrutura digital na Lua”, declara Eisele. “Teremos robôs que precisarão se comunicar entre si. Governos estabelecerão bases científicas e precisarão de infraestrutura digital para suas operações, tanto na Lua quanto para futuras missões a Marte e além. Isso será uma parte fundamental do nosso futuro.”

Último vídeo

Nossos tópicos