Dados qualificados vão mudar a visão de pacientes e gestores sobre a saúde
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Dados qualificados vão mudar a visão de pacientes e gestores sobre a saúde

Ferramentas que proporcionam a compreensão do comportamento de populações e de prestadores têm potencial de transformar o sistema de saúde.

Há cerca de três anos, em meio à pandemia de covid-19, centenas de pacientes se aglomeravam em filas para se vacinarem e se protegerem contra a doença. Pouco tempo depois, um instrumento criado por cientistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) tornaria arcaica a ida até uma unidade de saúde para ser imunizado.

Isso pode já ser realidade: um artigo publicado em abril, na revista científica Nature Biotechnology, relata o desenvolvimento de uma impressora 3D de vacinas para a covid-19, capaz de produzir adesivos com microagulhas que dispensam uma injeção. A matéria-prima da impressora são moléculas de vacina de RNA envoltas em nanopartículas lipídicas, garantindo estabilidade ao imunizante, que é dissolvido na pele.

Os avanços tecnológicos e as descobertas científicas têm levado a Medicina a patamares extremamente inovadores, mas, quando juntamos estas duas palavras, “saúde” e “tecnologia”, o resultado não precisa ser necessariamente um dispositivo robótico espetaculoso, ao contrário do que o nosso imaginário pode pressupor. A avaliação é feita pelo médico Carlos Pedrotti, presidente da Saúde Digital Brasil (SDB) – entidade sem fins lucrativos que busca ampliar o acesso de pacientes a médicos pelo uso da tecnologia. Além disso, a SDB trabalha para impulsionar o desenvolvimento científico-tecnológico e a inovação na saúde.

“Quando falamos de transformação digital na saúde, já pensamos em Inteligência Artificial, em chatbot, porém, é como se existisse uma pirâmide para essa transformação. É preciso preparar bem o alicerce. E eu nem citei telemedicina, telessaúde, que também são parte dessa mudança, mas isso vem em etapas. O cerne da transformação está em um processo, no uso de ferramentas para obter dados mais fidedignos, aproximar o paciente do ponto de contato com o sistema de saúde e de uma utilização mais racional dos recursos da área”, afirma.

Segundo o especialista, uma das principais transformações no sistema de saúde virá com um uso inteligente e estratégico de informações. Para tanto, será preciso fechar um ciclo, a interoperabilidade de dados, ou seja, permitir que múltiplos sistemas possam trocar informações entre si. Essa não é a realidade da saúde no Brasil, que opera de maneira muito fragmentada. Contudo, mesmo em um estágio inicial no processo de digitalização, é necessário trabalhar informações para gerar dados para orientar a tomada de decisão.

Carlos Alberto Siqueira Gomes, diretor de Comunicação da União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (UNIDAS), destaca a possibilidade de mapear populações e entender suas diferentes necessidades, a fim de ofertar uma assistência bem mais assertiva.

“Um primeiro movimento é conseguir identificar populações que precisam de planos para cuidados específicos, como diabéticos, cardiopatas e por aí vai… Nisso, a tecnologia ajuda muito, pois conseguimos rapidamente fazer uma busca do que esse paciente usa, de quando é atendido, como é o seu uso do plano. Estatisticamente, identificamos e conseguimos fazer um plano terapêutico muito mais adequado para eles”, observa o executivo.

Garantindo dados úteis

Decisões baseadas em dados só serão boas e eficientes se as informações tiverem as mesmas características. Nesse caso, a oferta de ferramentas tecnológicas contribui para a composição de um repositório de dados verdadeiramente relevantes.

Carlos Pedrotti, presidente da SDB, cita exemplos como o próprio WhatsApp para o monitoramento de condições de saúde. Por meio do app, é possível colher informações sobre antecedentes e sintomas, doenças prévias, medicações em uso, entre outras.

“Assim, você consegue um maior engajamento da população com ferramentas digitais e melhora a comunicação com o seu público-alvo para a obtenção de dados fundamentais. Quem são as pessoas que estão consumindo recursos inadequados e não estão tendo um bom resultado de saúde? Por que isso está acontecendo? Para saber isso, eu não preciso de grandes tecnologias”, analisa Pedrotti.

Na visão do executivo, o mercado brasileiro continua distante de ter a saúde de fato transformada pela digitalização, porém, as iniciativas crescem, seja em corporações, seja nas gestões de carteiras como autogestões e operadoras.

Siqueira Gomes, assessor da presidência na Saúde Petrobras, conta que a autogestão implementou, em 2023, uma gerência chamada Health Analytics, justamente para centralizar todos os processos em análise de dados. O sistema começou pela revisão do banco de dados existente e, em seguida, representantes de diferentes áreas da empresa foram ouvidos para entender que tipo de informação serviria para embasar a tomada de decisão. Atualmente, enquanto é feito um trabalho de governança de dados, algumas informações específicas já são geradas.

“A nossa área de negociação de rede quer negociar com um hospital, por exemplo, então vemos as unidades que há na rede, qual o nível de consumo do nosso beneficiário, quais são os principais usos, como se comporta. Nós conseguimos identificar nichos conjuntos de gastos, então, é possível fazer propostas de pacotes para o prestador. Normalmente, o beneficiário se fideliza a um local, e o jeito de minorar o efeito do custo é fazer negociações melhores nesse local. Como há volume, é possível negociar com o prestador. Temos feito vários desses estudos para situações de negociações de rede. Esse é um exemplo prático que estamos entregando na área de Health Analytics”, detalha o executivo.

Outra melhoria incorporada é na detecção de fraudes. Uma vez que os algoritmos conseguem determinar padrões, facilitando a visualização de ações fora da expectativa e o melhor encaminhamento de análise em busca de mau uso, que pode resultar em uma auditoria, se necessário. Isso serve tanto para o comportamento de prestadores como de beneficiários.

“Em determinados níveis, há prestadores que já tiveram comportamentos anômalos mapeados. Em questão de restituição, também usamos Inteligência Artificial. Temos um robozinho que consegue ler se a receita médica está sendo usada várias vezes para reembolso de medicamento de uso pontual, por exemplo. Conseguimos ver isso rapidamente, sem necessidade de intervenção humana, que vem depois. Entretanto, a tecnologia traz agilidade; a análise é muito rápida”, atesta o assessor da Saúde Petrobras.

Uma aposta para o futuro é o uso de tecnologia para a educação do paciente. O objetivo é reunir padrões de comportamento e desfechos clínicos em grupos semelhantes. Isso permitiria demonstrar aos usuários quais são as condutas mais adequadas no manejo da própria saúde e convencê-lhes de que vale a pena se engajar em programas, especialmente na atenção primária.

Pedrotti é otimista quanto aos próximos passos da digitalização, sobretudo na perspectiva da gestão de saúde populacional. Nela, a incorporação de tecnologia está em um momento oportuno para suplantar desafios.

“Estamos em uma conjuntura de cortes de custos. Hoje, a saúde enfrenta desafios quanto a custeio, quanto à sustentabilidade econômica. Como se equilibra esses pratos? Sabemos que utilizar essas ferramentas para monitorar e agir é o caminho, mas, para crescer esse sistema, é preciso explicar que o resultado não é de curto prazo”, avisa ele.

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