EsEm uma apresentação durante o TED-Vancouver, em 2014, baseada no filme em 3D IMAX feito por ele próprio, chamado “Mistérios do Mundo Invisível” , Louie Schwartzberg inicia com a afirmativa de que o ponto de convergência entre arte, ciência e tecnologia é a curiosidade e a admiração. Olhando para o passado, por meio da arte e da evolução científica e tecnológica, observa-se que esta afirmativa faz todo o sentido. O desejo de conhecer mais e a capacidade de admirar estão presentes em todas as áreas do conhecimento humano porque são a base de todo processo criativo. Assim como, olhando para o futuro que não pode ser previsto, percebe-se que a curiosidade e a admiração estão igualmente presentes no desejo de entender o que pode acontecer e na capacidade de imaginar tudo o que poderá acontecer.
A experiência do dia a dia mostra que a aceleração digital das organizações se baseia em três alicerces: tecnologia; processo de inovação; e cultura. A tecnologia, criação humana, está (ou deveria estar) a serviço da humanidade e do seu bem-estar. Processo de inovação é feito por gente, geralmente curiosa por descobrir ou muito contemplativa, que observa o que pode ser diferente e melhor. Cultura é feita de gente. Ela mostra como as pessoas pensam e se comportam nas organizações sociais. Porque são as pessoas, movidas por sua curiosidade que criam, transformam, utilizam, recursos, desenvolvem processos, desafiam o status quo e promovem as mudanças necessárias para fazer acontecer toda esta evolução testemunhada diariamente, não apenas nas organizações do trabalho, mas na chamada sociedade 5.0, impactada por todos os avanços tecnológicos.
Aqui, nosso foco é o papel das pessoas (não apenas os líderes e a área de recursos humanos) como protagonistas desta evolução. Para responder às novas demandas do mundo do trabalho são necessárias capacidades diferentes das exigidas até então. Assim sendo, a forma de atrair, selecionar, engajar e, especialmente, desenvolver pessoas muda. Não apenas as chamadas hard e soft skills passam a ser essenciais, mas, fundamentalmente, a capacidade digital, como afirmam Antônio Salvador e Daniel Castello em Transformação Digital: uma jornada que vai além da tecnologia, que vai além da proficiência digital (conhecimento e manejo de novas tecnologias aplicadas a determinada área de trabalho para melhorar sua eficácia), mas refere-se à prontidão digitali1 (competências comportamentais e capacidade cognitiva para adaptar e gerenciar o processo de transformação digital), ou seja, uma nova forma de perceber, pensar e reagir ao mundo diferente e muito mais ágil.
A prontidão digital integra aspectos como abertura mental, flexibilidade cognitiva, agilidade mental, capacidade de adaptação e gestão da mudança, resiliência, colaboração e inclusão da diversidade, e principalmente, aprendizado contínuo, já que acompanhar a tecnologia exige disposição permanente para o aprendizado.
Direcionar as competências individuais para os objetivos organizacionais neste novo ambiente de negócios implica mais que novas políticas, práticas e ferramentas de gestão de pessoas, mas, essencialmente, alinhar propósitos individuais ao propósito organizacional. E isto muda a cultura, pois o novo padrão de comportamento das pessoas está pautado em trabalho significativo (alinhado ao propósito pessoal), busca de equilíbrio entre vida pessoal e profissional (ainda mais com os modelos híbridos de trabalho), relações pautadas na confiança e na transparência, lideranças que inspirem e não que comandem, ambientes geradores de segurança psicológica e não de medo, foco nos resultados (mas, não a qualquer custo), na saúde integral e não no adoecimento pelo estresse, na colaboração e inclusão e menos na competição.
Nesta última década, a palavra propósito se destacou no mercado editorial e no cotidiano das pessoas e organizações, o que também gerou uma certa banalização. Entender a importância do tema para o desenvolvimento do pensamento estratégico das pessoas é uma condição básica para o exercício da liderança e para a gestão das pessoas que precisam compreender o seu papel nas estratégias de sua organização. Em meu trabalho de pesquisa identifiquei que a dificuldade de posicionamento estratégico de um grupo de profissionais (neste caso da área de Recursos Humanos) era menos, por falta de conhecimento sobre estratégia, e mais por dificuldade de pensar estrategicamente a própria carreira e a vida em geral, inclusive aspectos financeiros.
Identificar o propósito está no cerne desta questão e diretamente relacionado ao reconhecimento de outros elementos como crenças, valores, sonhos traduzidos em visão de futuro e desdobrados em objetivos de longo, médio e curto prazos que, para serem transformados em ação, necessitem de competências individuais (conhecimento, habilidades e atitudes). Observações de processos de desenvolvimento (coaching, mentorias, programas de desenvolvimento de líderes, aulas na educação executiva) somados a uma profunda pesquisa bibliográfica, levaram à proposição de um modelo de alinhamento estratégico pessoal, o MAEP.
A originalidade deste trabalho de pesquisa foi exatamente a organização destes conhecidos elementos, criando uma conexão entre eles, de modo que a pesquisa de campo e a pesquisa bibliográfica confirmaram que eles afetam o senso de identidade do indivíduo e que isto fortalece a capacidade de fazer escolhas mais conscientes e assumir a responsabilidade por elas, fortalecendo a autonomia e exercitando o verdadeiro protagonismo. A figura a seguir apresenta o modelo MAEP:
O ponto nevrálgico do protagonismo das pessoas na transformação cultural exigida para a aceleração digital e para a inovação é o assumir reponsabilidade pelas escolhas feitas, uma condição cada vez menos presente em nossa sociedade, onde para não assumir responsabilidades, geralmente, as pessoas apontam culpados. A culpa é sempre de um terceiro num mundo de vitimização que só reforça a incapacidade de responder de forma resiliente aos desafios que surgem a cada dia.
A tecnologia não causa o desemprego, a sua causa está na falta de capacidade (intrapessoal, interpessoal, de gestão, técnica e principalmente digital) para assumir novas funções demandadas pelo avanço tecnológico. As atividades rotineiras e simples estão sendo substituídas por máquinas autônomas. O ser humano deve habilitar-se a funções mais nobres como criação, programação, análise, inovação, avaliação e desenvolvimento de novas modelos de negócios e processos que tornem a organização mais produtiva e competitiva.
Enquanto a alarmante estatística de desemprego cresce e com ela seus impactos sociais, paradoxalmente observa-se diariamente empresas buscando desesperadamente por profissionais habilitados nas novas tecnologias.
Voltando ao ponto focal da discussão, certamente, além de políticas públicas que enfrentem este problema estrutural da educação e do trabalho, não podemos atribuir a responsabilidade exclusivamente aos governos, precisamos repensar os padrões de nossa cultura brasileira, que se refletem na organização do trabalho, precisamos de mais foco na solução do que nos problemas; mais responsabilidade e menos culpados; mais protagonismo e menos vitimização; mais propósito e menos facilidades. Enfim, sermos mais agentes de transformação de nossa cultura e menos espectadores destes “mistérios de um mundo invisível”.
Este post foi produzido por Denize Dutra, Doutora em Administração. Consultora, Coach, Professora Convidada da FGV e colunista do MIT Technology Review do Brasil