Ninguém previu a rapidez com que três dos influenciadores mais poderosos da China seriam destronados.
Em 3 de junho, Austin Li, um livestreamer de 30 anos com mais de 60 milhões de seguidores na plataforma Taobao, de propriedade do Alibaba, interrompeu abruptamente a transmissão depois que uma sobremesa de sorvete em forma de tanque militar apareceu na tela. Embora ele tenha postado mais tarde que enfrentou “dificuldades técnicas” durante a transmissão anterior, ficou claro para a maioria das pessoas que os censuradores do governo tinham sido acionados e que interpretaram a sobremesa em forma de tanque como uma alusão ao aniversário dos protestos e do massacre de 4 de junho na Praça da Paz Celestial. Não se tem conhecimento de que Li tenha sido preso, e sua conta permanece ativa, mas ele nunca mais transmitiu ou postou nas redes sociais desde aquele dia. Fãs e espectadores suspeitam que ele pode ter sido proibido de fazer transmissões.
Na China, o comércio eletrônico de livestreaming é uma indústria massiva, que vale mais de US$ 180 bilhões. Combinando o marketing televisivo com interação ao vivo e a conveniência possibilitadas pelos smartphones, esses streams atraíram 388 milhões de espectadores chineses em 2020. A indústria levou meia década para atingir seu auge, e influenciadores como Li despontaram para rivalizar com as celebridades da mídia tradicional chinesa. Eles foram endossados pelo governo central como inovadores e criadores de empregos, e são conhecidos por estimular o gasto de bilhões de dólares em compras online em uma noite. Seu status como estrelas do varejo lhes deu imenso poder sobre os vendedores, incluindo corporações multinacionais poderosas, influenciando quem representa os produtos e quais devem ser os preços.
Mas no caso de Li e em pelo menos dois outros, esses impérios online desapareceram da noite para o dia, em razão da aparente repressão do governo que remonta ao final de 2021.
À medida que 2021 estava chegando ao fim, os influenciadores de livestreaming mais seguidos do Taobao, Huang Wei (conhecido no meio online como Viya) e Zhu Chenhui (conhecido como Cherie), foram subitamente multados em milhões de dólares por evasão fiscal por uma autoridade da receita de Hangzhou. Mesmo depois de pedirem desculpas publicamente, suas contas no Taobao e em outras redes sociais sumiram. Eles nunca mais fizeram livestreaming.
Antes disso, influenciadores desse calibre eram considerados grandes e importantes demais para que as plataformas e a indústria se voltassem contra eles. O rigor da resposta dada pelo governo demonstrou o contrário. A indústria ainda está, contudo, processando as consequências dessas medidas. Austin Li, que sobreviveu à repressão (diz-se que ele não devia nada à receita), foi um dos principais beneficiários da queda de Huang e Zhu, absorvendo o tráfego, a atenção e os negócios que seus colegas deixaram para trás. Ou seja, até recentemente.
A queda desses mega influenciadores significa uma remodelação de poder dentro da indústria, já que o dinheiro e a atenção que eles detinham agora podem ser transferidos para figuras menores. A Taobao, a plataforma onde a maioria dessas atividades ocorre, também iniciou uma campanha em janeiro de 2022 para ajudar influenciadores de pequeno e médio porte com recompensas em dinheiro e suporte ao tráfego.
O que aconteceu mudou a dinâmica geral entre influenciadores e marcas. Por um lado, os grandes descontos que os clientes costumavam obter por meio de grandes influenciadores provavelmente não serão mantidos se as marcas estiverem fazendo parcerias com livestreamers que têm menos seguidores. E, em vez de depender do enorme alcance dos influenciadores, muitas marcas agora estão construindo seus próprios canais de livestreaming. “Isso pode ser uma boa notícia para as marcas, pois os clientes podem ir para as live sessions delas”, diz Jialu Shan, pesquisador do Centro Global para Transformação de Negócios Digitais, “mas definitivamente uma má notícia para os clientes, pois eles não poderão aproveitar as ofertas bem mais baratas que apenas os livrestreamers como Li e Viya eram capazes de oferecer”.
O destino dos principais influenciadores também é um sinal claro de que o comércio eletrônico de livestreaming não pode escapar do controle governamental. “Celebridades de grande renome conhecidas como KOLs, sigla em inglês para Principais Formadores de Opinião, tornaram-se um grande negócio e agora são essenciais no comércio eletrônico. Mas junto aos dias de pagamento multimilionários e a alta visibilidade, vêm os riscos do escrutínio microscópico e da repercussão nas redes sociais”, diz Franklin Chu, diretor administrativo da empresa de marketing Azoya International, que já trabalhou com Austin Li no passado.
Juntamente com as responsabilidades fiscais e a censura de conteúdo, os influenciadores de comércio eletrônico de livestreaming também estão lidando com regulamentações crescentes que os responsabilizam por coisas como controle de qualidade do produto, relatórios adequados de seus números de vendas e participação de menores de idade em seus livestreamings. Desde 2020, o governo divulgou vários documentos regulatórios que abordam diferentes aspectos do negócio, deixando o setor sob constante vigilância.
Enquanto influenciadores como Huang e Zhu desapareceram da internet, suas equipes de marketing e negócios estão lutando para permanecer no setor. Seus assistentes se tornaram influenciadores, alegando que não estão mais envolvidos com as empresas que apoiaram seus ex-chefes famosos, mas a mídia chinesa tem reportado que ainda são as mesmas equipes envolvidas.
Se a sobremesa de sorvete em forma de tanque for de fato o fim da carreira de Li, ela também será o fim da Meione, a empresa dele. Nenhuma declaração, contudo, foi feita pela sua equipe, pelas plataformas de tecnologia ou pelos reguladores ainda. Milhões de fãs estão ansiosos por notícias. Eles não serão os únicos a se alegrar se ele puder retornar aos livestreaming diários: os vendedores e agências de marketing que se beneficiaram de sua popularidade também irão. “Azoya teve uma parceria de sucesso com ele e provavelmente a teria novamente, supondo que não haja uma queda significativa em sua potência de marketing”, diz Franklin Chu.