Eu ando pensando muito sobre barcos ultimamente, e não é só porque vem fazendo calor em Nova York há alguns dias e pular na água parece uma ideia incrivelmente refrescante.
Na verdade, estou com barcos na cabeça porque algumas grandes novidades a respeito de transporte marítimo foram divulgadas recentemente pela Organização Marítima Internacional (IMO), agência da ONU responsável pelos regulamentos aplicáveis a embarcações que transportam todo tipo de produto, desde saias de tênis até baterias para veículos elétricos, mundo afora. No dia 7 de julho, a IMO estabeleceu novas metas climáticas, definindo uma data-alvo de “por volta de 2050” para reorganizar a indústria e atingir emissões líquidas zero.
Esse é um grande passo para a indústria de transporte marítimo, que antes não tinha um objetivo amplamente aceito. Mas, como bem se sabe, uma meta é mais um ponto de partida do que um fim. Assim, vamos dar uma olhada nas tecnologias que podem ajudar empresas a alcançar emissões líquidas zero.
Começando devagar
Além da meta de emissão zero, um aspecto essencial desse acordo da IMO é o estabelecimento de pontos de verificação ao longo dos anos até 2050. Eles não são vinculantes, mas a IMO espera reduzir as emissões em 20% até 2030 e em 70% até 2040.
Esses pontos de verificação podem ser fundamentais para incentivar a indústria a agir, diz Madeline Rose, que esteve presente durante os procedimentos na IMO e é diretora sênior de campanha climática no Pacific Environment, grupo ambientalista.
Fiquei especialmente impressionada com o primeiro ponto, porque 2030 está bem próximo (uma curiosidade: hoje estamos mais perto do primeiro dia de 2030 do que do último dia de 2016) e um corte de 20% nas emissões parece muito para uma indústria que costuma ser considerada difícil de descarbonizar. Contudo, pesquisando mais a fundo, fiquei surpresa em descobrir que existem vários caminhos relativamente simples que a indústria pode seguir para alcançar esse objetivo, possivelmente com folga.
Na prática, simplesmente reduzir a velocidade dos navios já pode ser o suficiente para chegar à redução de 20% dos gases de efeito estufa. Navios mais rápidos precisam de uma quantidade maior de combustível do que navios mais lentos, ainda que percorram a mesma distância. Além disso, existem outras opções tecnológicas disponíveis: novos combustíveis e equipamentos como velas e rotores especiais que usam o vento para impulsionar embarcações. Essa tríade poderia gerar uma redução de quase 50% das emissões até o final da década, de acordo com um estudo realizado pela empresa de consultoria ambiental CE Delft.
Eu escrevi um bocado sobre essas medidas que podem ser adotadas a curto prazo no transporte marítimo. Confira a matéria para saber mais. Nesse meio tempo, vamos olhar para o horizonte e imaginar como o transporte marítimo pode ser em 2050.
Atravessando oceanos
Reduzir a velocidade dos navios, acrescentar propulsão eólica ou mesmo revestir embarcações com materiais que deslizem melhor na água apenas diminui a quantidade de combustível utilizada. Mas não é assim que vamos reduzir as emissões de gases de efeito estufa a zero. Isso porque, mesmo que nos tornemos mais eficientes, ainda estaremos usando combustíveis fósseis que levam ao aquecimento global.
Portanto, a longo prazo, o transporte marítimo terá que passar por mudanças mais fundamentais, como a adoção de novas fontes de energia.
Alguns navios passarão a usar baterias, mas eles provavelmente ficarão restritos a viagens curtas, porque a maior parte das baterias de hoje em dia seriam grandes e pesadas demais para armazenar energia suficiente para viagens mais longas.
Um estudo, publicado ano passado no jornal Nature Energy, estimou que, hoje, seria economicamente viável realizar viagens de até 1.000 Km com navios elétricos. Se as baterias continuarem a se tornar mais baratas e a armazenar mais energia em recipientes menores, essa distância pode, em breve, aumentar para 3.000 Km, ou até mais, se custos ambientais forem considerados e navios forem projetados para carregar mais peso.
Ainda assim, para rotas mais longas, é provável que ainda dependamos de combustíveis.
Uma opção é a amônia, sobre a qual já escrevi antes. Esse composto químico, hoje utilizado para produzir fertilizantes, poderia abastecer navios de duas maneiras. Poderia ser usado em motores a combustão, visto que, por não conter carbono, não produz dióxido de carbono quando queimado. Poderia também funcionar como forma de armazenar e transportar hidrogênio, que seria, então, utilizado em células de combustível para abastecer navios elétricos. Confira a matéria que escrevi ano passado para mais detalhes.
Algumas empresas estão se voltando para o metanol como possível combustível verde. Ele ainda tem carbono em sua composição, gerando emissões quando queimado, mas pode ser produzido com uso de energias renováveis e dióxido de carbono retirado da atmosfera ou de fontes biológicas, de modo que as emissões seriam compensadas em parte, se não completamente.
A gigante do transporte marítimo Maersk anunciou recentemente que reuniu biometanol suficiente para uma viagem inaugural da Coreia do Sul à Dinamarca. A disponibilidade de biometanol e outros combustíveis de baixa emissão ainda é um gargalo na indústria, mas a empresa já encomendou mais de uma dúzia de navios movidos a metanol.
Vou continuar acompanhando os trabalhos relacionados a essas fontes alternativas de energia, então fique ligado para receber mais informações. E, só para constar, estamos mais próximos de 2050 do que de 1996.
Leituras relacionadas
Confira minha matéria sobre como a indústria de transporte marítimo pode começar a reduzir emissões agora mesmo.
A amônia é uma candidata popular ao abastecimento dos transportes marítimos globais, mas esse combustível terá que enfrentar alguns desafios primeiro. Eu escrevi uma matéria ano passado sobre os dois lados dessa moeda.
Navios podem não ser os únicos meios de transporte abastecidos com metanol: na China, algumas empresas querem usar esse combustível em carros. Meu colega Zeyi Yang fez um relato sobre essa tendência em setembro do ano passado.
Outra coisa
Syracuse pode passar por um período de grandes mudanças. A cidade do estado de Nova York é marcada pela pobreza e, em breve, se tornará sede de quatro fábricas de chips gigantescas, cuja construção irá custar um total de US$ 100 bilhões. Meu colega David Rotman fez uma pesquisa detalhada sobre o que isso pode significar para a região e o que o influxo de recursos do governo federal norte-americano representa para outras cidades pelo país. Leia aqui.
Acompanhando o clima
Mais de 60 mil pessoas morreram por causa das ondas de calor do verão europeu no ano passado. Itália, Espanha e Portugal tiveram as taxas de mortalidade mais altas. (New York Times)
→ Eu escrevi uma matéria, ano passado, sobre como a mudança dos padrões de temperatura dos verões pode levar a um aumento do número de aparelhos de ar-condicionado no continente, e porque isso pode ser um problema. (MIT Technology Review)
Uma velha usina termoelétrica a carvão na Dakota do Norte está sendo adaptada com sistemas de captura de carbono. O projeto vai custar mais de US$ 1 bilhão e pode ser um grande teste para a tecnologia. (Inside Climate News)
Toyota anuncia sua ambição de colocar baterias de estado sólido em carros até 2027. Mas essa está longe de ser a primeira vez que a montadora faz promessas sobre a tecnologia. (Financial Times)
→ Se usadas em carros elétricos, baterias de estado sólido podem reduzir o tempo de carregamento e aumentar a autonomia dos veículos. (MIT Technology Review)
O teste de um sistema geotérmico aprimorado em Utah atingiu um grande marco, conectando túneis subterrâneos profundos. Projetos geotérmicos aprimorados podem ajudar a levar energia renovável a locais onde a energia geotérmica tradicional não está disponível. (Deseret)
O Departamento de Energia dos Estados Unidos tem um cofre com centenas de milhares de dólares e pretende gastar parte disso com transporte público. (Bloomberg)
O governo Biden acaba de aprovar um grande parque eólico em alto mar. Ficará perto da costa de Nova Jersey e poderá abastecer até 380 mil casas. (Grist)