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Corrigir nosso problema coletivo com o consumo de carne é um dos desafios mais complicados para lidar com as mudanças climáticas – e, por algum motivo desconcertante, o mundo parece ter a intenção de tornar a tarefa ainda mais complicada.
O exemplo mais recente ocorreu no início de maio, quando o governador da Flórida, Ron DeSantis, assinou uma lei que proíbe a produção, a venda e o transporte de carne de cultura em todo o Estado do Sol.
“A Flórida está lutando contra o plano da elite global de forçar o mundo a comer carne cultivada em uma placa de Petri ou insetos para atingir seus objetivos autoritários”, disse DeSantis em um comunicado.
Carnes e produtos animais alternativos – sejam eles cultivados em laboratório ou à base de plantas – oferecem um caminho muito mais sustentável para a produção em massa de proteínas do que a criação de animais para leite ou abate. Ainda assim, políticos, nutricionistas e até mesmo a imprensa continuam a criar maneiras de retratar esses produtos como controversos, suspeitos ou de baixa qualidade. Não importa o quão saborosos eles sejam ou o quanto possam reduzir as emissões de gases de efeito estufa, sempre há um novo obstáculo no caminho – nesse caso, o governador DeSantis, com um sorriso nada confortável.
A nova lei claramente não tem nada a ver com a ameaça crescente de autoritarismo (para saber mais sobre isso, confira a cruzada de seu governo para proibir livros sobre pinguins gays). Antes de mais nada, trata-se de um ato de favorecimento político, uma forma de proteger o considerável setor pecuário da Flórida, que ele menciona na declaração.
A carne cultivada é vista como uma ameaça ao setor pecuário porque os animais são minimamente envolvidos em sua produção. As empresas cultivam células originalmente extraídas de animais em um caldo nutritivo e depois as transformam em nuggets, hambúrgueres ou filés. O Departamento de Agricultura dos EUA já autorizou duas empresas, a Upside Foods e a Good Meat, a começar a vender produtos de frango cultivado, aos consumidores. Recentemente, Israel se tornou o primeiro país a aprovar uma versão de carne bovina.
Ainda é difícil dizer se a carne de cultura se tornará boa e barata o suficiente em breve para reduzir significativamente nossa dependência de gado, frango, porcos, ovelhas, cabras e outros animais, para nossa proteína e nosso prazer gastronômico. E, com certeza, levará anos até que possamos produzi-los de uma forma que gere emissões significativamente menores do que as práticas de pecuária dos padrão atuais.
No entanto, há grandes esperanças de que isso possa se tornar uma forma mais limpa e menos cruel de produzir carne, já que não exigiria toda a terra, os alimentos e a energia necessárias para criar, alimentar, abater e processar os animais atualmente. Um estudo constatou, que a carne cultivada poderia reduzir as emissões, por quilo de carne, em 92% até 2030, mesmo que a criação de gado também obtivesse melhorias substanciais.
Esses tipos de ganhos são essenciais se quisermos amenizar os perigos crescentes da mudança climática, pois a produção de carne, laticínios e queijo contribui enormemente para as emissões de gases de efeito estufa.
DeSantis e os políticos de outros estados que podem seguir o exemplo, incluindo Alabama e Tennessee, estão levantando o risco da obrigatoriedade de comer insetos e o da elite global para transformar a carne cultivada em uma questão cultural e acabar com o setor, logo no início.
Porém, novamente, é sempre alguma questão diferente. Já ouvi uma série de outros argumentos em todo o espectro político, contra vários produtos proteicos alternativos, que também incluem hambúrgueres, queijos e leites à base de vegetais, ou até mesmo pós e barras de cereais derivados de grilos. Aparentemente, essas alternativas à carne e aos laticínios não deveriam ser altamente processadas, produzidas em massa ou geneticamente modificadas, nem deveriam ser tão prejudiciais à saúde quanto seus complementos de origem animal.
Por causa disso, estamos estabelecendo testes pelos quais quase nenhum produto pode passar, quando na verdade tudo o que deveríamos exigir das proteínas alternativas é que sejam seguras, tenham bom sabor e reduzam a poluição climática.
O “x” da questão
O problema é o seguinte.
A produção pecuária gera mais de 7 bilhões de toneladas de dióxido de carbono, o que representa 14,5% das emissões climáticas globais do mundo, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU) para Agricultura e Alimentação.
A produção de carne bovina, leite e queijo é, de longe, o maior problema, representando cerca de 65% das emissões do setor. Queimamos florestas densas em carbono para fornecer às vacas muitas áreas de pastagem. Em seguida, elas retribuem o favor arrotando quantidades impressionantes de metano, um dos mais poderosos gases de efeito estufa. Somente a população de gado da Flórida, por exemplo, poderia gerar mais de 816 mil quilos de metano por ano, conforme calculado com base nas emissões padrão por animal.
Em um artigo anterior, o World Resources Institute observou que, na dieta média dos EUA, a carne bovina contribuía com 3% das calorias, mas com quase metade da poluição climática da produção de alimentos. (Se você quiser tomar uma única medida que poderia reduzir significativamente sua pegada climática, leia essa frase novamente).
O desafio adicional é que a população mundial está crescendo e se tornando mais rica, o que significa que mais pessoas podem comprar mais carne.
Há maneiras de lidar com algumas das emissões da produção pecuária sem carne cultivada ou hambúrgueres à base de vegetais, incluindo o desenvolvimento de suplementos que reduzem os arrotos de metano e incentivam os consumidores a simplesmente reduzirem o consumo de carne. Até mesmo a simples troca de carne bovina por frango pode fazer uma grande diferença.
Mas vamos esclarecer uma questão. Não consigo imaginar um político em minha vida, nos EUA ou na maior parte do mundo, propondo a proibição da carne e esperando sobreviver à próxima eleição. Portanto, não, caro leitor. Ninguém está indo atrás de sua costela. Se há algum ataque às liberdades pessoais e à liberdade econômica aqui, DeSantis é quem está fazendo isso ao não permitir que os moradores da Flórida escolham por si mesmos o que querem comer.
No entanto, há um problema real que precisa ser resolvido. E a grande esperança de empresas como a Beyond Meat, a Upside Foods, a Miyoko’s Creamery e dezenas de outras é que possamos desenvolver alternativas de carne, leite e queijo que sejam semelhantes aos veículos elétricos: ou seja, produtos que sejam bons o suficiente para resolver o problema, sem exigir nenhum sacrifício dos consumidores ou mandatos governamentais. (Embora os subsídios sempre ajudem).
A boa notícia é que o mundo está fazendo um progresso real no desenvolvimento de substitutos que, cada vez mais, têm o mesmo sabor, a mesma aparência e com (desculpas pelo termo arrogante) a mesma “sensação na boca” das versões tradicionais, sejam elas desenvolvidas a partir de células animais ou vegetais. Se eles se tornarem populares e ganharem escala, isso poderá reduzir bastante as emissões – com o bônus de reduzir o sofrimento dos animais, os danos ambientais e a disseminação de doenças animais para a população humana.
A má notícia é que parece que não conseguimos aproveitar as vitórias quando as obtemos.
A tristeza do queijo azul
Para almoçar em certo dia, passei pela Butcher’s Son Vegan Delicatessen & Bakery em Berkeley, Califórnia, e pedi um sanduíche vegano de frango Buffalo com queijo azul à parte, desenvolvido pela Climax Foods, também sediada em Berkeley.
No final de abril, descobriu-se que o produto havia, de forma improvável, conquistado a categoria de queijo nos testes cegos de sabor dos prestigiados prêmios Good Food, como revelou o Washington Post.
Vamos fazer uma pausa aqui para observar que essa é uma vitória impressionante para os queijos veganos. Um sinal claro de que podemos usar plantas para produzir produtos artesanais de primeira linha, indistinguíveis até mesmo para os paladares refinados de gourmets experientes. Se um produto é tão saboroso e satisfatório quanto o original, mas pode ser produzido sem a ordenha de animais que queimam metano, isso é uma grande vitória para o clima.
Mas, infelizmente, a história não termina aí.
Depois que vazou a notícia de que o queijo azul era um finalista, senão o vencedor, a Good Food Foundation parece ter acrescentado uma regra que não existia quando a competição começou, mas que desqualificou o Climax Blue, informou o Post.
Não tenho nenhuma informação especial sobre o que aconteceu nos bastidores. Mas, pelo menos um pouco, parece que a competição inventou uma desculpa para destronar um queijo vegano que havia superado seus equivalentes de origem animal e deixado os tradicionalistas atônitos.
Essa vitória poderia ter feito maravilhas para ajudar a promover a aceitação do produto Climax, senão da categoria mais ampla. Mas agora a história é a controvérsia e isso é uma pena, porque o queijo é realmente muito bom.
Não sou um gourmet profissional, mas tenho uma vida inteira de experiência, nascida da recusa obstinada de comer qualquer molho de salada que não seja o de queijo azul. Em meu próprio teste de sabor, posso dizer que ele tinha a aparência e o sabor de um queijo azul suave, o que é tudo o que ele precisa fazer.
Um problema com hambúrgueres
Banir um produto ou alterar as regras de um concurso de queijo depois de determinar o vencedor já é ruim o suficiente. Mas a reação às proteínas alternativas que me deixou mais perplexo foi a narrativa da mídia que se formou em torno da última geração de hambúrgueres à base de vegetais, logo depois que eles começaram a se popularizar há alguns anos. História após história, no tom de um ousado contador da verdade, revelando algo novo a cada vez: “Você sabia que esses novos hambúrgueres à base de vegetais não são muito mais saudáveis do que os de carne?”
Enquanto eu gritava para o meu monitor: ESSE NUNCA FOI O OBJETIVO!
Há muito tempo o mundo é perfeitamente capaz de produzir hambúrgueres à base de vegetais que são melhores para você, mas o problema é que eles tendem a ter gosto de vegetais. A inovação real com as opções mais recentes, como o Beyond Burger ou o Impossible Burger, é que eles têm a aparência e o sabor dos verdadeiros hambúrgueres, mas podem ser produzidos com uma pegada climática muito menor.
Isso, por si só, já é uma grande vitória.
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Sobre o autor
Por: James Temple
James é editor de energia na MIT Technology Review, focado em assuntos ligados à energia renovável e o uso de tecnologia no combate às mudanças climáticas.