As gigantes de tecnologia, como Google, Apple, Oracle, Microsoft e Amazon nunca esconderam seu interesse no mercado de saúde, porém, nos últimos anos, a disposição dessas empresas em ganhar espaço nesse mercado se intensificou. Com o discurso de que a forma como o mercado lida com saúde atualmente está errada, crescia no mundo a ideia que um novo sistema de saúde iria emergir, com uma forte influência do Vale do Silício.
Um ponto interessante é que embora cada uma dessas gigantes tenha foco diferente no mercado de saúde, em sua maioria o início foi relativamente parecido, com o desenvolvimento de produtos e iniciativas internamente, em alguns casos até mesmo de maneira secreta. Esse formato surgiu porque partiram do princípio que Tech era a última peça que faltava na saúde, logo seu conhecimento em tecnologia era uma vantagem competitiva que faria com que o mercado de saúde se transformasse rapidamente.
Escrevi sobre a estratégia de cada uma das gigantes em outro artigo, que trata da investida de Amazon, Apple, Facebook, Microsoft e Google na saúde.
Mas o que se viu com as primeiras iniciativas das gigantes foi um grande aprendizado de que a tecnologia sozinha não resolveria muitos problemas. Entretanto, essas empresas veem fracasso como combustível para iterarem e adaptarem suas estratégias para melhor, e por isso, mesmo com as mudanças, acredito que elas estão longe de desistirem do mercado de saúde.
Em realidade, após patinarem em suas primeiras iniciativas, vejo que essas empresas aprenderam que, para crescer na velocidade que gostariam, é fundamental atuarem em duas grandes frentes: parcerias e aquisições.
Parcerias: a saúde é um esporte de equipe, então é fundamental a busca por parceiros
Vamos fazer um exercício simples de pensar quantos atores (empresas e profissionais) estão envolvidos em uma emergência médica que resulta que um paciente precise ir com urgência para um hospital realizar uma cirurgia. A ambulância, o enfermeiro, a médica, o hospital, é isso né? Bem, gastei alguns minutos mais e rapidamente essa lista começou a crescer exponencialmente e várias dúvidas também surgiram: esse paciente tem plano de saúde? Ou vai ser atendido pelo SUS? A ambulância era do SAMU? E o hospital era da operadora, do governo ou de terceiros? Quais informações se tem sobre esse paciente, vieram de onde?
Não tem como fugir. Na saúde, atuar sozinho não funciona, dificilmente uma empresa conseguirá atender o paciente de ponta a ponta e quando tentamos colocar tecnologia no meio, surge também o desafio da Interoperabilidade, muitas vezes não temos a mesma informação em todas as pontas e enviar ou receber esses dados é muito custoso, pois o sistema como um todo não está preparado e conectado.
Logo, estar bem conectado nesse meio, desde a pesquisa até como escalar seus negócios com parceiros estratégicos é importante desde o início.
Aquisições: aceleram o aprendizado e a escalada de seus produtos
Estamos falando de um mercado complexo que é difícil começar grande logo de cara. Mas quando se pensa nessas gigantes, tudo precisa ser feito em escala colossal, do contrário a representatividade da vertical de saúde a nível de receita será sempre insignificante se comparado com os outros negócios dessas empresas.
Por que digo isso? Porque, claro que o anúncio que a Amazon Care estaria sendo encerrada no final desse ano assustou muita gente, pois parecia um novo fracasso, mas se conectarmos os pontos, a notícia veio após a compra da One Medical pela mesma empresa e de especulações sobre o interesse também na Signify Health. Portanto, ao vermos em detalhes, parece mais uma mudança de estratégia que possibilita a Amazon escalar mais rapidamente nesse mercado.
Primeiramente, a Amazon notou que a solução atual da Amazon Care não era suficientemente completa para oferecer serviços para grandes contas enterprise ou oferecer sua solução diretamente ao consumidor final, e viu na One Medical uma oportunidade interessante, que traz ao portfólio uma solução já mais madura de saúde primária, com presença física e equipe de saúde experiente.
No tópico de aquisições na saúde, a Amazon não é a primeira nem a última a utilizar dessa estratégia nesse mercado. Já vimos bons exemplos recentes, como a Cerner sendo comprada pela Oracle para acelerar a oferta de serviços em nuvem para clientes do setor de saúde, ou do caso da Nuance Healthcare pela Microsoft.
Mas por que não compraram empresas logo no início? Erros podem ser encarados como fracassos ou aprendizados, e imagino que a sacada dessas empresas foi colocar a mão na massa logo no início para rapidamente entender o que funciona e o que não, sem ter que se preocupar com choques culturais entre empresas ou uma estrutura de decisões muito hierarquizada.
Agora que aprenderam um pouco mais no mercado, é provável que aumentem as apostas, consequentemente os investimentos, pois erros básicos que ocorreram no início, têm menos chances de se repetirem.
Mas e o setor tradicional de saúde? Será que estão inovando e “errando” para melhorar ou seguem fazendo mais do mesmo? Se o conforto faz parte do dia a dia, então correm alto risco de serem alcançados pelas gigantes de tecnologia nos próximos anos.
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Este artigo foi produzido por Gustavo Comitre, Diretor de Produto para pacientes na DocPlanner e colunista da MIT Technology Review Brasil.