Recentemente, oito bebês nasceram no Reino Unido após uma forma experimental de fertilização in vitro que envolve DNA de três pessoas. A abordagem foi usada para impedir que mulheres com mutações genéticas transmitissem doenças mitocondriais aos seus filhos.
Mas esses oito bebês não são os primeiros “filhos de três pais” por aí. Ao longo da última década, várias equipes têm utilizado variações dessa abordagem para ajudar pessoas a terem filhos.
Não posso seguir em frente sem falar sobre o termo que usamos para descrever essas crianças. Jornalistas, incluindo eu, as chamaram de “bebês de três pais” porque são criadas usando DNA de três pessoas. De maneira resumida, a abordagem geralmente envolve o uso do DNA dos núcleos dos óvulos e espermatozoides dos pais pretendidos. É lá que a maior parte do DNA de uma célula está localizada.
Mas também utiliza do DNA mitocondrial (mtDNA) — o DNA encontrado nas organelas produtoras de energia de uma célula — de uma terceira pessoa. A ideia é evitar o uso do mtDNA da mãe pretendida, talvez porque ela carregue mutações genéticas. Outras equipes fizeram isso com a esperança de tratar a infertilidade.
O mtDNA, que normalmente é herdado da mãe de uma pessoa, representa uma fração minúscula do DNA total herdado. Ele inclui apenas 37 genes, os quais se acredita desempenharem um papel no funcionamento das mitocôndrias (ao contrário de, por exemplo, cor dos olhos ou altura).
É por isso que alguns cientistas desprezam o termo “bebê de três pais”. Sim, o bebê tem DNA de três pessoas, mas esses três não podem ser considerados pais, argumentam os críticos. Para fins de argumentação, desta vez vou usar o termo “fertilização in vitro de três pessoas”.
Os primeiros bebês foram reportados na década de 1990. Atuando, na época, no Saint Barnabas Medical Center em Livingston, Nova Jersey, nos Estados Unidos, Jacques Cohen e seus colegas pensaram que poderiam ser capazes de tratar alguns casos de infertilidade injetando o citoplasma contendo mitocôndrias de óvulos saudáveis em óvulos da mãe pretendida. De acordo com a equipe, dezessete bebês nasceram dessa forma. (Nota adicional: No artigo, os autores descrevem os potenciais filhos resultantes como “indivíduos de três pais”).
Mas dois fetos pareceram ter anomalias genéticas. E uma das crianças começou a apresentar sinais de um distúrbio no desenvolvimento. Em 2002, a Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA (Food and Drugs Administration, ou FDA) interrompeu a pesquisa.
Os bebês nascidos durante esse estudo agora estão na casa dos 20 anos. Mas os cientistas ainda não sabem por que observaram aquelas anomalias. Alguns acreditam que misturar o mtDNA de duas pessoas pode ser problemático.
Abordagens mais recentes para a fertilização in vitro de três pessoas têm como objetivo incluir o mtDNA apenas do doador, contornando completamente o mtDNA da mãe pretendida. John Zhang, do New Hope Fertility Center, em Nova York, nos Estados Unidos, tentou essa abordagem para um casal jordaniano em 2016. A mulher carregava genes para uma doença mitocondrial fatal e já havia perdido dois filhos devido a isso. Ela queria evitar transmitir a doença para outro filho.
Zhang retirou o núcleo do óvulo da mulher e o inseriu em um óvulo de uma doadora, do qual o núcleo havia sido removido, mas que ainda possuía o citoplasma contendo mitocôndrias. Esse óvulo foi então fertilizado com o esperma do marido da mulher.
Como ainda era ilegal nos EUA, Zhang, de forma controversa, realizou o procedimento no México, onde, como ele me disse na época, “não há regras”. O casal acabou recebendo um bebê menino saudável. Menos de 1% das mitocôndrias do menino carregavam a mutação da mãe, então o procedimento foi considerado um sucesso.
Houve bastante indignação da comunidade científica, no entanto. A doação mitocondrial havia sido legalizada no Reino Unido, no ano anterior, mas nenhuma clínica ainda havia recebido uma licença para realizá-la. O experimento de Zhang parecia ter sido conduzido sem supervisão. Muitos questionaram quão ético foi o procedimento, embora Sian Harding, que revisou a ética do procedimento no Reino Unido, tenha me dito na época que era “tão bom quanto ou melhor do que o que seria feito no Reino nido”.
O escândalo mal havia se acalmado quando os próximos bebês de “fertilização in vitro de três pessoas” foram anunciados. Em 2017, uma equipe da Nadiya Clinic, na Ucrânia, anunciou o nascimento de uma menina para pais que haviam passado pelo tratamento para infertilidade. A notícia causou mais indignação em alguns setores, já que cientistas argumentaram que o procedimento experimental deveria ser usado apenas para prevenir doenças mitocondriais graves.
Foi somente no final daquele ano, que a autoridade de fertilidade do Reino Unido concedeu uma licença a uma equipe em Newcastle para realizar a doação mitocondrial. Essa equipe iniciou um estudo em 2017. Foi uma grande notícia: o primeiro estudo “oficial” para testar se a abordagem poderia prevenir com segurança a doença mitocondrial.
Mas o progresso foi lento. E, enquanto isso, outras equipes estavam avançando. A Nadiya Clinic continuou a testar o procedimento em casais com infertilidade. Pavlo Mazur, um ex-embriologista que trabalhou nessa clínica, me conta que dez bebês nasceram lá como resultado da doação mitocondrial.
Mazur então se mudou para outra clínica na Ucrânia, onde ele afirma ter usado um tipo diferente de doação mitocondrial para alcançar mais cinco nascimentos saudáveis para pessoas com infertilidade. “No total, são 15 crianças feitas por mim”, diz ele.
Mas ele acrescenta que outras clínicas na Ucrânia também estão usando a doação mitocondrial, sem compartilhar seus resultados. “Não sabemos o número real dessas crianças na Ucrânia”, diz Mazur. “Mas há dezenas delas.”
Em 2020, Nuno Costa-Borges, da Embryotools em Barcelona, Espanha, e seus colegas descreveram outro estudo de doação mitocondrial. Esse estudo, realizado na Grécia, também foi projetado para testar o procedimento em pessoas com infertilidade. Envolveu 25 pacientes. Até agora, sete crianças nasceram. “Acho um pouco estranho que eles não estejam recebendo mais reconhecimento”, diz Heidi Mertes, especialista em ética médica da Universidade de Ghent, na Bélgica.
Os recém-anunciados nascimentos no Reino Unido são apenas os mais recentes bebês de “fertilização in vitro de três pessoas”. E, embora seus nascimentos estejam sendo comemorados como uma história de sucesso para a doação mitocondrial, a história não é tão simples assim. Três dos oito bebês nasceram com uma proporção não insignificante de mitocôndrias mutadas, variando entre 5% e 20%, dependendo do bebê e da amostra.
Dagan Wells, da Universidade de Oxford, na Inglaterra, que está envolvido no estudo na Grécia, diz que dois dos sete bebês no estudo deles também parecem ter herdado mtDNA das mães pretendidas. Mazur afirma que também viu vários casos dessa “reversão”.
Isso não é um problema para bebês cujas mães não carregam genes para doenças mitocondriais. Mas pode ser para os outros.
Não quero jogar um balde de água fria sobre os novos resultados do Reino Unido. Foi ótimo finalmente ver os resultados de um estudo que está em andamento há oito anos. E o nascimento de bebês saudáveis é algo para se comemorar. Mas não é uma história simples de sucesso. A doação mitocondrial não garante isso. Ainda temos muito a aprender, não apenas com esses, mas com os outros que já nasceram.