Se alguém lhe dissesse que a probabilidade de algo acontecer é de apenas 3,1%, isso realmente não pareceria muito. Mas, para as pessoas responsáveis por proteger nosso planeta, isso foi enorme.
No dia 18 de fevereiro deste ano, astrônomos determinaram que um asteroide de 40 a 90 metros de comprimento tinha 3,1% de chance de colidir com a Terra em 2032. Nunca houve antes um corpo celeste com tais dimensões teve uma chance tão alta de atingir o planeta. Para quem acompanhava essa história se desenrolar na imprensa, a revelação era inquietante. Para muitos cientistas e engenheiros, no entanto, apesar da seriedade da situação, a descoberta foi, de certa forma, empolgante.
Ainda que os locais possíveis de impacto incluíssem áreas de oceano, o asteroide, chamado 2024 YR4, também tinha várias cidades densamente povoadas em seu possível caminho, incluindo Mumbai, Lagos e Bogotá. Se o asteroide realmente atingisse uma dessas metrópoles, o melhor cenário seria de danos severos e o pior cenário seria a ruína total e imediata. E, pela primeira vez, um grupo de pesquisadores apoiados pelas Nações Unidas começou a ter discussões de alto nível sobre o destino do mundo: Se este asteroide fosse atingir o planeta, que tipo de missão espacial poderia ser capaz de impedi-lo? Eles iriam lançar uma nave espacial contra ele para desviá-lo? Usariam armas nucleares para tentar afastá-lo ou destruí-lo completamente?
Ao mesmo tempo, defensores planetários de todo o mundo ocuparam suas estações de combate para ver se poderíamos evitar esse destino e, apesar das às vezes extenuantes novas demandas sobre suas mentes e agendas, eles permaneceram alguns dos indivíduos mais tranquilos da galáxia. “Tive que cancelar um compromisso dizendo: não posso ir. Tenho que salvar o planeta”, diz Olivier Hainaut, astrônomo do Observatório Europeu do Sul e um dos que rastrearam o 2024 YR4.
E então, tão rápido quanto a história a surgiu, os especialistas declararam que o perigo havia passado. Em 24 de fevereiro, os rastreadores de asteroides avisaram que estava tudo certo: a Terra seria poupada, assim como muitos pesquisadores de defesa planetária tinham certeza de que isso aconteceria.
Como eles fizeram isso? Como foi acompanhar o aumento (e o aumento e o aumento) do perigo desse asteroide, e, finalmente, determinar que ele não acertaria a Terra?
Esta é a história interna de como, no período de apenas dois meses, uma vasta rede de astrônomos globais encontrou, seguiu, mapeou, planejou e, finalmente, descartou o 2024 YR4, o asteroide mais perigoso já encontrado, tudo sob os prazos mais apertados e, por um momento, com as apostas mais altas.
“Não foi um exercício”, diz Hainaut. Isso era para valer: “Nós realmente [tínhamos] que acertar.”
NO COMEÇO
27 de dezembro de 2024
SISTEMA DE ALERTA DE IMPACTO TERRESTRE DE ASTEROIDES, HAVAÍ
Muito tempo atrás, um asteroide na via espacial entre Marte e Júpiter sentiu uma perturbação na força: a atração gravitacional do próprio Júpiter, o rei dos planetas. Após um certo balanço para frente e para trás, esse asteroide foi lançado para fora do cinturão, deu uma volta ao redor do sol e se encontrou em uma órbita que se sobrepôs à órbita da Terra.
“Eu fui o primeiro a ver as detecções dele,” lembra Larry Denneau, da Universidade do Havai. “Um pequeno pixel branco em um fundo preto.”
Denneau é um dos principais investigadores da rede telescópica do Sistema de Alerta de Impacto Terrestre de Asteroides (Asteroid Terrestrial-impact Last Alert System, a ATLAS), financiada pela NASA. Mesmo sendo apenas dois dias após o Natal, mas ele seguiu o procedimento como se fosse qualquer outro dia do ano e enviou as observações do pequeno pixel para outra instalação financiada pela NASA, o Centro de Planetas Menores (Minor Planet Center, ou MPC) em Cambridge, Massachusetts, nos Estados Unidos.
Há uma realidade alternativa na qual nada disso aconteceu. Felizmente, em nossa linha do tempo, várias agências espaciais, principalmente a NASA, mas também a Agência Espacial Europeia e a Agência de Exploração Aeroespacial do Japão, investem milhões de dólares todo ano em esforços para detectar asteroides.
E, embora várias nações abriguem observatórios capazes de realizar esse trabalho, os EUA claramente lideram o caminho: seu programa de defesa planetária fornece financiamento para um conjunto de instalações telescópicas dedicadas exclusivamente à identificação de rochas espaciais potencialmente perigosas. (Pelo menos, lidera o caminho por enquanto. A proposta da Casa Branca de cortes orçamentários draconianos para a NASA e a Fundação Nacional de Ciência significa que vários observatórios e missões espaciais vinculados à defesa planetária estão enfrentando perdas de financiamento ou até mesmo cancelamentos totais.)
Astrônomos que trabalham nesses observatórios têm a tarefa de encontrar asteroides ameaçadores antes que eles nos encontrem, porque não se pode combater o que não se pode ver. “Eles são a linha de frente da defesa planetária”, diz Kelly Fast, o oficial de defesa planetária interino no Escritório de Coordenação de Defesa Planetária da NASA em Washington.
O ATLAS é uma parte deste projeto de vigilância do céu, e consiste em quatro telescópios: dois no Havai, um no Chile e outro na África do Sul. Eles não operam da maneira que você imagina, com astrônomos observando através deles a noite toda. Em vez disso, eles operam “completamente de forma robótica e automática”, diz Denneau. Impulsionados por scripts de codificação que ele e seus colegas desenvolveram, esses olhos mecânicos trabalham em harmonia para vigiar quaisquer rochas espaciais suspeitas. Normalmente, os astrônomos monitoram sua pesquisa do céu a partir de um local remoto.
Os telescópios ATLAS são pequenos, portanto, não conseguem ver objetos particularmente distantes. Mas eles têm um grande campo de visão, o que permite que vejam grandes áreas do espaço a qualquer momento. “Enquanto o tempo estiver bom, estamos monitorando constantemente o céu noturno, do Polo Norte ao Polo Sul”, diz Denneau.
Se eles detectarem a luz das estrelas refletida por um objeto em movimento, um operador, como Denneau, recebe um alerta e verifica visualmente se o objeto é verdadeiro e não algum tipo de artefato de imagem, quando há uma característica que não corresponde à realidade. Quando um asteroide (ou cometa) suspeito é identificado, as observações são enviadas para o Centro de Planetas Menores que abriga um quadro de avisos com dados orbitais de todos os asteroides e cometas conhecidos, entre outras informações.
Se o objeto não estiver listado, uma nova descoberta é anunciada e outros astrônomos podem realizar um acompanhamento com observações.
Nos últimos anos, o ATLAS detectou mais de 1.200 asteroides com órbitas próximas à Terra. Encontrar rochas espaciais que, em última instância, são inofensivas é um trabalho rotineiro. Tanto que, quando o novo asteroide próximo à Terra foi avistado pelo telescópio chileno do ATLAS naquele dia de dezembro, sequer causou surpresa.
Denneau estava sentado em casa, fazendo um trabalho de última hora em seu computador. Naquele momento, é claro, ele não sabia que seu telescópio havia acabado de avistar o que logo se tornaria um asteroide histórico, um que poderia alterar o futuro do planeta.
O MPC rapidamente confirmou que a nova rocha espacial ainda não havia sido “encontrada” e os astrônomos lhe deram uma um nome provisório: 2024 YR4.
CATALINA SKY SURVEY, NO ARIZONA
Mais ou menos na mesma época, a descoberta foi compartilhada com outra instalação financiada pela NASA: o Catalina Sky Survey, um conjunto de três telescópios nas Montanhas Santa Catalina, ao norte de Tucson, que opera a partir da Universidade do Arizona, nos Estados Unidos. “Nós conduzimos uma operação muito rigorosa”, diz Kacper Wierzchoś, um dos observadores de cometas e asteroides. Ao contrário do ATLAS, esses telescópios (embora auxiliados por automação) frequentemente contam com um astrônomo presente para alterar rapidamente as pesquisas em tempo real.
Quando o Catalina foi alertado sobre o que seus colegas no ATLAS haviam avistado, a equipe acionou seu telescópio Schmidt, um telescópio menor que se destaca por observar objetos brilhantes que se movem extremamente rápido. Enquanto alimentavam suas próprias observações de 2024 YR4 para o MPC, o engenheiro do Catalina, David Rankin, revisou imagens dos dias anteriores e encontrou o novo asteroide aparecendo em uma foto do céu noturno tirada em 26 de dezembro. Nessa mesma época, o ATLAS também percebeu que havia avistado 2024 YR4 em uma fotografia de 25 de dezembro.
As observações combinadas confirmaram: o asteroide havia feito sua aproximação mais próxima da Terra no Dia de Natal, o que significava que ele já estava se afastando novamente para o espaço. Mas para onde, exatamente, essa rocha espacial estava indo? Onde ela terminaria depois de passar ao redor do sol?
CENTRO DE ESTUDOS DE OBJETOS PRÓXIMOS À TERRA (CENTER FOR NEAR-EARTH OBJECT STUDIES), NA CALIFÓRNIA
Se a resposta a essa pergunta fosse a Terra, Davide Farnocchia seria um dos primeiros a saber. Poderia ser dito que ele é um dos “observadores” da NASA na muralha.
E ele é notavelmente calmo em relação às suas funções. Quando soube de 2024 YR4, mal piscou. Era apenas mais um asteroide vagando pelo espaço, não muito longe da Terra. Era apenas mais um item da lista para ser marcado.
Uma vez registrado pelo MPC, era tarefa de Farnocchia tentar traçar os possíveis caminhos de 2024 YR4 pelo espaço, verificando se algum deles se sobrepusesse ao do nosso planeta. Ele trabalha no Centro de Estudos de Objetos Próximos à Terra (Center for Near-Earth Object Studies, o CNEOS) da NASA, na Califórnia, onde é parcialmente responsável por monitorar todos os asteroides e cometas conhecidos no sistema solar. “Temos 1,4 milhão de objetos para lidar”, diz ele, de forma prática e direta.
No passado, os astrônomos teriam que juntar várias imagens deste asteroide e traçar suas possíveis trajetórias. Hoje, felizmente, Farnocchia conta com ajuda: ele supervisiona o cérebro digital Sentry, um sistema autônomo que ele ajudou a codificar. (Outras duas instalações na Itália realizam trabalhos semelhantes: o Centro de Coordenação de Objetos Próximos à Terra da Agência Espacial Europeia, ou NEOCC, e o site privado Site de Dinâmica de Objetos Próximos à Terra, em inglês Near-Earth Objects Dynamics Site, ou NEODyS).
Quase todos os asteroides recém-descobertos rapidamente são identificados como não representando risco de impacto. Mas aqueles que têm até uma chance infinitesimal de colidir com nosso planeta nos próximos 100 anos são colocados na Lista de Risco do Sentry até que observações adicionais possam descartar essas terríveis possibilidades. Melhor prevenir do que remediar.
No final de dezembro, com um conjunto limitado de dados, o Sentry concluiu que havia uma chance não negligenciável de que 2024 YR4 atingisse a Terra em 2032. O Aegis, o software equivalente a ele no site NEOCC da Europa, concordou. Sem problema. Mais observações provavelmente removeriam 2024 YR4 da Lista de Risco. Apenas mais um dia no trabalho para Farnocchia.
Vale a pena notar que um asteroide em direção à Terra nem sempre é um problema. Rochas pequenas queimam na atmosfera do planeta várias vezes ao dia; você provavelmente já viu uma delas este ano, em uma noite sem lua. Mas, acima de um certo tamanho, essas rochas deixam de ser inofensivas estrelas cadentes e se transformam em explosões semelhantes a nucleares.
A luz refletida das estrelas é ótima para avistar asteroides inicialmente, mas é uma péssima forma de determinar seu tamanho. Uma grande rocha opaca reflete tanta luz quanto uma pequena rocha brilhante, fazendo com que ambas apareçam iguais para muitos telescópios. E isso é um problema, considerando que uma rocha de cerca de 30 pés de comprimento explodiria de forma barulhenta, mas sem consequências significativas na atmosfera da Terra, enquanto um asteroide de 3.000 pés de comprimento atingiria o solo e causaria destruição em uma escala global, colocando toda a civilização em risco. De maneira geral, se você dobrar o tamanho de um asteroide, ele se torna oito vezes mais energético no impacto. Por isso, descobrir o tamanho de um asteroide que se aproxima da Terra é de extrema importância.
Nas primeiras horas após sua descoberta, e antes que alguém soubesse quão brilhante ou opaca era sua superfície, o asteroide 2024 YR4 foi estimado pelos astrônomos como tendo entre 20 e 150 metros de diâmetro. Um objeto de tamanho menor explodiria no ar, estilhaçando vidros por várias milhas e provavelmente ferindo milhares de pessoas. No tamanho maior, ele iria pulverizar o coração de qualquer cidade que atingisse, transformando rocha sólida e metal em líquido e vapor, enquanto sua onda de choque devastaria o restante da cidade, matando centenas de milhares ou até milhões no processo.
REFINANDO A IMAGEM
Meados de janeiro de 2025
TELESCÓPIO MUITO GRANDE (VERY LARGE TELESCOPE), CHILE
Compreensivelmente insatisfeitos com esse nível de imprecisão, o Telescópio Muito Grande (Very Large Telescope, ou VLT) do Observatório Europeu do Sul, localizado no alto da montanha Cerro Paranal no Deserto de Atacama, no Chile, entrou em cena. Como o nome sugere, essa instalação principal é imensa e capaz de ampliar realmente objetos distantes. Ou, para colocar de outra maneira: “O VLT é o maior, o melhor, o mais avançado telescópio do mundo”, diz Hainaut, um dos operadores da instalação, que normalmente o comanda de outro lado do mundo, na Alemanha.
Na realidade, o VLT, que auxilia a Agência Espacial Europeia em suas funções de caça aos asteroides, é composto por quatro telescópios massivos, cada um fixado em quatro cantos separados do céu. Eles podem ser combinados para atuar como se fosse um enorme canhão de luz, permitindo que os astrônomos vejam asteroides muito tênues. Quatro telescópios adicionais, menores e móveis, também podem se unir aos seus irmãos maiores para fornecer imagens de altíssima resolução, até mesmo dos asteroides mais furtivos.
Com tanta tecnologia para supervisionar, a sala de controle do VLT se parece um pouco com o interior da Estrela da Morte. “Você tem oito consoles, cada um com uma dúzia de telas. É grande, é imenso, é espetacular”, diz Hainaut.
Em meados de janeiro, a Agência Espacial Europeia pediu ao VLT que estudasse vários asteroides com órbitas próximas à Terra um tanto suspeitas, incluindo 2024 YR4. Com apenas algumas linhas de código, o VLT poderia facilmente focar seus olhos afiados em um asteroide como o 2024 YR4, permitindo que os astrônomos estreitassem sua faixa de tamanho. Foi constatado que ele tinha pelo menos 40 metros comprimento (grande o suficiente para causar danos significativos em uma cidade) até 90 metros (capaz de aniquilar uma).
29 de janeiro de 2025
REDE INTERNACIONAL DE ALERTA DE ASTEROIDES
No final do mês, não havia mais dúvidas: 2024 YR4 tinha mais de 1% de chance de impactar a Terra em 22 de dezembro de 2032.
“Não é algo que você vê com frequência”, diz Marco Fenucci, um especialista em dinâmica de objetos próximos à Terra no NEOCC. Ele admite que, embora fosse “uma coisa séria”, essa escalada também foi “emocionante de ver”, algo saído diretamente de um filme de ficção científica.
O Sentry e o Aegis, juntamente com os sistemas do NEODyS, estavam verificando os cálculos uns dos outros. “Havia muito cuidado”, diz Farnocchia, que explica que, embora seus programas funcionassem maravilhosamente, suas previsões eram verificadas manualmente por vários especialistas. Quando surge uma raridade como o 2024 YR4, ele afirma, “você meio que muda de marcha e começa a ser mais cauteloso. Você começa a examinar tudo o que chega.”
Neste ponto, o alarme proveniente desses três centros de dados fez com que a Rede Internacional de Alerta de Asteroides (Asteroid Warning Network, ou IAWN), um grupo de conscientização sobre defesa planetária apoiado pela ONU, emitisse um alerta público para os governos do mundo: o planeta pode estar em perigo. Para a maioria, foi nesse momento que a mídia, e o público em geral, tomou conhecimento da ameaça. Terra, talvez nós tenhamos um problema.
Denneau, juntamente com muitos outros astrônomos, recebeu um e-mail urgente de Fast, do Escritório de Coordenação de Defesa Planetária da NASA, solicitando que todos os observatórios com capacidade técnica rastreassem este asteroide perigoso. Mas havia um problema óbvio. Quando 2024 YR4 foi descoberto em 27 de dezembro, já havia se passado dois dias desde sua aproximação mais próxima com a Terra. E, como ele estava se afastando para as sombras do espaço, estava rapidamente desaparecendo da vista.
Uma vez que o asteroide fica muito tênue, “não há muito o que o ATLAS possa fazer”, diz Denneau. Quando o alerta da IAWN foi emitido, os defensores planetários tinham apenas algumas semanas para tentar rastrear 2024 YR4 e refinar as chances de ele atingir a Terra antes que o perdessem para a escuridão.
E, se os telescópios falhassem, as chances de um impacto com a Terra permaneceriam desconfortavelmente altas até 2028, quando o asteroide deveria fazer outra passagem próxima do planeta. Isso aconteceria apenas quatro curtos anos antes de a rocha espacial realmente poder colidir.
“Nessa situação, teríamos… problemas”, diz Fenucci, do NEOCC.
A caçada começou.
PREPARANDO-SE PARA O PIOR
5 e 6 de fevereiro de 2025
GRUPO DE CONSULTORIA DE PLANEJAMENTO DE MISSÕES ESPACIAIS (SPACE MISSION PLANNING ADVISORY GROUP), ÁUSTRIA
No início de fevereiro, especialistas em missões espaciais, incluindo os do Grupo de Consultoria de Planejamento de Missões Espaciais, apoiado pela ONU, em Viena, começaram discussões de alto nível para esboçar maneiras de desviar 2024 YR4 da Terra ou destruí-lo, só por precaução.
Uma série de opções estava disponível, incluindo colidir com ele usando várias espaçonaves não tripuladas ou atacá-lo com armas nucleares, mas não havia uma solução mágica para essa situação. Nunca ninguém havia lançado um dispositivo nuclear para o espaço profundo antes, e as ramificações geopolíticas de qualquer nação com armas nucleares fazendo isso nos dias de hoje seriam extremamente indesejáveis. Os asteroides também são objetos extremamente estranhos. Alguns, talvez incluindo o 2024 YR4, são menos como pedaços únicos de rocha e mais semelhantes a múltiplos penhascos voando em formação. Acertar um asteroide assim com muita força poderia resultar em falha no desvio e, em vez disso, transformar uma bala de canhão direcionada à Terra em uma rajada de tiros.
É seguro dizer que, no início, os especialistas estavam preocupados se poderiam evitar um desastre em potencial. O ponto crucial é que oito anos não era, de fato, muito tempo para planejar algo dessa escala. Portanto, eles estavam ansiosos para determinar com mais precisão a probabilidade, ou improbabilidade, de que o 2024 YR4 colidisse com o planeta antes que qualquer planejamento complexo de missão espacial começasse de fato.
As pessoas envolvidas nessas discussões, de físicos em alguns dos laboratórios de pesquisa de armas nucleares mais secretos dos EUA a pesquisadores de voos espaciais na Europa, não estavam perto de algo que se parecesse com pânico. Mas “o prazo era realmente curto”, admite Hainaut. Portanto, havia um tempo sem precedentes para suas discussões. Isso não era um exercício. Era o verdadeiro desafio. O que eles fariam para defender o planeta se um impacto de asteroide não pudesse ser descartado?
Felizmente, nos dias seguintes, uma série de novas observações chegaram. Cada uma ajudou o Sentry, o Aegis e o sistema do NEODyS a descartar mais órbitas futuras possíveis de 2024 YR4. Infelizmente, a Terra continuava sendo um possível destino para esse asteroide incômodo e, com o tempo, nosso planeta passou a representar uma maior proporção dessas possibilidades restantes. Isso significava que as chances de um impacto com a Terra “começaram a aumentar”, diz Denneau.
Em 6 de fevereiro, as chances aumentaram para 2,3%. Uma chance em 43 de um impacto.
“Quanto de ansiedade alguém deveria sentir por isso é difícil dizer”, diz Denneau, com um leve encolher de ombros.
No passado, vários asteroides gigantes foram encontrados com uma pequena chance de colidir desajeitadamente com o planeta. Tais incidentes tendem a seguir um padrão. À medida que mais observações chegam e a órbita do asteroide se torna mais bem conhecida, uma trajetória de impacto com a Terra continua sendo uma possibilidade enquanto outras órbitas mais distantes são descartadas dos cálculos. Então, por um tempo, as chances de um impacto aumentam. Finalmente, com observações suficientes, fica claro que a rocha espacial vai passar totalmente longe do nosso mundo, e as chances de impacto despencam para zero.
Os astrônomos esperavam que isso se repetisse com o 2024 YR4. Mas não havia garantia. Não se pode escapar do fato de que, um dia, mais cedo ou mais tarde, os cientistas descobrirão um asteroide perigoso que atingirá a Terra em cheio e destruirá uma cidade no processo.
Afinal, asteroides capazes de destruir uma cidade já chegaram à Terra várias vezes antes, e não apenas no passado muito distante. Em 1908, uma área de 1.200 quilômetros quadrados de floresta na Sibéria, uma região, felizmente, muito pouco habitada, foi devastada por uma rocha espacial de apenas 54 metros de comprimento. Ela nem chegou a atingir o solo. Explodiu no ar com a força de uma explosão de 15 megatoneladas.
Mas apenas outro asteroide comparável em tamanho ao 2024 YR4 teve sua probabilidade de 2,3% superada: em 2004, Apophis, capaz de causar danos em escala continental, teve (brevemente) uma chance de 2,7% de impactar a Terra em 2029.
Rapidamente se aproximando de águas desconhecidas, as autoridades da NASA decidiram jogar uma carta coringa espacial: o Telescópio Espacial James Webb, ou JWST.
O TELESCÓPIO ESPACIAL JAMES WEBB, ESPAÇO PROFUNDO, UM MILHÃO DE MILHAS DA TERRA
Um asteroide grande e opaco reflete a mesma quantidade de luz que um pequeno e brilhante, mas isso não significa que os astrônomos avaliando um asteroide estão desamparados. Se você observar ambos os asteroides no infravermelho, o maior brilha mais do que o menor, independentemente da camada de superfície, tornando o infravermelho, ou a parte térmica do espectro eletromagnético, uma maneira muito melhor de medir as proporções de uma rocha espacial.
Observatórios na Terra têm capacidades infravermelhas, mas a atmosfera do nosso planeta atrapalha, dificultando leituras altamente precisas sobre o tamanho de um asteroide.
Mas o Telescópio Espacial James Webb (JWST), no espaço, não tem esse problema.
Este observatório, que está em um ponto gravitacionalmente estável a cerca de um milhão de milhas da Terra, é polímata. Seu escopo de precisão, semelhante ao de um atirador de elite, pode ver no infravermelho e permite que observe a borda do universo observável, o que significa que pode estudar galáxias que se formaram pouco após o Big Bang. Ele pode até analisar a luz que passa pelas atmosferas de planetas distantes para determinar suas composições químicas. E seu olho extraordinariamente afiado significa que também pode rastrear o brilho térmico de um asteroide muito tempo depois que todos os telescópios terrestres perdem seu rastro.
Em um golpe de sorte no tempo, quando o 2024 YR4 apareceu, os defensores planetários haviam recentemente concluído que o JWST poderia teoricamente ser usado para rastrear asteroides ameaçadores usando seu próprio escopo infravermelho, caso fosse necessário. Então, após o alerta da IAWN ser emitido, os operadores do JWST realizaram uma análise: embora o asteroide desaparecesse da visão da maioria dos telescópios até o final de março, este poderia ser capaz de ver a rocha até algum momento em maio, o que permitiria aos pesquisadores refinar consideravelmente sua avaliação da órbita do asteroide e as chances de impacto com a Terra.
Entender a trajetória de 2024 YR4 era importante, mas “o tamanho foi o principal motivador”, diz Andy Rivkin, astrônomo do Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins, que liderou a proposta de usar o JWST para observar o asteroide. A esperança era que, mesmo que as chances de impacto permanecessem altas até 2028, o JWST descobrisse que o 2024 YR4 estava no lado menor da faixa de tamanho de 40 a 90 metros o que significaria que ainda seria um perigo, mas muito menos catastrófico.
A proposta do JWST foi aceita pela NASA em 5 de fevereiro. Mas a primeira oportunidade para realizar as observações seria no início de março. E o tempo realmente não estava a favor da Terra.
7 de fevereiro de 2025
TELESCÓPIO GEMINI SUL (GEMINI SOUTH TELESCOPE), CHILE
“Neste ponto, [2024 YR4] estava muito tênue para os telescópios Catalina”, diz Wierzchoś, do Catalina. “Na nossa opinião, isso era um grande problema.”
Então, Wierzchoś e seus colegas fizeram um raro pedido de emergência para tomar o controle do Observatório Gemini, uma instalação financiada e operada internacionalmente, com dois grandes telescópios de alta precisão, um no Chile e outro no topo do vulcão Mauna Kea, no Havai. O pedido foi aceito, e em 7 de fevereiro, eles instruíram o telescópio Gemini Sul, no Chile, para o 2024 YR4.
As chances de impacto com a Terra caíram ligeiramente para 2,2%, um pequeno, mas ainda assim bem-vindo, avanço.
Meados de fevereiro de 2025
OBSERVATÓRIO MAGDALENA RIDGE (MAGDALENA RIDGE OBSERVATORY, OU MRO), NOVO MÉXICO
Neste ponto, a equipe de caçadores de 2024 YR4 também incluía a pequena equipe que opera o Observatório Magdalena Ridge (MRO), que está localizado no topo de uma montanha tranquila no Novo México.
“Sou eu e meu marido”, diz Eileen Ryan, diretora do MRO. “Somos os únicos dois astrônomos operando o telescópio. Temos um técnico durante o dia. É meio que uma organização familiar.”
Ainda assim, o telescópio não deve ser subestimado. “Podemos ver talvez um objeto do tamanho de um celular iluminado na órbita geoestacionária”, diz Ryan, referindo-se a objetos a 22.000 milhas de distância. Mas seu recurso mais impressionante é sua mobilidade. Enquanto outros observatórios têm telescópios que giram lentamente, o telescópio do MRO pode se mover rapidamente como o vento. “Podemos rastrear os objetos mais rápidos”, diz ela com um sorriso, observando que o telescópio foi construído em parte para monitorar mísseis para a Força Aérea dos EUA. Sua agilidade e visão de longa distância explicam por que a organização é um dos principais clientes do MRO: ele pode ser usado para espionar satélites e espaçonaves, desde a órbita baixa da Terra até as regiões lunares. E isso significava que espionar o super-rápido e super-furtivo 2024 YR4 não era um problema para o MRO, cujas próprias observações foram vitais para refinar as chances de impacto do asteroide.
Então, em meados de fevereiro, o MRO e todos os observatórios terrestres se depararam com um problema insolúvel: a lua cheia estava no céu, brilhando tanto que cegava qualquer telescópio que ousasse apontar para o céu noturno. “Durante a lua cheia, os observatórios não podiam observar por cerca de uma semana”, diz Fenucci, do NEOCC. Para a maioria de nós, a lua é um belo orbe prateado. Mas para os astrônomos, ela é uma inimiga. “Nós detestamos a lua”, diz Denneau.
Tudo o que eles podiam fazer era esperar. Aqueles que rastreavam o 2024 YR4 alternavam entre estarem animados e ligeiramente apreensivos. A ideia de que o asteroide ainda pudesse ter uma boa chance de impactar a Terra depois de desaparecer de vista pesava um pouco em suas mentes.
No entanto, Farnocchia manteve seu característico sangue-frio durante todo o tempo. “Eu tento me preocupar com as coisas que posso controlar”, diz ele. “Tudo o que podemos fazer é explicar qual é a situação, e que precisamos de novos dados para dizer mais.”
18 de fevereiro de 2025
CENTRO DE ESTUDOS DE OBJETOS PRÓXIMOS À TERRA (CENTER FOR NEAR-EARTH OBJECT STUDIES), CALIFÓRNIA
À medida que a lua cheia finalmente se transformava em uma crescente de luz, os maiores telescópios do mundo voltaram à ação para uma última tentativa de glória. “O tempo escuro chegou novamente”, diz Hainaut, com um sorriso.
Novas observações finalmente começaram a chegar, e o Sentry, o Aegis e o NEODyS reajustaram suas previsões. Não eram boas notícias: as chances de um impacto com a Terra em 2032 subiram para 3,1%, tornando oficialmente o 2024 YR4 o asteroide mais perigoso já descoberto.
Essa declaração virou manchete ao redor do mundo e certamente fez o público curioso se alertar e se perguntar se já tinham mais uma preocupação apocalíptica para se preocupar. Mas, como sempre, os caçadores de asteroides mantiveram firme sua previsão de que, mais cedo ou mais tarde, idealmente mais cedo, mais observações fariam as chances de impacto caírem.
“Continuamos na luta”, diz Ryan. Mas o tempo estava se esgotando; eles começaram a “procurar maneiras criativas de captar imagens desse asteroide”, diz Fenucci.
Pesquisadores de defesa planetária logo perceberam que o 2024 YR4 não estava muito longe da nave espacial Lucy da NASA, uma missão de ciência planetária que estava realizando uma série de passagens por vários asteroides. Se a Lucy pudesse ser redirecionada para alcançar o 2024 YR4, isso daria à humanidade a melhor visão possível da rocha, permitindo que o Sentry e companhia confirmassem ou dissipassem nossos piores medos.
Infelizmente, a NASA fez os cálculos, e isso se mostrou inviável: o 2024 YR4 estava rápido demais e muito distante para que a Lucy o perseguisse.
Estava começando a parecer que o JWST seria a última e melhor esperança para rastrear o 2024 YR4.
UMA MUDANÇA DE DESTINO
19 de fevereiro de 2025
TELESCÓPIO MUITO GRANDE (VLT), CHILE e OBSERVATÓRIO MAGDALENA RIDGE (MRO), NOVO MÉXICO
Apenas um dia depois de 2024 YR4 fazer história, o VLT, MRO e outros o avistaram novamente, e o Sentry, o Aegis e o NEODyS consumiram avidamente seus novos dados.
As chances de impacto com a Terra caíram repentinamente para 1,5%.
Os astrônomos realmente não tiveram tempo para reagir à possibilidade de que isso fosse um bom sinal, eles simplesmente continuaram enviando suas observações adiante.
20 de fevereiro de 2025
TELESCÓPIO SUBARU, HAWAI
Outro observatório estava ansioso para entrar no jogo há semanas, mas só em 20 de fevereiro Tsuyoshi Terai, um astrônomo do Telescópio Subaru, do Japão, no topo do Mauna Kea, finalmente conseguiu observar 2024 YR4 se movendo entre as estrelas. Ele adicionou seus dados à corrente.
E, de repente, o asteroide perdeu seu brilho letal. As chances de ele atingir a Terra agora eram de apenas 0,3%.
Neste ponto, você poderia esperar que todos aqueles que o rastreavam estivessem em uma única sala de controle em algum lugar, com os olhos fixos nas telas, assistindo as chances caírem antes de explodirem em aplausos e gritos de alegria. Mas não. Os astrônomos que haviam passado tanto tempo observando esse asteroide continuaram espalhados pelo mundo. E, em vez de explodirem em aplausos, trocaram e-mails de congratulações com palavras modestas, o equivalente digital de um aceno ou um aperto de mão.
“Foi um alívio”, diz Terai. “Fiquei muito feliz que nossos dados ajudaram a pôr fim ao risco do 2024 YR4.”
24 de fevereiro de 2025
REDE INTERNACIONAL DE ALERTA DE ASTEROIDES
Poucos dias depois, e graças a uma série de observações que continuavam a chegar, a IAWN emitiu o “sinal verde”. As chances de o asteroide causar qualquer inconveniente ao nosso planeta estavam em 0,004% uma em 25.000. Hoje, as chances de um impacto com a Terra em 2032 são exatamente zero.
“Foi meio divertido enquanto durou”, diz Denneau.
Os pesquisadores podem ter se divertido defendendo o mundo, mas esses astrônomos ainda levaram a ameaça cósmica muito a sério, e nunca tiraram os olhos do objetivo. “Na minha opinião, os observadores e as equipes de órbita foram as estrelas dessa história”, diz Fast, o oficial de defesa planetária interino da NASA.
Farnocchia desencana de tudo isso. “Foi o resultado esperado”, diz ele. “Só não sabíamos quando isso aconteceria.”
Olhando para trás agora, porém, alguns dos rastreadores do 2024 YR4 estão permitindo-se refletir sobre o quão perto esse asteroide esteve de ser um grande perigo. “É incrível ver tudo se desenrolar”, diz Denneau. “Estávamos a semanas de ter que elaborar um plano sério de mitigação.” Mas não houve necessidade de elaborar como salvar o mundo. Aconteceu que o 2024 YR4 nunca foi uma ameaça desde o início, só demorou um pouco para verificar.
E essas experiências em lidar com uma rocha espacial arriscada só servirão para tornar o mundo um lugar mais seguro para viver. Um dia, um asteroide muito semelhante ao 2024 YR4 será visto indo em direção direta à Terra. E aqueles encarregados de rastreá-lo estarão oficialmente testados em batalha e mais preparados do que nunca para fazer o que precisa ser feito.
UM PÓS
27 de março de 2025
TELESCÓPIO ESPACIAL JAMES WEBB, ESPAÇO PROFUNDO, UM MILHÃO DE MILHAS DA TERRA
Mas a história do 2024 YR4 ainda não terminou. Na verdade, se fosse um filme, teria uma cena pós-créditos.
Após as chances de impacto com a Terra despencarem, o JWST seguiu em frente com suas observações em março mesmo assim. Descobriu-se que o 2024 YR4 tinha 60 metros de diâmetro, tão grande que um impacto direto com uma cidade teria sido horrivelmente letal. A Terra simplesmente não precisava mais se preocupar com isso.
Mas a lua talvez precise. Graças em parte ao JWST, os astrônomos calcularam uma chance de 3,8% de que o 2024 YR4 impacte a superfície lunar em 2032. Observações adicionais do JWST em maio aumentaram um pouco essa chance, para 4,3%, e a órbita não pode mais ser refinada até o próximo sobrevoo do asteroide pela Terra em 2028.
“Ele pode atingir a lua!” diz Denneau. “Todo mundo ainda está muito animado com isso.”
Uma colisão lunar daria aos astrônomos uma oportunidade maravilhosa não só de estudar a física de um impacto de asteroide, mas também de demonstrar ao público o quão bons eles são em prever com precisão os movimentos futuros de rochas espaciais potencialmente letais. “É algo para o qual podemos nos planejar sem precisar defender a Terra”, diz Denneau.
Se o 2024 YR4 realmente for colidir com a lua, o impacto, provavelmente no lado voltado para a Terra, liberaria uma explosão equivalente a centenas de bombas nucleares. Uma enorme cratera seria esculpida num piscar de olhos, e uma chuva de destroços explodiria em todas as direções.
Nenhum desses destroços supersônicos representaria perigo para a Terra, mas teria um visual espetacular: seria possível ver o brilho intenso do impacto a olho nu, da terra firme.
“Se isso acontecer, será incrível”, diz Denneau. Será uma maneira espetacular de ver a saga do 2024 YR4, que era antes uma simples mancha na sua tela de computador, chegar a um fim explosivo, com um assento na primeira fila.