Adição energética e o desafio da integração de novas fontes
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Adição energética e o desafio da integração de novas fontes

Durante anos, a ideia de uma transição energética rápida e limpa vem sendo repetida como um mantra em discursos oficiais, compromissos empresariais e pactos multilaterais. Alimentados por imagens de turbinas eólicas, painéis solares e promessas de descarbonização, muitos imaginam um futuro em que petróleo, carvão e gás sejam rapidamente substituídos por fontes renováveis. No entanto, o cenário que se desenha atualmente é bem diferente daquele idealizado.

Em vez de uma substituição direta dos combustíveis fósseis, o mundo presencia um fenômeno de adição energética. O avanço das fontes renováveis, como a solar e a eólica, não elimina o uso de petróleo, carvão e gás natural, apenas se soma a eles. Com isso, a tão esperada transição energética se transforma em um mosaico de tecnologias e fontes, moldado por governos e empresas segundo suas prioridades e capacidades, avançando em ritmos desiguais ao redor do planeta.

A demanda resiliente por derivados de petróleo nos países em desenvolvimento, impulsionada pelo crescimento populacional e pelo esforço por expansão econômica com energia mais acessível, reforça a ideia de que não se trata de negar o avanço e a importância das fontes renováveis, mas de reconhecer que esse progresso ocorre de maneira desigual e fragmentada.

De acordo com o relatório Energy Transition Investment Trends 2025 da BloombergNEF, os investimentos globais em energia limpa alcançaram um patamar recorde de 2,1 trilhões de dólares em 2024, um marco que evidencia o avanço da transição energética. Ainda assim, dados recentes revelam que a demanda por combustíveis fósseis permanece elevada, sobretudo em economias em desenvolvimento, onde o acesso à energia continua atrelado a soluções mais convencionais e acessíveis. O consumo global de hidrocarbonetos, presentes na constituição do gás natural, do gás liquefeito de propano, gasolina, diesel, além de combustíveis para aviação e navios, continua batendo recordes, mantendo sua participação majoritária na matriz energética mundial, revelando um descompasso entre a ambição climática e a realidade energética.

O professor Andrew W. Lo, do MIT, alerta que a expressão transição energética pode passar uma ideia equivocada. Para ele, na realidade, as novas tecnologias costumam ser adicionadas às fontes já existentes, como o petróleo, o gás e o carvão, e não substituí-las de forma imediata. Ele sugere uma nova forma de pensar o tema. Em vez de focar apenas na transição, poderíamos considerar o conceito de adição energética, que significa incluir fontes renováveis como a fissão e a fusão nucleares e a energia geotérmica na matriz que já está em uso.

Esse pensamento reforça as ideias do autor e pesquisador Daniel Yergin, amplamente reconhecido como um dos analistas de energia mais influentes do mundo, que também oferece uma resposta clara e direta à pergunta sobre o fim da era do petróleo e sua substituição total por energias renováveis.

Para Yergin, não haverá uma queda dramática acompanhada de um anúncio retumbante declarando que tudo acabou. Essa discussão sobre a transição energética, muitas vezes, parece desconectada da história econômica e da realidade. Se observarmos as transições energéticas do passado, veremos que elas levaram mais de um século para se concretizar. Tentar fazer essa mudança em vinte e cinco anos ou até na metade desse tempo é algo muito improvável, afirma.

Daniel destaca ainda que, embora as energias renováveis continuem em expansão, com um crescimento de seis por cento no último ano, ainda enfrentam obstáculos significativos que não podem ser ignorados. Entre esses desafios estão as dificuldades nas cadeias de suprimento, os juros altos e a inflação, que tornam os projetos mais caros e arriscados. Ele cita como exemplo o setor de energia eólica offshore nos Estados Unidos, que há dois anos era extremamente promissor, mas agora enfrenta cancelamentos ou renegociações de contratos justamente por causa dessas dificuldades econômicas e estruturais.

Outro aspecto central apontado por Yergin é a fragilidade das cadeias de suprimentos frente à escalada da demanda por minerais considerados estratégicos. Elementos como lítio (essencial em baterias de veículos elétricos e sistemas de armazenamento de energia), cobalto (presente em baterias recarregáveis), níquel (fundamental na produção de aço inoxidável e baterias), terras raras (um conjunto de 17 elementos cruciais para ímãs permanentes, turbinas eólicas, dispositivos eletrônicos e aplicações militares), cobre (indispensável por sua alta condutividade elétrica) e grafite (amplamente utilizado em baterias e tecnologias de ponta) se tornaram peças-chave da transição energética.

Segundo estudos do MIT, a busca por fontes renováveis vem transformando essas matérias-primas em elementos centrais das disputas geopolíticas. A concentração desses recursos em poucas regiões do planeta tem provocado uma corrida por acesso, acordos internacionais e investimentos em inovação para mitigar riscos e tornar as cadeias mais resilientes.

Um estudo da MIT Environmental Solutions Initiative projeta um aumento expressivo na demanda por minerais críticos nas próximas décadas. Até 2040, o consumo de cobre deve crescer 150%, enquanto o uso de cobalto e níquel tende a dobrar. Já a demanda por lítio pode registrar um salto de até 870%, impulsionada principalmente pelas tecnologias voltadas à eletrificação e ao armazenamento de energia.

Esses minerais são fundamentais para a transição energética, mas também criam uma nova forma de dependência global. Ao contrário do petróleo, cuja produção está relativamente distribuída entre diversos países, o processamento desses insumos é fortemente concentrado em poucos territórios, com destaque para a China. Esse domínio gera riscos geopolíticos e econômicos que precisam ser considerados com atenção na construção de um futuro energético.

Além disso, o custo dessa transição energética é colossal. Estima-se que serão necessários entre seis e oito trilhões de dólares por ano para cumprir as metas climáticas, o equivalente a cerca de 5% do PIB global. O paradoxo, porém, é que justamente os países que mais precisam investir em energia limpa (por serem os mais vulneráveis aos impactos ambientais e sociais das mudanças climáticas) são também os que têm menor acesso a recursos financeiros.

De acordo com o Banco Mundial, países de baixos recursos precisariam investir até 5% do PIB anualmente para se adaptar e mitigar os efeitos da crise climática, enquanto a média global gira em torno de 1,4%. Com capacidade limitada de financiamento, muitas dessas nações ainda dependem de fontes fósseis baratas para manter suas economias funcionando. Isso evidencia a urgência de promover uma transição energética que seja não apenas acelerada, mas também justa e acessível para quem mais precisa. Assim, a transição energética se revela desigual não apenas em termos tecnológicos, mas também do ponto de vista financeiro e social.

Um estudo do MIT Joint Program, publicado em 2023, estima que cerca de 90% do carvão e aproximadamente 60% do petróleo e gás já descobertos precisariam permanecer intocados para que as metas do Acordo de Paris fossem alcançadas. Isso representaria a perda de trilhões de dólares em valor econômico potencial. Segundo os pesquisadores, o valor presente líquido desses recursos que deixariam de ser extraídos até 2050 pode chegar a dezenas de trilhões de dólares.

O enfraquecimento da globalização, as tensões políticas, guerras e instabilidade econômica aumentam a incerteza. Cadeias produtivas são reorganizadas com foco na resiliência e soberania, não na eficiência. Surgem os “electro estados”, países que terão influência pela capacidade de gerar e distribuir energia limpa, enquanto os antigos “petro estados” tentam manter sua relevância, diversificando suas economias ou estendendo a exploração dos recursos fósseis.

É preciso reconhecer que a urgência climática continua sendo inegociável. Encarar a transição energética como um processo de adição e não de simples substituição nos leva a uma abordagem mais realista e estratégica.

Pesquisas e análises do MIT reforçam essa perspectiva. Embora as fontes renováveis avancem rapidamente, o que está em curso é a ampliação do sistema energético global, não sua substituição direta. Essa expansão impõe desafios financeiros, sociais e geopolíticos de alta complexidade, que exigem políticas eficazes e, sobretudo, cooperação internacional. Diversos estudos e especialistas ligados ao instituto têm enfatizado essa necessidade com clareza.

Daniel Yergin corrobora essa visão ao afirmar que a transição energética é antes de tudo um desafio sistêmico. Ela implica reestruturar a economia global, enfrentar a escassez de materiais e lidar com tensões políticas, ao mesmo tempo em que adapta estratégias às realidades locais. Não se trata apenas de vontade política ou de slogans ambiciosos, é preciso tempo, coordenação internacional e disposição para equilibrar as prioridades entre crescimento econômico, segurança energética e sustentabilidade ambiental, pois avançar neste desafio complexo exige esforço planejado, cooperação entre países e decisões cuidadosas que conciliem diferentes objetivos.

A transição para a neutralidade de carbono não ocorrerá de maneira simples, uniforme ou previsível. Trata-se de um processo complexo, caracterizado por diferentes velocidades, caminhos e combinações de fontes e tecnologias que variam conforme a região. Além disso, essa transição frequentemente gera conflitos ou desafios em relação a outros objetivos econômicos, sociais e ambientais, evidenciando que o processo é multifacetado e cheio de tensões.

É nesse contexto de multipotencialidade que o Brasil se destaca, ocupando uma posição singular no cenário energético global. Com uma matriz elétrica majoritariamente renovável e recursos naturais abundantes, o país reúne condições únicas para ampliar ainda mais sua oferta de energia limpa.

Atualmente, cerca de 48% da energia produzida em território nacional provém de fontes renováveis, um percentual expressivo, especialmente quando comparado à média global, que gira em torno de 14% segundo o Ministério de Minas e Energia.

A multiplicidade energética do Brasil como trunfo na transição energética global

A energia hidrelétrica é a principal protagonista da matriz elétrica brasileira, responsável por mais da metade da produção nacional. Essa posição privilegiada está diretamente ligada à geografia do país, que conta com inúmeros rios caudalosos, especialmente nas regiões Sul e Centro-Oeste. Grandes usinas como Itaipu, Belo Monte e Tucuruí exemplificam essa capacidade, gerando eletricidade em larga escala. Itaipu, por exemplo, é uma das maiores geradoras do mundo, com mais de 2,8 bilhões de megawatts-hora produzidos desde 1984.

No entanto, a hidreletricidade não está isenta de críticas. Reservatórios que inundam grandes áreas causam impactos ambientais e sociais, como a perda de biodiversidade e o deslocamento de comunidades tradicionais. Além disso, a dependência da água torna a geração vulnerável a períodos de seca, como aconteceu entre 2001 e 2002, quando o Brasil precisou ampliar investimentos em energia solar e eólica para compensar.

A energia solar, captada por painéis fotovoltaicos, tem crescido rapidamente no país. Em 2024, o Brasil já possuía mais de 42 gigawatts de potência instalada, distribuída entre sistemas residenciais, comerciais e usinas de grande porte. Sua característica limpa e renovável, aliada à queda nos custos dos equipamentos e aos avanços tecnológicos, tem impulsionado modelos inovadores, como contratos por assinatura e comunidades solares.

A energia eólica, que transforma a força do vento em eletricidade, também ganha terreno. O Nordeste concentra 85% da capacidade instalada, graças aos ventos constantes e favoráveis. Com mais de 1.000 parques eólicos em operação, o Brasil se destaca mundialmente, sobretudo em projetos offshore, onde os ventos mais regulares ampliam a eficiência das turbinas.

A biomassa, proveniente de resíduos orgânicos da agricultura e da indústria, é outra peça importante no mosaico energético brasileiro. Além de gerar eletricidade e calor, ela produz biocombustíveis, como o SAF, combustível sustentável de aviação, que tem potencial para reduzir os impactos ambientais do setor aéreo.

Os biocombustíveis, como o etanol da cana-de-açúcar e o biodiesel, são fundamentais na matriz nacional. Produzidos principalmente a partir da cana e da soja, eles promovem o desenvolvimento regional e fortalecem cadeias produtivas, enquanto contribuem para a redução das emissões de gases poluentes.

Apesar da predominância das fontes renováveis, o Brasil ainda depende do gás natural e do petróleo para movimentar sua economia. Segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis ANP, o país é um dos maiores produtores de petróleo do mundo.

Em 2024, o petróleo manteve-se como o principal produto de exportação, contribuindo significativamente para a geração de divisas e para a criação de empregos em diversos setores da economia. A produção e a venda de petróleo no mercado internacional são fundamentais para o fortalecimento econômico brasileiro, ajudando a equilibrar a balança comercial e a garantir recursos para investimentos públicos e privados.

No entanto, apesar do uso contínuo dessas fontes tradicionais, elas vêm perdendo espaço no consumo interno. Isso ocorre porque o Brasil tem adotado, de forma gradual, alternativas mais limpas e sustentáveis, refletindo uma mudança rumo a uma matriz energética cada vez mais verde. O país tem ampliado o uso de energias renováveis, como solar, eólica e hidráulica, que causam menos impacto ambiental e promovem um desenvolvimento energético mais sustentável.

Diante da sua rica diversidade energética, o Brasil vive um momento decisivo para consolidar sua posição de liderança na transição energética global. O país reúne todos os ingredientes necessários para harmonizar sustentabilidade, crescimento econômico e inovação tecnológica, o que exige uma ação firme alinhada a uma visão estratégica de longo prazo. O relógio climático avança rapidamente e os sinais claros de esgotamento do planeta tornam urgente a tomada de decisões responsáveis e ousadas.

A crise ambiental já é uma realidade e o desmatamento ilegal no Brasil representa uma ameaça grave. Se não houver ações efetivas, a extinção em massa de espécies e até a sobrevivência humana podem estar em risco. Entre 2010 e 2020, um estudo do INPE, USP e SOS Mata Atlântica apontou que atividades ilegais como pecuária e cultivo de soja causaram a perda de mais de 186 mil hectares de florestas na Mata Atlântica. O estudo alerta para a insuficiência das áreas protegidas e a necessidade de maior apoio às comunidades locais e melhor governança ambiental.

Ricardo Botelho, CEO do Grupo Energisa, destaca que a diversidade energética do Brasil é uma grande vantagem competitiva que precisa ser explorada com visão estratégica e inovação. Segundo ele, isso permitirá que o país não apenas acompanhe as transformações globais, mas também se torne uma referência e inspiração para a nova era da energia no mundo.

Botelho destaca que o Brasil possui uma combinação estratégica de vantagens energéticas que vão desde a abundância de fontes renováveis até uma sólida capacidade tecnológica na produção e exportação de petróleo em águas profundas. Essa diversidade posiciona o país de forma destacada no cenário global da transição energética, permitindo-lhe assumir um protagonismo que muitas nações desenvolvidas ainda buscam alcançar, um avanço que segundo Botelho essas nações só deverão atingir por volta de 2040.

Nas últimas duas décadas, a matriz elétrica brasileira passou por uma expansão significativa, com um crescimento de cerca de 150% na capacidade instalada de geração elétrica entre 2004 e 2023. Essa diversificação não apenas fortalece a segurança energética do país, mas também abre múltiplos caminhos para o desenvolvimento econômico sustentável e a garantia de rotas seguras rumo às metas de emissões zero.

No entanto, Ricardo Botelho destaca um paradoxo preocupante. Apesar da abundância e do caráter limpo da matriz energética brasileira, as tarifas de energia elétrica permanecem elevadas. Isso se deve, em grande parte, ao acúmulo de subsídios e encargos setoriais concedidos às fontes renováveis nas últimas duas décadas. Esse cenário representa um desafio significativo para o desenvolvimento social e econômico do país, afetando especialmente as camadas mais vulneráveis da população.

Embora o Brasil caminhe para se tornar o país da energia barata, os custos ainda são um desafio sério, afirma Botelho, reforçando a necessidade urgente de reavaliar os incentivos e remover entraves regulatórios para que o país possa aproveitar plenamente seu potencial energético.

Botelho ressalta ainda o papel crucial da indústria de biocombustíveis, que consolida o Brasil como um dos protagonistas no setor energético, reforçando a segurança e a autonomia do país. Para o CEO da Energisa, o Brasil conta com uma ampla oferta de soluções limpas e inovadoras, o que o posiciona como uma referência global em inovação energética. Isso reflete o compromisso do país com a construção de um futuro mais sustentável.

No entanto, esse futuro precisa ser construído com uma menor oneração de subsídios, já que os incentivos atuais, em muitos casos, não fazem mais sentido e precisam ser reavaliados para garantir eficiência e equilíbrio no setor.

A transição energética está remodelando, de forma profunda e irreversível, o sistema energético que conhecemos hoje. Deixar para trás a era do petróleo não é apenas uma mudança técnica, é um convite para repensar toda a economia, que caminha rapidamente para ser cada vez mais eletrificada e diversificada.

O setor elétrico, que já é naturalmente complexo, enfrentará um desafio ainda maior com o aumento significativo da participação de fontes de energia intermitentes, como solar e eólica, que dependem do clima e nem sempre geram energia de forma constante. Esse desafio vai além da parte técnica, relacionada à operação das redes, exige que todos os envolvidos, governos, órgãos reguladores, empresas do setor e os próprios consumidores, se adaptem e mudem suas formas de atuar.

Para isso, será necessário revisar e atualizar as regras, criando espaço para novas soluções e modelos que ainda estão em desenvolvimento ou que sequer conhecemos completamente hoje.

Essa é uma mudança que ultrapassa a tecnologia. É uma reflexão sobre nosso papel, nosso futuro e o que estamos dispostos a construir juntos.

Reconhecer a adição energética como caminho realista e a multipotencialidade como vantagem estratégica é aceitar que o futuro da transição será construído não com rupturas e substituições simples, mas com progresso e somas inteligentes.

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