Além de suas invenções que revolucionaram o mundo, Thomas Alva Edison, um brilhante inventor – que tinha rusgas com outro gênio, Nikola Tesla – também é conhecido por sua definição de genialidade: “1% inspiração, 99% transpiração”. Essa é a chamada proporção (ou razão) de Edison. Embora seja difícil comprovar a exatidão dessa afirmação, ela traz uma ideia muito próxima do que é necessário para tornar uma ideia brilhante em algo real, concreto.
Transportando essa afirmação para a tão falada inovação, podemos argumentar que um dos principais motivos pelo qual as organizações falham em suas políticas de inovação é enfatizar a criação de novas ideias, ideias disruptivas – usando os famosos brainstorms – e acabar negligenciando o volume de trabalho (e dinheiro) necessário para materializar cada uma dessas ideias. Ou seja, para muitas organizações e executivos, o que importa é a ideia. Na ânsia de agradar ao board, acionistas, clientes e demais stakeholders, os executivos acabam apreendendo que a ideia (inspiração) é muito mais importante do que a capacidade de executá-la (transpiração). E muitas dessas ideias estão delineadas nos planejamentos estratégicos da organização, que definem o direcionamento das ações para que a empresa alcance a sua visão de futuro. Essa é a chamada inversão da proporção de Edison.
Nesse cenário de “inovação”, onde temos a inversão da proporção de Edison, podemos identificar pelo menos três características comuns. Primeiro, a arrogância de quem tem a ideia brilhante, pois entende que é a ideia que é importante e toma todos os cuidados para não ter sua obra – a ideia, somente – roubada. Outra característica comum é a desvalorização do trabalho necessário para tornar a ideia brilhante em um produto ou solução real. Como o que importa é a ideia, todo o trabalho necessário para materializá-la é apenas acessório, não é importante e não tem valor. Assim, muitas vezes, a equipe que irá desenvolver aquela ideia acaba se desmotivando, pois não vê a devida valorização do seu trabalho. Isso sem falar de todo o investimento financeiro necessário para o trabalho. Piorando o cenário, como há um subdimensionamento do trabalho necessário para transformar a ideia em realidade, possivelmente os recursos – humanos, financeiros e de tempo – serão insuficientes. Fechando a tríade, temos aqueles que são “usinas de ideias”, pessoas que têm ideias brilhantes de forma frequente. A cada ideia, conseguem mobilizar equipe e a organização para fazer a ideia acontecer. Tudo vai caminhando até que surge uma nova ideia. E aí, a ideia anterior é abandonada – ou esvaziada – e todos se envolvem com a nova empreitada.
Como inovar?
Inovação é sempre bom para qualquer tipo de organização, pública ou privada. Contudo, para acertar no processo de inovação, além dos laboratórios, hackathons, oficinas de inovação e outras ações que normalmente são tomadas, é preciso não cair na falácia da proporção de Edison invertida. É necessário que se tenha um processo de governança adequado, para evitar que o brilho da ideia acabe inviabilizando sua execução. Para isso, podemos pensar em algumas medidas que podem ajudar as organizações a evitar essa armadilha:
1. Uma ideia brilhante é um esboço
É preciso que alguém especifique e detalhe melhor essa ideia, para que seja possível estimar custos, tempo, impactos e benefícios, para ajudar a organização a definir com clareza se a ideia é realmente brilhante e adequada.
2. Não é feitiçaria, é tecnologia
Muitas ideias – senão todas – acabam envolvendo soluções de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). E não raramente, as mudanças para concretizar a ideia não são simples. O viés de otimismo para a realização das atividades que envolvem TIC pode (e vai) inviabilizar a implementação da ideia. A TIC deve ser consultada e ter os seus prazos e requisitos respeitados para que a ideia seja transformada em produto, respeitando sempre a restrição tripla do gerenciamento de projetos: tempo, custo e escopo.
3. Promessa é dívida
Muitas das ideias envolvem melhorar a experiência do usuário ou cliente. Para isso, não podemos esquecer de identificar o impacto nos fluxos de processo de negócios já existentes. Deve-se lembrar também do impacto dessa ideia no backoffice, processos internos e fluxos de trabalho de forma a acomodar a nova ideia.
4. É preciso medir
A ideia deve trazer melhoria ao negócio e aos stakeholders. Para saber se esse resultado foi alcançado, é preciso ter métricas adequadas, que possam medir o desempenho da ideia, para reavaliar, se necessário. O ciclo de melhoria contínua PDCA (plan, do, control, act) deve ser considerado sempre, mesmo para novas ideias.
5. Trabalhar a aceitação dos stakeholders
Sempre há três grupos de stakeholders – os simpatizantes à inovação, aqueles que não se importam – neutros – e os resistentes. Para que a ideia vingue, é importante trabalhar a aceitação de todos os stakeholders, fazendo-os se sentirem parte da solução, integrados e, se possível, transformar os resistentes e os neutros em simpatizantes. Para identificar os grupos, pode-se, por exemplo utilizar a métrica de Net Promoter Score (NPS), de Fred Heichheld
6. A ideia é um projeto
E sendo um projeto, as boas práticas de gerenciamento de projetos devem ser consideradas, como as já conhecidas e amplamente divulgadas pelo Project Management Institute (PMI), por meio do Guia do Conhecimento em Gerenciamento de Projetos (Guia PMBOK).
Ideias devem ser incentivadas
Não há dúvidas que ideias devem ser incentivadas para estimular uma cultura de inovação. Ideias são importantes para a evolução das organizações em busca de melhorias contínuas. Contudo, deve ser trabalhada para se transformar em um projeto viável, resultando em um produto ou um serviço. A ideia em si não é suficiente para impulsionar a inovação e deve-se analisar e filtrar aquelas que têm potencial para impulsionar a atividade-fim da organização. Caso contrário, a “inovação” trazida pela ideia brilhante pode ser um retrocesso e não um avanço para a organização.
Este artigo foi produzido por Fabio Correa Xavier, Diretor do Departamento de Tecnologia da Informação do TCESP, Mestre em Ciência da Computação, Professor e colunista da MIT Technology Review Brasil.