A temperatura continua aumentando no conflito entre Estados Unidos e China.
No início de julho, o Ministro do Comércio chinês anunciou um novo sistema de licenças para exportação de Gálio e Germânio, dois elementos utilizados na fabricação de chips de computador, fibras ópticas, células solares e outros dispositivos.
A maior parte dos especialistas entende essa manobra como a retaliação mais significativa da China ao bloqueio ocidental à tecnologia de semicondutores, que se expandiu dramaticamente em outubro do ano passado, quando os EUA limitaram a exportação para a China dos chips mais avançados e dos equipamentos capazes de produzi-los.
No início deste ano, a China reagiu, colocando a Raytheon e a Lockheed Martin na lista de entidades não confiáveis e proibindo empresas domésticas de comprar chips da companhia americana Micron. Ainda assim, nenhuma dessas manobras teve o mesmo impacto global que o controle da exportação de gálio/germânio. Ao limitar o fornecimento dessas duas matérias-primas, a China sinaliza que também é capaz de causar danos ao sistema tecnológico ocidental e força outros países a repensarem as restrições impostas.
Mas, conforme noticiado há alguns dias, as novas regras de exportação chinesas podem não surtir muito efeito a longo prazo. “O controle das exportações não é tão efetivo se as tecnologias estão disponíveis em outros mercados”, diz Sarah Bauerle Danzman, professora adjunta de estudos internacionais na Universidade da Indiana em Bloomington. Uma vez que a tecnologia para produzir gálio e germânio já está bem desenvolvida, não será muito difícil para minas de outros países aumentarem sua produção, ainda que isso dependa de tempo, investimentos, incentivos políticos e, talvez, melhorias tecnológicas para tornar o processo mais ecologicamente correto.
E agora? Já passamos da metade de 2023 e, embora alguns eventos diplomáticos tenham demonstrado uma melhora nas relações entre China e Estados Unidos, como as viagens à China dos membros do governo norte-americano Antony Blinken e Janet Yellen, as tensões na área tecnológica continuam aumentando.
Quando os Estados Unidos instituíram restrições a exportações relacionadas a chips, em outubro, não ficou claro qual seria o impacto disso, porque o país não controla a totalidade da cadeia de produção de semicondutores. Analistas disseram que uma das questões mais relevantes era até que ponto os EUA seriam capazes de persuadir seus aliados a aderir ao bloqueio.
Agora, os EUA conseguiram convencer os jogadores mais importantes a entrarem em campo. Em maio, o Japão anunciou que iria limitar as exportações de 23 tipos de equipamentos usados em uma variedade de processos de fabricação de chips. A medida foi ainda mais severa do que a tomada nos Estados Unidos, que restringiu apenas a exportação de ferramentas para fabricação de chips de última geração, aqueles de 14 nanômetros ou menos. As restrições japonesas se estenderam a chips mais antigos, de gerações menos avançadas (até o nível de 45 nanômetros), o que preocupou a indústria de semicondutores chinesa com a possibilidade de que a produção de chips básico, usados em produtos do dia a dia, como carros, seja afetada.
No final de junho, a Holanda seguiu pelo mesmo caminho e anunciou que irá limitar a exportação de equipamentos de litografia ultravioleta profunda (DUV) usados para modelar chips. Essa também foi uma extrapolação das normas anteriores que, desde 2019, restringiam apenas a exportação dos equipamentos de litografia ultravioleta extrema (EUV) mais avançados.
Provavelmente foram essas restrições crescentes que levaram a China a imitar seus inimigos e instituir controles sobre a exportação de gálio e germânio.
A visita de Yellen ao país mostrou que essa troca de farpas entre a China e o bloco de países liderados pelos EUA não vai acabar tão cedo. Tanto Yellen como os líderes chineses demonstraram preocupação durante o encontro quanto a esses controles de exportações, mas nenhum dos lados fez menção a recuar.
Se medidas mais agressivas forem adotadas em breve, pode ser que vejamos o conflito se expandir para além dos semicondutores e envolver outras tecnologias, como baterias. Em uma matéria publicada no último dia 10 de julho, expliquei que, nesse ponto, a China levaria vantagem.
De olho na China
- Tesla demite funcionários de fábrica de baterias na China em razão da acirrada competição de preços no mercado de veículos elétricos. (Bloomberg $)
- A maior fabricante de veículos elétricos da China, a BYD, está construindo três novas fábricas no Brasil para produzir baterias, carros elétricos e híbridos. Elas ocuparão o local onde anteriormente havia uma fábrica da Ford. (Quartz)
- A cidade de Shenzhen, considerada o Vale do Silício chinês, está enfrentando um declínio populacional pela primeira vez em décadas. (Nikkei Asia $)
- Cinco pessoas foram presas pela polícia de Hong Kong por envolvimento na criação de um aplicativo de compras online que mapeava negócios locais pró-democracia. (Hong Kong Free Press)
- Agora existe um aplicativo oficial que ensina como ser jornalista na China, com cursos online sobre a visão marxista do jornalismo, por que o partido precisa controlar a imprensa e como ser um “jornalista influenciador”. (China Media Project)
- Durante sua visita, Yellen participou de um jantar com cinco economistas chinesas. Depois disso, elas foram chamadas de traidoras na internet. (Bloomberg $)
- Novo estudo diz que um número crescente de cientistas de ascendência chinesa vem deixando os Estados Unidos desde 2018, ano em que o Departamento de Justiça norte-americano lançou a “China Initiative”. (Inside Higher Ed). Uma investigação dessa iniciativa pela MIT Technology Review, publicada no final de 2021, mostrou que seu enfoque havia mudado da espionagem econômica para a “integridade em pesquisa”. A iniciativa foi oficialmente encerrada em 2022.
- O Threads, o novo competidor do Twitter (agora renomeado para X), lançado pela Meta, chegou ao Top 5 na App Store da Apple na China, embora usuários chineses precisem de um VPN para acessar a plataforma. (TechCrunch)
Problemas de tradução
No dia 5 de julho, a famosa cantora CoCo Lee, nascida em Hong Kong, morreu em decorrência de uma tentativa de suicídio, após uma luta de muitos anos contra a depressão. O trágico incidente destaca, mais uma vez, a importância do tratamento para a doença, que frequentemente é inacessível na China. Conforme noticiado pelo jornal chinês Xin Kuai Bao, menos de 10% dos pacientes diagnosticados com depressão no país recebem qualquer tipo de tratamento médico.
Mas, nos últimos anos, como as patentes de muitos antidepressivos ocidentais expiraram, companhias farmacêuticas chinesas aumentaram sua produção de genéricos. Há também uma corrida acirrada para inventar tratamentos nacionais. Em novembro do ano passado, o primeiro antidepressivo desenvolvido na China foi aprovado para venda no país, iniciando uma nova era da indústria. Existem mais 17 tratamentos nacionais em fase de testes atualmente.
Mais uma coisa
Toda vez que figuras notórias norte-americanas visitam a China, as mídias sociais chinesas só falam de uma coisa: o que elas comeram. Aparentemente, Janet Yellen é fã de cogumelos selvagens da fronteira sudoeste da China, pedido que seu grupo repetiu quatro vezes em um único jantar. Esse cogumelo específico, chamado Jian Shou Qing, também é conhecido por ter efeitos psicodélicos se não for preparado adequadamente. Agora o restaurante está aproveitando o momento para vender os pratos pedidos por Yellen como um combo, chamado menu “God of Money” (Deus do Dinheiro), de acordo com o site de notícias Quartz.