Quem seguir as pistas das origens da Nova Economia será levado a uma outra revolução, um pouco mais antiga, mas não menos impactante: a globalização. A nova ordem mundial começou a ser desenhada com mais clareza nos anos 1980, quando se tornou evidente o valor da velocidade da informação em um mundo de distâncias mais curtas e, portanto, mais integrado. Entre aquela época e hoje, floresceu a Big Data em que estamos imersos, que nos mantém conectados de maneira quase instantânea e dita os rumos econômicos destes tempos.
Naquele começo, a realidade de algoritmos substituindo decisões humanas era, quando muito, uma ideia meio batida para colocar em roteiro de ficção científica. No Brasil, parecia uma versão ainda menos verossímil. Conflituosa como tudo que é disruptivo, a globalização significou, por aqui, romper as resistências de nossos arcaísmos — econômicos, culturais e políticos. Na última década do século 20 ainda lutávamos contra o entulho do nacionalismo autoritário, que tinha dado, por exemplo, na reserva de mercado da informática e no estatismo nas telecomunicações.
Foi no início do século 21 que reunimos as condições mínimas para a tríade Internet, Cloud e APIs — ferramentas que nos permitiram viabilizar negócios mais ágeis, eficientes e com menos custo. Globalizados pela força da tecnologia, entramos nessa era marcados pelas iniciativas de uma nova geração de empreendedores que, visionários, pescaram as novas demandas do mercado. Nesse momento, iniciou-se a construção do ecossistema que daria na hoje próspera e robusta inserção do Brasil na Nova Economia.
Os primeiros sinais
Quase na virada do milênio vieram os primeiros sinais, com a chegada, por exemplo, do buscador de preços Buscapé, em 1999; no mesmo ano, aportava por aqui o argentino Mercado Livre — então, uma plataforma mais voltada para artigos de segunda mão. Tivemos também o Dotz (2000), que ousou com um programa de milhas sem estar atrelado a uma companhia aérea — coisa que ficou corriqueira hoje.
Outras iniciativas pipocaram, iniciando o ciclo virtuoso das startups, chamando a atenção dos investidores. E o tempo veio dar razão a todos os que apostaram fora da zona de conforto, desafiando o status quo. Mais um exemplo? A própria Movile, que, batizada inicialmente de Compera, foi bolada em uma sala na incubadora de empresas da Unicamp em 1998. Hoje o céu é o limite para essa gigante que congrega os aplicativos iFood, Sympla, PlayKids, Movile Pay, Zoop, Wavy, Moova e Mensajeros Urbano.
Nesses e em outros casos, a tecnologia deixava de ser um acessório para se tornar o foco do negócio. No vaivém dos erros e acertos, uns ficaram pelo caminho, outros se reinventaram e alguns ainda apostaram alto na mudança de seus modelos de negócio. Obviamente, muita gente não enxergou o que estava à sua frente ou, montada em seus privilégios, fez de conta que não. Mas essa é outra história.
A chegada do investimento
Tijolo por tijolo, o ecossistema foi se formando em meio a uma cultura em que as boas ideias se tornavam as commodities da vez. Na primeira década do século XXI, as fontes de Venture Capital eram raras. Mas estavam lá. Podemos lembrar do pioneirismo da Endeavor (1997), hub de apoio a startups; da Gávea Angels (2002), que introduziu a figura do investidor-anjo (pessoas físicas que aplicam capital próprio em iniciativas que consideram promissoras); e a monashees (2005), criada na medida para gestão do capital de risco em inovação.
A partir de 2010, o movimento se intensificou, com o surgimento de empresas como a Astella (2008), Anjos do Brasil (2011), Bossanova (2011), entre outras — todas embarcadas, cada uma à sua maneira, na aposta no futuro. O ponto de inflexão pode ser demarcado em torno de 2015 — há apenas seis anos! As fontes de investimento e apoio se multiplicaram e se diversificaram, inclusive com o surgimento de escolas da Nova Economia, como a Gama Academy (2016), o Google Campus São Paulo (2016), a Trybe (2017), a be.academy (2018) e a Link School of Business (2019).
O portfólio desse ecossistema em expansão inclui ainda as aceleradoras de startups Wow (2013), Distrito (2014) e Liga Ventures (2015), os gestores de venture capital como a Canary (2015), o hub Cubo, do Itaú (2015), entre muitas outras. A essa altura, quem não estava convencido, não podia mais ignorar os números, que refletiam a mudança de cultura sinalizada lá atrás.
A formação do capital
A dose de confiança foi cavalar — tudo, lembremos, graças à integração financeira e logística de telecomunicações provocada pela globalização, que permitiu que recursos (de diferentes formas) passassem a estar disponíveis de forma barata. O brasileiro foi ganhando suporte e coragem para começar a arriscar, incluindo aqueles das regiões distantes das maiores capitais, levando a uma tremenda dispersão geográfica. Estimativas das principais entidades de mercado mostram um crescimento no número de startups de três vezes entre 2015 e 2020. Ou seja, descolado da economia brasileira.
Junto ao crescimento de empreendedores e startups, subiram os investimentos. A evolução fica clara com o volume em venture capital ao longo do mesmo período, o que permitiu a expansão tecnológica e comercial de milhares de startups pelo país. Em 2020 atingimos R$ 15 bilhões de investimentos. Neste ano, o montante só nos cinco primeiros meses equivale a 90% desse valor.
Por último, mas não menos importante, vem as startups que estão na rota da Bolsa de Valores. Dona do Buscapé e do Zoom, a Mosaico, por exemplo, captou R$ 1 bilhão na oferta pública de ações (IPO) em fevereiro deste ano. Aparece hoje na companhia de empresas de tecnologia como XP, Stone, Arco Educação, Enjoei, Locaweb, Meliuz, Eletromidia, Mobly, Neogrid, Bemobi, Getninjas, VTEX, entre outras. Na fila para a IPO, surgem ainda marcas como, PicPay, Nuvini, Wine, AgroGalaxy, CI&T, Bionexo, Privalia e Infracommerce, e há expectativa real da entrada de outras gigantes, como Nubank.
Já estão lá, engrossando o movimento, grandes empresas tradicionais que se reinventaram, como Magalu, BTG Pactual, Dasa e Banco Inter, que, somadas, valem quase R$ 300 bilhões.
Apesar das incertezas e eventuais oscilações, a abertura do capital deixou de ser incomum para se tornar um fato corriqueiro — natural em meio a um crescimento consistente de iniciativas e investimentos, já há tempo sem volta. Tijolo por tijolo, o ecossistema vai ainda transformar, por fim, o próprio país, alicerçado nas fundações da Nova Economia, que começa a construir seu capital e colaborar com a tração dos investimentos no Brasil.
Este artigo foi produzido por Diego Barreto, VP de Finanças e Estratégia do iFood e colunista da MIT Technology Review Brasil, em parceria com Laura Bucher e Luiza Mesquita.