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Quando Mike McConnell decidiu no que queria dedicar sua carreira, tinha 29 anos, estava inspirado para começar seu doutorado e falido. Ele havia aprendido em suas aulas de biologia que as células imunológicas do corpo constantemente reorganizam seu próprio DNA: é o que permite que elas nos protejam, criando receptores nas formas certas para se ligarem a patógenos invasivos. Quando ele concluiu o mestrado em imunologia, em Virgínia (EUA) no final dos anos 1990, ele ficou obcecado com isso ao longo das noites de bebedeira com seus colegas de quarto. “De repente, essa lâmpada acendeu”, lembra McConnell. Se o rearranjo genético ajudasse o sistema imunológico a funcionar, onde mais isso poderia acontecer? E quanto ao cérebro? “Não seria legal se os neurônios fizessem algo assim também?” Eu tenho pensado.
Na época, a maioria dos cientistas presumiam que as células do sistema nervoso normal tinham genomas idênticos. Mas McConnell examinou a literatura científica e descobriu que não era o único perseguindo essa questão: um neurocientista chamado Jerold Chun, da Universidade da Califórnia, em San Diego (EUA), já estava trabalhando nisso. Ele entrou em contato com Chun e o convenceu a deixá-lo participar dos estudos em seu laboratório na Costa Oeste. Havia apenas um problema: McConnell não tinha como pagar a viagem.
Usando corantes especiais para tingir os cromossomos dos neurônios de camundongos em fases embrionárias e adulta, McConnell esperava descobrir que os neurônios haviam passado pelo mesmo tipo de rearranjo genético visto nas células do sistema imunológico, gerando diversidade em vez das cópias perfeitas que a maioria dos pesquisadores esperaria. Em vez disso, porém, continuou encontrando células cerebrais com o número errado de cromossomos.
Isso foi uma surpresa. Quando as células se dividem, elas replicam seu DNA para as células filhas. Às vezes, cópias de genes são acidentalmente adicionadas ou perdidas, o que, ao contrário da reorganização dentro dos cromossomos, que é benéfica para o sistema imunológico, foi considerado um erro extremamente prejudicial. Não fazia sentido que os neurônios pudessem sobreviver a uma mudança tão gigante em seu material genético. Mas McConnell continuou encontrando neurônios anormais com cromossomos extras ou ausentes. Finalmente, teve que reconsiderar as suposições científicas. “Levamos a ideia maluca a sério”, diz ele. Um colega de pós-doutorado no laboratório chamado Stevens Rehen tinha experiência em cultivar os neurônios para estudo, o que tornou possível analisar os dados.
Os experimentos da equipe UCSD, publicados em 2001, mostraram que o sistema nervoso central de embriões de camundongos em desenvolvimento não continha cópias genéticas perfeitas. Em vez disso, os pesquisadores sugeriram que cerca de um terço dos neurônios de cada embrião dos roedores, em média, perderam um cromossomo ou ganharam um a mais. O resultado foi o que é conhecido como “mosaico genético”.
Embora muitas dessas células não tenham sobrevivido, algumas chegaram ao cérebro de camundongos adultos. McConnell, Chun e seus co-autores, se perguntaram o que esse mosaico genético poderia significar. Talvez em humanos possa ser um fator contribuinte para distúrbios neurológicos, ou mesmo doenças psiquiátricas. Em qualquer caso, foi uma pista inicial de que a noção convencional de células cerebrais geneticamente idênticas estava errada.
De fato, os cientistas têm encontrado dificuldades em suas buscas por genes específicos por trás da maioria dos distúrbios cerebrais, incluindo o autismo e a doença de Alzheimer. Ao contrário de problemas com outras partes do nosso corpo, “a grande maioria das apresentações de distúrbios cerebrais não está ligada a um gene identificável”, diz Chun, que agora está no Sanford Burnham Prebys Medical Discovery Institute em La Jolla, Califórnia (EUA).
Mas o estudo da UCSD sugeriu um caminho diferente. E se não fosse um único gene defeituoso, ou até mesmo uma série de genes, que causam problemas cognitivos? E se pudessem ser as diferenças genéticas entre as células?
A explicação parecia absurda, mas cada vez mais pesquisadores começaram a levá-la a sério. Os cientistas já sabiam que de 85 bilhões a 100 bilhões de neurônios em seu cérebro trabalham até certo ponto em conjunto, mas o que eles querem saber é se existe algum risco quando algumas dessas células estão cantando uma melodia genética diferente.
Livrando-se do dogma
McConnell, agora com 51 anos, passou a maior parte de sua carreira tentando responder a essa pergunta. Ele parece descontraído, a princípio, com sua barba curta professoral, óculos quadrados e um leve jeito de surfista. Mas há uma intensidade também: ele se parece um pouco com uma versão mais jovem da estrela de Hollywood Liam Neeson, com olhos sombrios e vivos, e uma testa franzida. Após obter seu doutorado., McConnell fez as malas mais uma vez e mudou-se para Boston (EUA) para iniciar um pós-doutorado na Harvard Medical School (EUA). Mas ele estava inquieto. Ele não gostava do clima frio e ansiava por voltar para a Califórnia, e revisitar os dados que havia encontrado lá sobre diferenças genéticas no cérebro. “Achei que o mosaicismo era a coisa mais interessante em que eu poderia estar trabalhando”, lembra ele, colocando as pontas de seu cabelo castanho atrás das orelhas, “e o inverno de Boston me fez sentir muita falta de San Diego”.
Ele começou a se corresponder com Rusty Gage, neurocientista do Salk Institute for Biological Studies em San Diego (EUA). Gage também se interessava pela diversidade genética, mas era mais conhecido por lutar contra outro dogma científico. Há muito tempo as pessoas presumiam que os adultos nunca criavam novos neurônios, mas Gage liderou um grupo que publicou um artigo no final dos anos 1990 detalhando evidências de células recém-nascidas em uma região do cérebro chamada hipocampo.
A publicação, estabelecendo a evidência do que é chamado de neurogênese adulta, deu a ele a reputação de um rebelde que não tem medo de apoiar ideias provocativas.
Pouco tempo depois que a equipe da UCSD publicou seu artigo sobre o mosaicismo no cérebro, Gage descobriu outro fenômeno que poderia explicar como a diversidade genética surge no sistema nervoso.
Já se sabia que as células tinham pedaços de DNA chamados elementos nucleares intercalados longos (LINEs, pela sua sigla em inglês), que pulam ao redor do genoma. Gage e seus colegas mostraram que isso também poderia causar o surgimento de mosaicos genéticos. Em um experimento, camundongos, que foram geneticamente modificados para transportar elementos de DNA humano, conhecidos como LINE-1s, desenvolveram células geneticamente diversas em seus cérebros como resultado.
Assim como em seu trabalho sobre neurogênese, Gage inicialmente se deparou com ceticismo. A ideia de que LINEs, que muitos consideravam DNA “lixo”, poderiam causar diversidade genética nas células cerebrais ia contra a sabedoria prevalecente. “Sabíamos que iríamos nadar contra a corrente”, lembra ele.
Mas Gage e seus colaboradores continuaram buscando mais evidências. Após o estudo com roedores, ele e seus companheiros passaram a examinar o cérebro humano. Quatro anos depois, eles publicaram uma análise de amostras postmortem, que descobriu que o LINE-1s parecia especialmente ativo em tecidos cerebrais humanos.
McConnell concordava com Gage sobre tudo isso, incluindo a variação cromossômica que ele havia encontrado em neurônios de camundongos enquanto trabalhava no laboratório de Chun. No início de 2009, ele garantiu uma bolsa de estudos com Gage no Salk Institute (EUA). Lá, eles procuraram evidências do mesmo fenômeno em neurônios humanos e, depois de apenas alguns anos, as encontraram.
Como parte do experimento, que apareceu na Science em 2013, eles usaram uma nova tecnologia chamada sequenciamento do genoma de uma única célula. A técnica poderia isolar e ler o DNA de células individuais; até então, os cientistas só conseguiam analisar o material genético extraído de amostras de células agrupadas.
Usando as amostras postmortem do córtex frontal de três indivíduos saudáveis, eles aplicaram o método a dezenas de neurônios e estabeleceram que até 41% das células tinham cópias de genes ausentes ou extras. Essa variação era “abundante”, concluíram eles, e contribuiu para o mosaico de diferenças genéticas no cérebro.
Em vez de serem geneticamente uniformes, descobrimos que nossos cérebros estão repletos de mudanças genéticas. “Já passamos do ponto de nos perguntarmos se isso ocorre ou não”, diz Gage. “Esses eventos de mosaico estão ocorrendo. Isso lembra muito a época onde estava investigando a neurogênese adulta. Quando todos finalmente concordaram que isso ocorria, tivemos que descobrir o que isso fazia”.
Ampliando a busca
Depois de publicar dados de cérebros humanos, McConnell sentiu que não queria voltar a estudar camundongos. Então, quando chegou a hora de montar seu próprio laboratório na Universidade da Virgínia, ele imediatamente partiu para encontrar amostras humanas. “Passei os primeiros três anos como professor assistente tentando encontrar cérebros”, lembra ele.
Alguns anos depois que ele se estabeleceu na Virgínia, a missão de entender a grande quantidade de mutações no cérebro ganhou um estímulo importante. O Instituto Nacional de Saúde Mental doou US$ 30 milhões a um consórcio incluindo Gage, McConnell e outros, para que eles pudessem continuar investigando o mosaicismo somático. (“Somático”, do grego para “corpo”, refere-se a mutações que surgem durante a vida de uma pessoa, em vez de nos espermatozoides ou óvulos dos pais do indivíduo.)
A rede continha grupos de pesquisa que examinavam os diferentes efeitos dos mosaicos genéticos. Gage e McConnell faziam parte de um subconjunto focado na ligação com doenças psiquiátricas. Eles elaboraram um plano para procurar diferentes mecanismos de mosaicismo usando o mesmo conjunto de amostras de cérebro.
Crucialmente, eles conseguiram amostras humanas. Biópsias de tecidos de cérebros postmortem de indivíduos com esquizofrenia foram enviadas de um repositório em Baltimore, o Instituto Lieber para Desenvolvimento do Cérebro, para cada uma das três equipes. Uma parte de cada um foi enviada ao grupo de Gage, na Califórnia, para eles examinarem os LINE-1s que possam ter causado uma variação genética em mosaico. Outra parte foi enviada para a equipe de McConnell na Virgínia para que eles pudessem procurar mosaicos genéticos causados por DNA excluído ou duplicado no genoma.
O terço restante de cada amostra foi para outro laboratório, liderado por John Moran da Universidade de Michigan em Ann Arbor (EUA), que estava investigando se as células que adquirem pequenos erros de sequência de DNA muito cedo no desenvolvimento poderiam semear a formação de grandes regiões cerebrais com a mesma mutação.
Há uma lista crescente de condições cerebrais em que o mosaicismo realmente parece ter um papel”, diz McConnell.
Em janeiro de 2021, um grande grupo de cientistas, incluindo membros do consórcio, publicou um artigo na Nature Neuroscience, descrevendo como eles usaram o machine learning para analisar dados sobre células cerebrais postmortem de várias pessoas que tinham esquizofrenia. Os pesquisadores sugeriram que os LINEs começam a fazer mutações ativas no DNA do cérebro no início do desenvolvimento fetal, e encontraram casos em que os LINE-1s bombardearam pelo menos duas regiões genéticas ligadas a distúrbios neuropsiquiátricos.
McConnell espera que esses tipos de descobertas sejam acelerados. Ele diz que grandes melhorias no sequenciamento genético nos últimos anos permitem que os cientistas detectem erros de DNA no nível da célula individual com muito mais rapidez. Há alguns anos, costumava levar duas semanas para quatro membros do laboratório da equipe de McConnell sequenciar individualmente 300 células cerebrais. Hoje, um membro da equipe trabalhando sozinho pode fazer o sequenciamento individual de 2.000 células em três dias. “Foi um divisor de águas”, diz ele.
Mas encontrar mutações não é o mesmo que estabelecer uma ligação causal entre elas e a doença. A natureza esporádica e variável das mutações em mosaico torna a conexão definitiva delas com a doença uma tarefa complicada. Colegas o alertaram contra a perseguição de moinhos de vento em uma busca que o próprio McConnell descreve como “um pouco Dom quixotesca”.
Águas inexploradas
A busca para entender como as mutações genéticas em mosaico podem influenciar as doenças psiquiátricas é muito mais antiga do que o trabalho de cientistas como McConnell. Ele observa que, décadas atrás, “as pessoas estavam encontrando estranhas anormalidades cromossômicas em doenças psiquiátricas, principalmente em coletas de sangue”.
Mas se você olhar para essa história, verá que aqueles que investigam o papel dos padrões genéticos em mosaico na saúde mental tiveram falsos começos. Um dos primeiros relatos de caso surgiu décadas atrás: na primavera de 1959, uma mulher de 19 anos no sul da Inglaterra começou a retirar o papel das paredes de seu quarto recém-decorado. Um mês depois, ela queimou todas as suas roupas e fugiu para a cidade litorânea de Brighton. Seu comportamento errático se intensificou a ponto de ela ser internada em um hospital psiquiátrico, onde os médicos a diagnosticaram com esquizofrenia. Eles examinaram o sangue dela e analisaram os 46 cromossomos dentro de cada célula. O que eles descobriram os surpreendeu: cerca de um quinto de suas células não tinha um dos dois cromossomos X que as mulheres normalmente carregam. Os médicos da mulher não tinham certeza se seu mosaicismo era um fator em seu transtorno psiquiátrico. Há um punhado de outros casos de mulheres que, como a paciente britânica, estavam perdendo seu segundo X em algumas células e que também tinham esquizofrenia. Mas a ligação continua sendo mera especulação.
Embora ainda seja muito cedo para dizer como as mutações genéticas em mosaico no cérebro podem influenciar a esquizofrenia, há uma lista crescente de condições cerebrais em que o mosaicismo realmente parece ter um papel. Por exemplo, um estudo decisivo de 2012 do geneticista Christopher Walsh, de Harvard, e de seus colegas descobriu evidências de que as mutações somáticas eram a causa raiz de algumas formas de epilepsia.
Talvez a maior quantidade de dados sobre mosaicos, e, portanto, a área de desenvolvimento mais promissora, esteja sendo gerada a partir de estudos sobre autismo. Vários grupos de pesquisa, incluindo o de Walsh, encontraram evidências de que até 5% das crianças com transtorno do espectro do autismo têm uma mutação em mosaico potencialmente prejudicial. Mais recentemente, em janeiro, Walsh, junto a membros do consórcio como Rusty Gage, publicou um estudo no qual descobre evidências de que certos tipos de mutações surgem mais comumente em pessoas com autismo. Eles analisaram amostras postmortem do cérebro de 59 pessoas com autismo e 15 indivíduos neurotípicos para comparação, e descobriram que os do primeiro grupo tinham um número inesperadamente alto de mutações somáticas nas regiões genéticas chamadas de intensificadores. Essas regiões ajudam a estimular a produção de genes, o que levou os pesquisadores a especular que as mutações em mosaico podem aumentar o risco de uma pessoa desenvolver autismo.
E embora não se acredite que as células cerebrais estejam se dividindo ativamente como as células de outros tecidos, elas parecem se desenvolver mais em um mosaico genético à medida que envelhecemos. Em 2018, a equipe liderada por Walsh analisou neurônios retirados do cérebro de 15 pessoas que tinham entre quatro meses a 82 anos, além de nove pessoas com distúrbios ligados ao envelhecimento prematuro. Eles concluíram que as mudanças somáticas no DNA, que criam um mosaico, se acumulam “no cérebro humano normal de forma lenta, mas permanente, com a idade“. Um novo estudo do grupo de Walsh, ainda em revisão por pares, sugere que, embora os neurônios humanos comecem com centenas dessas mutações em cada genoma, elas continuam a crescer a uma taxa de até 25% por ano de vida. Com base nisso, ele e seus companheiros calcularam que os neurônios em indivíduos idosos contêm algo entre 1.500 e 2.500 mutações por célula. “Acreditamos que esta é uma nova maneira importante de olhar para o envelhecimento e as formas comuns de neurodegeneração, como a doença de Alzheimer”, diz Walsh.
Cientistas britânicos que procuram especificamente variantes somáticas em genes associados a doenças neurodegenerativas, como Parkinson e Alzheimer, sugerem que o adulto médio tem de 100.000 a 1 milhão de células cerebrais com genes patologicamente mutados. A próxima etapa é entender se, e como, essas mutações realmente exercem influência.
Identificar a ligação entre os mosaicos genéticos do cérebro e as várias condições médicas, não se trata apenas de explicar como essas doenças surgem. Uma das maiores esperanças é que isso possa ajudar a introduzir novas abordagens terapêuticas. Isso já está acontecendo, como no caso de uma forma frequentemente intratável de epilepsia, conhecida como displasia cortical focal. Os cérebros dos indivíduos com esse distúrbio apresentam manchas notórias de camadas de tecido desorganizado e às vezes os pacientes são submetidos a cirurgias para remover essas áreas cerebrais na esperança de reduzir suas convulsões.
Um estudo publicado em 2018, por pesquisadores do Instituto Avançado de Ciência e Tecnologia da Coreia, encontrou mutações em mosaico nesses pontos cerebrais anormais, que superestimularam certas vias de sinalização celular. Medicamentos que inibem essa hiperatividade, chamadas de inibidores de mTOR, valem a pena, de acordo com os cientistas.
“Acho que são águas em grande parte desconhecidas”, diz Orrin Devinsky, que está liderando um teste-piloto de um medicamento para tratar displasia cortical focal no Langone Medical Center da Universidade de Nova York (EUA). “Existem algumas áreas em que fizemos um progresso real …, mas acho que de uma forma ampla, não descobrimos nem a ponta do iceberg.”
No limiar de algo novo
Vinte anos depois de começar, Mike McConnell continua fascinado como sempre com a questão de como as mutações genéticas adquiridas após a concepção, ou nascimento, podem moldar nosso comportamento. “Meu interesse realmente passou a ser: o que os torna em casos anómalos?” diz ele, com o tom californiano que trouxe consigo para a Costa Leste. “O que torna dois gêmeos idênticos pessoas totalmente diferentes?”
Desde então, muita coisa mudou. Ele é casado e tem uma vida estabilizada, ganhou prêmios de entidades como a Academia Nacional de Medicina dos Estados Unidos e não é mais um estudante de pós-graduação que passa necessidade. Recentemente, ele mudou de costa novamente, mudando seu laboratório para o Instituto Lieber, que abriga mais de 3.000 cérebros, uma das maiores coleções do mundo.
E ele acha que estamos à beira de uma descoberta.
Mesmo que as ligações entre mutações e condições mentais não sejam conclusivas, os cientistas da área agora sentem que acumularam um tesouro de dados para mostrar que ter células geneticamente diferentes pode certamente influenciar nossa saúde. “O mosaicismo somático do cérebro pôs à prova sua relação com o autismo, epilepsia e distúrbios de crescimento excessivo do cérebro”, diz McConnell.
Enquanto isso, as evidências, de que muitas pessoas têm cérebros significativamente em mosaico, continuam a se acumular. Uma análise de 2018 sugere que cerca de 1 em cada 100 pessoas tem uma diferença genética em mosaico deletéria que afeta “regiões consideráveis do cérebro”. Em outras palavras, eles têm uma seção de células cerebrais que possui uma mutação não vista nas células vizinhas. No entanto, embora haja cada vez mais evidências sólidas de que os padrões de genes em mosaico no cérebro contribuem para a epilepsia e o autismo, ainda não há dados suficientes para associá-los à esquizofrenia.
McConnell ainda tem fé de que continuar a estudar cérebros humanos revelará se existe alguma manifestação de mutações em mosaico que também contribui para essa doença, ou mutações que podem apontar para novos tratamentos. “Ou eu terei um momento eureca, ou isso é apenas algo que acontece e não tem ligação clara com a doença”, diz ele. Sempre otimista, ele espera ter sucesso onde outros falharam, classificando a enxurrada de dados genéticos que chegam sobre as células cerebrais que ele está analisando. “Se houver um sinal”, diz ele, “acho que verei um indício disso no próximo ano”.
Futuro próximo
Em análise feita a pedido da MIT Technology Review Brasil, o gerente médico de Genômica e coordenador do programa de medicina de precisão do Hospital Israelita Albert Einstein, João Bosco Oliveira, avalia que o surgimento de ferramentas para a análise de dados genômicos em larga escala deve permitir a investigação de bases genéticas de diversas doenças, inclusive as psiquiátricas.
“O esforço persistente de pesquisadores como McConnel nos dá a certeza de que, havendo base genética relevante, habitual ou ‘fora da caixa’, para as doenças psiquiátricas, ela será revelada nos próximos anos”, afirma.
O especialista destaca que, há pouco tempo, estudos que previam a utilização de sequenciamentos genéticos eram inviáveis, mas a tendência tem sido a redução de custos e o consequente aumento da produção científica.
Segundo o médico, o cenário foi favorecido a partir do desenvolvimento de um novo tipo de tecnologia, chamado de sequenciamento de nova geração (next-generetion sequencing), que aumentou a velocidade do sequenciamento e diminuiu seu custo em mais de 10 mil vezes em 15 anos. “E a expectativa é que o custo do sequenciamento de um genoma caia mais 10 vezes no próximo ano”, avalia.
Roxanne Khamsi é uma jornalista científica que mora em Montreal, Canadá. Esta história foi apoiada por uma bolsa de reportagem por meio da Genetics and Human Agency Journalism Fellowship.
Obs.: Este texto foi alterado para corrigir um erro decorrente da tradução do original que classificava os transtornos do espectro autista como uma doença.