Alguém já deve ter dito ou ouvido outra pessoa dizer que o tempo está voando, passando rápido demais. Quando param para prestar atenção, já passou o primeiro quarter, a metade do ano, então já é Natal. A boa notícia é que não, o ano não está passando mais rápido, o dia continua tendo 24 horas e os meses e semanas são os mesmos. Já a má notícia é que a percepção do tempo está fragmentada, porque a atenção humana virou o produto mais concorrido do planeta e isso tem nome: Economia da Atenção — termo cunhado pela primeira vez pelo economista, psicólogo e cientista político Herbert Alexander Simon na década de 1970, que explica como a atenção virou algo a ser capitalizado e transformado em mercadoria.
Vale ressaltar que toda essa inovação (e manipulação) de ponta, já era debatida mesmo quando o primeiro protótipo de internet, a Arpanet (Advanced Research Projects Agency Network), tinha apenas dois anos de idade. Ou seja, Alexander Simon chegou a essa conclusão antes mesmo da invenção de fato da internet como é conhecida hoje, levantando inúmeras discussões sobre os rumos que a sociedade poderia tomar. Esse viés econômico atrelado à atenção tem afetado a vivência coletiva de variadas formas, seja na família, na relação com os amigos, na maneira como os conhecimentos são apreendidos ou no trabalho, onde as pessoas passam grande parte de suas vidas.
Uma breve olhada no celular durante uma tarefa importante e lá se foi a sua atenção, hackeada por uma rede social ou por uma informação irrelevante para a sua vida naquele momento. E, com isso, minutos ou horas preciosas se foram. Quando isso acontece, é comum não perceber de primeira o que levou a perder o foco. É comum a pessoa não lembrar o que estava fazendo antes de ter sua atenção capturada pela engenharia sociodigital. É menos provável ainda que ela deixe de repetir o padrão poucos minutos depois de lembrar a atividade que estava desempenhando anteriormente, ainda que essa “pausa” já tenha tomado um longo período de tempo até que essa pessoa consiga se reconectar àquilo que realmente precisava fazer naquele momento.
Por serem comportamentos rotineiros, é difícil perceber as problemáticas — e, principalmente, as motivações — de a cada dez minutos ou até menos, ter a sua atenção hackeada de diferentes maneiras. Talvez as pessoas ainda não tenham percebido, por exemplo, que o celular é uma arma de desatenção em massa, portada a todo tempo e em todos os lugares.
O cientista social escocês Johann Hari conta, em um artigo, como o seu sobrinho é aficionado pelas redes sociais, uma reflexão perfeita do quanto as pessoas estão sendo hackeadas pelo uso do celular a todo tempo. Fazendo uma conexão com a cultura sci-fi, parece que se as pessoas não estiverem conectadas em tudo e em todo lugar ao mesmo tempo, como é o caso da protagonista Evelyn Wan do longa metragem ganhador do Oscar, não estarão antenadas e incluídas o suficiente. Quando, na verdade, estão inseridas no multiverso da infodemia, à deriva em um grande fluxo de informações que se espalham pela internet e se multiplicam no scroll infinito da batalha por atenção.
Hackeamento em bolhas
O Cambridge Dictionary define o termo “hacking” como a atividade de usar um dispositivo para acessar informações armazenadas em outro sistema sem permissão ou para espalhar um vírus. E, apesar dos seres humanos serem uma das invenções mais incríveis do universo, é importante dizer que somos, sim, passíveis de hackeamento e isso vem sendo feito em larga escala por meio da dopamina gerada pelos likes.
Existe uma disputa diária e um condicionamento operante para manter a atenção das pessoas virada para a palma de suas mãos. Uma pesquisa realizada pela NordVPN, sobre os hábitos digitais dos brasileiros maiores de 18 anos, trouxe dados impactantes. O estudo mostra que os internautas passam, em média, quatro dias inteiros por semana totalmente conectados. Isso seria o equivalente a 197 dias por ano. E, levando em consideração que a expectativa de vida no país é de cerca de 76 anos, esses dados resultam em um total de 41 anos, três meses e 13 dias. Ou seja, é 54% do tempo de vida gasto em telas.
Chega a ser assustador pensar que muitas pessoas nem se dão conta do tipo de conteúdo que estão consumindo no período em que estão entregues aos algoritmos. Em síntese, não estão prestando atenção no que estão prestando atenção, uma necessária e urgente metafísica da atenção. Sem tentar encontrar uma resposta, é bem capaz que muitos indivíduos se rendam às tentações dos frequentes lançamentos de novas redes sociais, que tentam superar umas às outras no que diz respeito à atenção.
Cyber disputa por atenção
Certa vez o cofundador da Netflix, Reed Hastings, disse que um dos seus principais competidores é o sono das pessoas, sugerindo que ali há um grande tempo a ser hackeado. Ele disse: “pensem bem, quando veem uma série da Netflix e ficam viciados nela, ficam acordados até tarde da noite. Estamos competindo com o sono, na margem. Portanto, trata-se de uma grande quantidade de tempo”. Ou seja, dormir, uma atividade humana central, é um péssimo negócio para a economia da atenção.
Outro inimigo do sono no Brasil e no mundo é o aplicativo chinês de vídeos curtos e de rolagem infinita, o TikTok — que só no Brasil tem mais de 80 milhões de usuários ativos, segundo dados do DataReportal. A consultora da Organização Mundial da Saúde (OMS), Ilana Pinsky, analisou que o aplicativo gera no cérebro jovem uma ideia de que a vida é muito simples e acelerada, o que pode atrapalhar o desenvolvimento cognitivo, especialmente para aqueles que já têm tendência a evitar interações com outras pessoas.
O X (antigo Twitter), por exemplo, já capturou tanto as pessoas que nenhuma outra novidade parece ser tão atrativa e confortável a longo prazo. Na antiga rede do passarinho elas já têm asas moldadas, um ninho confortável, então para que arriscar voo em terras desconhecidas? E esse argumento foi comprovado por um levantamento recente da BR Media Group. Segundo a pesquisa, o Threads, rede social da Meta inspirada no modelo de postagens de textos do Twitter, perdeu força nos dias posteriores ao lançamento, registrando uma queda de 20% de seus usuários ativos em comparação ao primeiro final de semana no ar. E ainda considerando o mesmo período, o tempo que os usuários passaram na plataforma caiu 50% na comparação com os primeiros dias de lançamento. Na queda de braço da atenção, o X ainda ganha de lavada.
Sua atenção é dinheiro
Um dos responsáveis pelo hackeamento da atenção são os algoritmos. Esses pautam os principais assuntos das bolhas e levam muitos usuários a mergulhar de cabeça em um quebra-cabeças de informações soltas. E é aí que elas precisam parar suas tarefas importantes para tentar encaixar as peças. Essa é uma crítica, inclusive, debatida a fundo no documentário “O Dilema das Redes”, lançado em 2020 pela Netflix.
É inocente pensar que é gratuito baixar aplicativos e viver entregue ao que os algoritmos direcionam. Como bem disse o ex-designer do Google, Tristan Harris: “se você não está pagando pelo produto, então você é o produto”. Ou seja, há uma contribuição humana, na maioria das vezes genuína, que ajuda a engajar um mercado bilionário ao mesmo tempo em que, muitas vezes, há uma falta de investimento do indivíduo consigo mesmo, no seu trabalho, estudos, e no tempo de qualidade com família e amigos.
Agora, é importante parar e questionar: o quanto o universo virtual influencia o estilo de vida das pessoas? Existe uma forma de estar 100% em todas essas camadas sociais de forma segmentada e particular e mantendo o foco? O tempo de uso de tela, mostrado por alguns smartphones, condiz com o tempo dedicado a outras atividades em sua vida? Ou as pessoas viverão culpadas por não conseguirem se dedicar a algo de forma plena dado o bombardeamento de informações que sofrem todos os dias?
Não existe apenas uma resposta para todas essas perguntas. Diferentemente da homogeneidade das bolhas, na vida real é preciso analisar o quanto o excesso de informação está impactando a produtividade e o bem-estar. É comum que em casos de excesso de redes sociais as pessoas sintam-se mais lentas para desempenhar atividades que antes eram fáceis, fiquem mais cansadas e, consequentemente, mais insatisfeitas com elas mesmas. A culpa por não conseguir cumprir as tarefas enquanto o planeta dá uma volta em torno de si mesmo (24 horas) também pode ser sufocante, visto que é impossível esgotar as demandas e os conteúdos que são ofertados no scroll infinito dos algoritmos.
A importância de criar hábitos fora das telas
Descansar a mente fora das telas, como ler um livro, por exemplo, pode ser um ato revolucionário. Um estudo feito por pesquisadores da Universidade de Sydney, publicado na revista científica Educational and Developmental Psychologist, mostrou que uma pausa para tomar um cafezinho no meio do expediente, uma breve caminhada pelo escritório ou até mesmo passar cinco minutos sem fazer nada (inclusive mexer no celular) ajuda a recuperar a concentração. Diante desse cenário caótico e imagético, o documentário “O Dilema das Redes”, citado acima, também pode ser uma boa fonte para visualizar como bilhões de pessoas se comportam e escrevem as próprias histórias de vida diante dos likes e dos conteúdos de 15 segundos produzidos em massa ao redor do mundo.
Os depoimentos dos próprios desenvolvedores das plataformas no filme fazem críticas à criação desenfreada de gatilhos tecnológicos. Em uma de suas falas, Justin Rosenstein, ex-engenheiro da Meta e do Google e coinventor do botão de Like do Facebook afirma: “nós criamos isso, é nossa responsabilidade mudar”. Como criar soluções para quebrar o vício, os desenvolvedores destacam a importância de, às vezes, desligar as notificações e ficar atento aos dados pessoais cedidos.
Mas lembre-se, o despertar é um processo e não precisa ser aniquilador. Pelo viés poético e contemplativo, pode ser reconfortante refletir sobre o hackeamento de seu tempo. E falando em poesia, a música ‘Oração ao Tempo’, na qual Caetano diz: “peço-te o prazer legítimo. E o movimento preciso. Tempo, tempo, tempo, tempo. Quando o tempo for propício. Tempo, tempo, tempo, tempo”, pode apontar um caminho.
No fundo, é tentar tomar de volta sua atenção para perceber a passagem do tempo de forma mais consciente, porque ele é a moeda de maior valor no mercado.
Como disse Marshall McLuhan, “primeiro fazemos as ferramentas, depois as ferramentas nos fazem”, o que as ferramentas estão fazendo com as pessoas e a vida em sociedade passa diretamente por tudo isso, portanto, atenção.
Por Genesson Honorato, Especialista em RH, Inovação e Futuro do Trabalho