Apple aposta em eucaliptos no Brasil para alcançar neutralidade de carbono, mas ecologistas veem riscos
Negócios e economia

Apple aposta em eucaliptos no Brasil para alcançar neutralidade de carbono, mas ecologistas veem riscos

Gigante da tecnologia investe no Cerrado, mas divide opiniões entre moradores e ambientalistas.

Estávamos perdendo a luz do dia e ainda a cerca de 20 quilômetros da estrada principal quando o carro estremeceu e morreu à beira de uma floresta estranha.

O bosque crescia como se fosse indiferente a certas regras não ditas da botânica. Não havia sub-bosque, nem primeiro plano ou fundo, apenas as próprias árvores, que se erguiam como uma parede de troncos nus subindo cerca de 30 metros antes de se concluírem em uma explosão de folhagem espessa no topo. As fileiras de árvores corriam talvez o equivalente a um quarteirão de Nova York e desapareciam abruptamente em ambos os lados, dando lugar a campos desordenados de terra e grama. A paisagem lembrava a carcaça de um empreendimento imobiliário fracassado, com os primeiros apartamentos isolados quando os construtores ficaram sem dinheiro.

Ali de pé contra o sol poente, as árvores eram, à sua maneira estranha, também bastante deslumbrantes. Eu estava sem sinal ali — tínhamos acabado de sair de uma reserva natural remota no sudoeste do Brasil — mas alcancei meu celular mesmo assim, para tirar uma foto. A preocupação no rosto da minha companheira de viagem, Clariana Vilela Borzone, geógrafa e tradutora que cresceu ali perto, virou diversão. Minha galeria de fotos já estava cheia de eucaliptos.

As árvores brotavam de todas as colinas, ao longo de todas as estradas, e mais sempre pareciam estar a caminho. Do outro lado da trilha de terra onde estávamos parados, outro pasto havia sido limpo para plantio. Os arbustos esparsos e árvores que antes faziam sombra para o gado nos campos haviam sido derrubados e empilhados, como em um túmulo do período Pleistoceno.

Os amigos e vizinhos de Borzone estavam divididos quanto à estética desses bosques. Alguns gostavam da ordem e da verdura eterna que eles traziam para seu pedaço do Cerrado, uma grande região botânica que se estende diagonalmente pelo centro do Brasil. Sua paisagem nativa de savana era em grande parte retorcida, rasteira e, durante boa parte do ano, bastante marrom. E como grande parte daquela flora havia sido desmatada décadas atrás para dar lugar a pastagens de gado, o cenário se tornara ainda mais marrom e plano. Agora aquela terra estava se transformando em árvores. Estava se tornando bela.

Outros consideravam essa beleza uma miragem. “Desertos verdes”, chamavam os bosques, querendo dizer que sugeriam fartura à distância, mas guardavam apenas terra e silêncio em seu interior. Não eram de fato florestas repletas de animais e vegetação rasteira, acusavam, mas, no melhor dos casos, lenha para um futuro megaincêndio em uma terra ressecada, em parte, por seu crescimento vigoroso. Essa era, na verdade, uma queixa comum em toda a América Latina: no Chile, as fileiras plantadas de eucalipto eram chamadas de “soldados verdes”. Era fácil imaginar-se perdido naquele madeiral, um labirinto de troncos espelhados até onde a vista alcançasse.

As empresas madeireiras que plantaram essas árvores rebatem essas críticas como caricaturas de um gênero demonizado em todo o mundo. Apontam para suas certificações de manejo florestal sustentável, para os altos investimentos em combate a incêndios e para os microfones instalados que registram uma cacofonia de pássaros, provando que os bosques estão longe de ser estéreis. Quer as pessoas gostem da aparência dessas árvores ou não, elas estão atendendo a uma necessidade humana, suprindo uma demanda insaciável por papel e produtos de celulose em todo o mundo. Grande parte da matéria-prima para papel higiênico e lenços de papel do planeta é cultivada no Brasil, e isso, argumentam, é algo positivo: crescer rápido e com intensidade aqui, da forma mais responsável possível, para poupar muitas outras árvores em outros lugares.

Mas eu estava nesta região por outro motivo: a Apple, a Microsoft, a Meta, a TSMC e muitas outras empresas de tecnologia menores. Estava ali porque executivos do setor tecnológico, a milhares de quilômetros de distância, corriam para cumprir — e, em alguns casos, tropeçavam em meio ao caminho para alcançar — suas promessas climáticas: pouco tempo e uma demanda excessiva por novos dispositivos e centros de dados de IA. Não muito longe dali, haviam firmado alguns dos maiores acordos já feitos para compra de créditos de carbono. Estavam pedindo algo novo a essa árvore: será que o eucalipto da América Latina poderia ser uma solução climática em escala?

Em termos práticos, a resposta parecia simples. Ninguém contestava a rapidez ou a confiabilidade com que o eucalipto podia crescer nos trópicos. Esse conhecimento era fruto de décadas de estudo científico e registros de biomassa para madeira ou papel. Cada árvore era composta por cerca de 47% de carbono, o que significava que muitas toneladas poderiam ser armazenadas em cada hectare plantado. Isso podia ser observado em tempo real, nas árvores à beira da estrada. Volte no dia seguinte para olhar essas árvores jovens e você verá: milímetros frescos de carbono, cadeias de celulose fixadas em lignina.

Ao mesmo tempo, a Apple e outras empresas estavam também investindo em um setor — e em uma árvore — com uma longa e controversa história nesta parte do Brasil e em outras regiões. Estavam empregando sua riqueza e supervisão tecnológica para tentar tornar as operações madeireiras mais sustentáveis, mais favoráveis à flora nativa e menos intensivas em água. Ainda assim, era difícil convencer parte da população local, onde centenas de milhares de hectares de pasto já estão na fila para plantio; mais árvores eram uma perspectiva sombria em uma terra cada vez mais assolada por secas e incêndios. Críticos chamavam toda a iniciativa de uma desculpa para plantar ainda mais árvores visando ao lucro.

Borzone e eu não pretendíamos ficar para ver o eucalipto crescer. Jardim, floresta ou deserto, aliado ou antagonista — pouco importava com as estrelas do Cruzeiro do Sul surgindo e o tanque de combustível vazio. Recolhemos nossas coisas do carro e seguimos pela estrada de terra entre as árvores.

Uma grande promessa

Minha jornada pelo Cerrado começara meses antes, no outono de 2023, quando a atriz Octavia Spencer apareceu como Mãe Natureza em um anúncio ao lado do CEO da Apple, Tim Cook. Em 2020, a empresa havia definido a meta de se tornar “carbono neutra” até o final da década, momento em que todos os seus produtos — laptops, CPUs, celulares, fones de ouvido — seriam produzidos sem aumentar o nível de carbono na atmosfera. “Quem vai me decepcionar primeiro?”, perguntou Mãe Natureza com um sorriso astuto. Já se havia passado um terço do caminho até 2030 — uma data adotada por muitas corporações com o objetivo de se manterem alinhadas à meta da ONU de limitar o aquecimento a 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais — e onde estavam os avanços?

Cook ficou feliz em informar as boas notícias: o novo Apple Watch estava liderando o caminho. Uma quantidade limitada dos dispositivos já era carbono neutro, graças a fatores como materiais reciclados e peças que eram enviadas especialmente por navio — e não por avião — de uma fábrica para outra. Esses relógios especiais vinham identificados com uma folha verde nas icônicas caixas brancas e macias da Apple.

Críticos rapidamente apontaram que declarar um produto individual como “carbono neutro” enquanto a empresa ainda poluía soava como uma comemoração antecipada, alcançada com uma contabilidade conveniente. Mas o trabalho no relógio refletia as grandes ambições da companhia. A Apple alegava que mudanças como a adoção de energia renovável e o uso de materiais reciclados haviam permitido reduzir suas emissões em 75% desde 2015. “Sempre priorizamos as reduções; elas precisam vir primeiro”, disse-me Chris Busch, diretor de iniciativas ambientais da Apple, logo após o lançamento.

A empresa também reconheceu que não conseguiria encontrar reduções suficientes para compensar todas as suas emissões. Mas estava tentando algo novo.

Desde a década de 1990, empresas compram créditos de carbono baseados principalmente na evitação de emissões. Por exemplo: pega-se uma área de floresta que estaria destinada à destruição e a protege; o carbono armazenado que não foi perdido é convertido em créditos. Mas, à medida que o mercado de carbono se expandiu, cresceram também as suspeitas em relação à matemática do carbono — em alguns casos, por fraudes ou ciência falha, mas também porque os esforços para conter o desmatamento frequentemente fracassam, com a destruição evitada em um lugar simplesmente ocorrendo em outro. Corporações que antes confiavam em créditos de carbono por “emissões evitadas” já não podem mais contar com eles. (Muitos consumidores também não confiam, com alguns até processando a Apple pelas formas como usou projetos anteriores de carbono para justificar suas alegações sobre o Apple Watch.)

Mas a demanda por anular dióxido de carbono não desapareceu — na verdade, à medida que as emissões impulsionadas pela IA afastam algumas empresas de suas metas climáticas (e levantam dúvidas sobre as técnicas usadas para alegar reduções), a necessidade só aumenta. No caso da Apple, mesmo sob as suposições mais otimistas sobre quanto continuará poluindo, o déficit é significativo: em 2024, a empresa declarou ter compensado 700 mil toneladas métricas de CO₂, mas o número que precisará atingir em 2030 para cumprir suas metas é de 9,6 milhões.

Assim, a nova aposta é investir na “remoção” de carbono, em vez da evitação. A ideia sugere uma conquista mais concreta: retirar moléculas de carbono da atmosfera. Existem diversas maneiras de tentar isso, desde alterar o pH dos oceanos para que absorvam mais moléculas até construir máquinas que sugam carbono diretamente do ar. Mas essas são soluções de longo prazo. Nenhuma dessas tecnologias opera na escala e no custo que ajudariam a Apple e outras empresas a atingir suas metas de curto prazo. Para isso, as árvores voltaram a ser a resposta. Desta vez, a ideia é plantar novas, em vez de proteger as antigas.

Para expandir esses esforços de uma forma que realmente causasse um impacto significativo nas emissões, a Apple concluiu que também precisaria tornar a remoção de carbono lucrativa. Uma parte essencial dessa estratégia seria impulsionada pelo Restore Fund, uma parceria de US$ 200 milhões com o Goldman Sachs e a Conservation International, uma ONG ambiental dos Estados Unidos, para investir em projetos “de alta qualidade” que promovessem o reflorestamento em áreas degradadas.

Os lucros viriam da transformação responsável das árvores em produtos, explicou o chefe de sustentabilidade do Goldman na época do anúncio do fundo, em 2021. Mas também seria uma oportunidade para a Apple, e futuros investidores, de “quase ver, tocar e sentir seu carbono”, afirmou ele — uma concretude que os créditos de carbono até então não tinham conseguido oferecer. “O objetivo é gerar benefícios reais e mensuráveis de carbono, mas fazer isso em paralelo com retornos financeiros,” disse Busch. A ideia era funcionar como um volante propulsor: mais investidores, mais plantio, mais carbono — uma abordagem à ação climática que aposta na abundância, não no sacrifício.

O anúncio do Apple Watch carbono neutro serviu como ocasião para promover os três investimentos iniciais do Restore Fund, que incluíam um projeto de reflorestamento com espécies nativas, além de fazendas de eucalipto no Paraguai e no Brasil. Os planos florestais no Brasil eram, de longe, os maiores em escala e estavam sob gestão do BTG Pactual, o maior banco de investimentos da América Latina.

Busch me colocou em contato com Mark Wishnie, chefe de sustentabilidade da Timberland Investment Group, subsidiária do BTG nos Estados Unidos, que adquire e administra propriedades em nome de investidores institucionais. Após anos atuando no setor de eucaliptos, Wishnie, que vive em Seattle, estava acostumado às opiniões intensas sobre a árvore. É esse tipo de planta — celebrada como útil, até ornamental; demonizada como inflamável, consumidora excessiva de água, uma praga. “A ideia de que o eucalipto é invasivo surgiu?” ele perguntou de forma incisiva. (É uma espécie “exótica” no Brasil, sim, mas o risco de invasão é baixo para as variedades mais usadas na silvicultura.) Ele convidou os críticos a considerarem a alternativa à escala e à eficiência do eucalipto, que, segundo ele, ajuda a aliviar a pressão sobre florestas maduras e preservadas em outras partes do mundo.

Usar o eucalipto para remoção de carbono também oferecia uma nova oportunidade. Wishnie estava à frente de uma iniciativa planejada de US$ 1 bilhão destinada a transformar o portfólio florestal do BTG; o objetivo era dividir igualmente entre produção de madeira e restauração nativa em antigas áreas de pastagem, com ênfase na conexão de habitats ao longo de rios e córregos. Como um projeto “de alta qualidade”, a proposta era ir além do modelo tradicional de negócios. As áreas de conservação excederiam os requisitos legais para preservação nativa no Brasil, que variam de 20% a 35% no Cerrado. Em uma parte do país que historicamente recebe pouca atenção conservacionista, esse esforço representaria, potencialmente, a maior iniciativa já realizada para de fato restaurar a paisagem nativa.

Quando o BTG apresentou à Conservation International a meta dos 50%, a organização achou que era “bom demais para ser verdade”, contou Miguel Calmon, diretor sênior dos programas da ONG no Brasil. Com o trabalho de restauração financiado por recursos verdes e pela venda de créditos de carbono, seria possível alcançar escala e durabilidade. “Algumas pessoas fazem isso, mas nunca como parte do negócio,” disse ele. “Não vem de uma responsabilidade corporativa. É, de fato, o negócio que você pode otimizar.”

Até agora, o BTG arrecadou US$ 630 milhões para a iniciativa e reservou 270 mil hectares — uma área mais que o dobro do tamanho da cidade de Los Angeles. A primeira fazenda do plano, situada em uma antiga fazenda de gado de 24 mil hectares, foi batizada de Projeto Alpha. A localização, disse Wishnie, era confidencial.

Mas uma propriedade desse tamanho se destaca, mesmo em uma terra de grandes fazendas. Não foi preciso muito esforço para vasculhar os registros fundiários municipais no estado brasileiro de Mato Grosso do Sul — onde se localizam muitas das propriedades da empresa no Cerrado — e encontrar uma fazenda recentemente vendida que correspondia ao tamanho. Chamava-se Fazenda Engano — daí o rebatismo para um novo nome. A terra estava registrada em nome de uma empresa de responsabilidade limitada com vínculos a holdings de outras plantações de eucalipto do BTG situadas em uma região vizinha que os moradores passaram a chamar de Vale da Celulose, devido às fazendas de árvores e fábricas de celulose em rápida expansão.

A região era amplamente vista como uma terra de oportunidades, mesmo com alguns moradores locais soando o alarme por temores de que o solo não aguentaria as árvores. Eles tinham aliados entre ecologistas proeminentes que há muito questionam a sabedoria de se plantar árvores no Cerrado — e que enfrentam, cada vez mais, outros conservacionistas que veem grande potencial em transformar pastagens em floresta. O embate só se intensificou à medida que mais investidores buscam novas soluções climáticas.

Ainda assim, onde a Apple vai, outros costumam seguir. E, quando o assunto é sustentabilidade, outras empresas a veem como referência. Eu não tinha certeza se conseguiria visitar o Projeto Alpha e verificar se a Apple e seus parceiros realmente haviam encontrado uma forma melhor de plantar, mas comecei a me planejar para ir ao Cerrado mesmo assim — para ver as florestas por trás daquelas pequenas folhas verdes na embalagem.

Cálculos complexos

Em 2015, um estudo de Thomas Crowther, ecólogo então vinculado ao ETH Zürich, tentou realizar um censo da cobertura arbórea global, identificando mais de 3 trilhões de árvores no total. Um número útil, surpreendentemente difícil de se obter — como contar insetos ou bactérias.

Um estudo complementar, alguns anos depois, gerou mais controvérsia: a superfície da Terra teria espaço para pelo menos mais 1 trilhão de árvores. Isso representaria a possibilidade de armazenar 200 gigatoneladas métricas — ou cerca de 25% — do carbono atmosférico, uma vez que essas árvores amadurecessem. (O artigo foi posteriormente corrigido em vários pontos, incluindo um reconhecimento de que o potencial de armazenamento de carbono poderia ser cerca de um terço menor.)

O estudo virou uma sensação na mídia, logo seguido por uma série de iniciativas de plantio de árvores com “trilhão” no nome — mais notadamente por meio de um esforço do Fórum Econômico Mundial lançado pelo CEO da Salesforce, Marc Benioff, em Davos, e que recebeu apoio do presidente Donald Trump durante seu primeiro mandato.

Mas, desde que o plantio de árvores passou a ser celebrado como uma boa ação — de Johnny Appleseed a programas que prometem uma árvore para cada sapato ou laptop comprado — o ato também passou a ser acompanhado por uma pergunta inevitável: quantas dessas árvores realmente sobrevivem? Basta lembrar o plantio mais notável de Trump, um carvalho colocado no jardim da Casa Branca em 2018. Ele morreu pouco mais de um ano depois.

Para os críticos, incluindo Bill Gates, esses esforços simbolizavam um pensamento de curto prazo em detrimento de iniciativas mais profundas para reduzir ou remover carbono. (A disputa de Gates com Benioff chegou ao ponto de trocas de insultos no New York Times. “Somos o povo da ciência ou somos os idiotas?”, questionou ele.) Afinal, a vida útil de uma árvore é breve — uma parada técnica — se comparada ao ciclo de carbono de mil anos, o que significa que sua descendência precisa manter o legado para que a remoção de emissões seja realmente significativa. A maioria não sobrevive por tanto tempo.

“O número de árvores plantadas virou uma espécie de moeda, mas não significa nada”, disse Pedro Brancalion, professor de silvicultura tropical da Universidade de São Paulo. Ele não tinha nada contra as árvores — o mundo, em geral, poderia se beneficiar de muitas mais. Mas, para ele, muitos desses esforços se baseavam mais em “boas vibrações” do que em estratégias bem planejadas.

Pouco depois de chegar a São Paulo no último verão, dirigi cerca de 240 quilômetros em direção às colinas fora da cidade para visitar o laboratório a céu aberto que Pedro Brancalion preencheu com experimentos sobre como plantar árvores de forma mais eficiente: árvores recebendo nutrientes em excesso ou em falta; mudas monitoradas com fios e tubos como pacientes em UTI; ou cercadas por lonas que impedem a entrada de água da chuva. No centro de uma das parcelas de Brancalion, erguia-se uma torre encimada por uma estação giratória, do tamanho de um drone de passatempo, que monitorava o carbono entrando e saindo do ar (e, portanto, da vegetação próxima) — uma dança molecular conhecida como fluxo.

Brancalion trabalha meio período para uma empresa de restauração focada em carbono, a Re:Green, que recentemente vendeu 3 milhões de créditos de carbono para a Microsoft e estava cultivando uma mistura de árvores nativas em partes da Amazônia e da Mata Atlântica. Embora a maioria das árvores em seu laboratório também fosse de espécies nativas, como jacarandá e pau-brasil, ele também estudava o eucalipto. O laboratório, na verdade, estava localizado em uma antiga fazenda de eucaliptos; no coração de seus campos, um bosque de árvores com 80 anos pingava casca como répteis trocando de pele.

O plantio de eucaliptos cresceu de forma dramática durante a ditadura militar no Brasil, na década de 1960. O objetivo era a autossuficiência — uma produção nacional de madeira e carvão, rapidamente — e essa expansão foi conturbada. Muitas opiniões sobre a árvore foram formadas em meio a uma onda de desapropriações duvidosas, seguidas pela derrubada da vegetação existente — disputas que, em alguns locais, persistem até hoje. Ainda assim, diz-se que essa campanha também cumpriu exatamente o que Wishnie descreveu, aliviando a demanda que teria recaído sobre regiões como a Amazônia, à medida que Rio e São Paulo eram construídas.

As novas árvores também lançaram as bases para que o Brasil se tornasse um polo global de silvicultura tecnificada; hoje, o país abriga cerca de um terço de todo o eucalipto cultivado no mundo. As mudas atuais são fruto de décadas de aprimoramentos com clonagem genética, crescendo de forma rápida e reta, resistentes a pragas e à seca, com curvas de crescimento precisas que mapeiam a biomassa ao longo do tempo: sete anos até a maturidade é o padrão para celulose. Árvores plantadas hoje crescem mais de três vezes mais rápido do que suas antecessoras.

Se a meta é plantar um trilhão de árvores — ou capturar muitos milhões de toneladas de carbono —, nenhum setor está mais bem preparado para manter essa contabilidade do que a indústria madeireira. Pode soar estranho reivindicar créditos de carbono por árvores que se pretende cortar e transformar em papel higiênico ou cadeiras. Afinal, o carbono armazenado nesses produtos efêmeros é, naturalmente, insignificante diante dos milênios que o CO₂ permanece na atmosfera.

Mas esses projetos de carbono adotam uma perspectiva de longo prazo. Embora árvores individuais sejam cortadas, outras são plantadas. A floresta está em constante regeneração e recaptura carbono do ar. Os créditos são emitidos anualmente ao longo de décadas, desde que a média de longo prazo do carbono armazenado no bosque continue a crescer. Além disso, como a madeira é continuamente monitorada, o carbono é fácil de mensurar, o que resolve um problema central dos créditos de carbono.

A maioria dos ecossistemas nativos maduros — sejam florestas tropicais ou campos naturais — eventualmente armazenará mais carbono do que uma plantação. Mas isso pode levar décadas. O eucalipto pode ser plantado imediatamente, com grande rapidez, e os primeiros créditos de carbono são emitidos em apenas alguns anos. “Isso se encaixa muito bem no modelo corporativo e também no modelo de verificação”, afirmou Robin Chazdon, pesquisadora florestal da Universidade da Costa do Sol, na Austrália.

Confiabilidade e estabilidade também tornaram o eucalipto, assim como o pinheiro, silenciosamente dominante nos esforços globais de plantio. Uma análise de 2019 publicada na Nature revelou que 45% dos projetos de remoção de carbono estudados pelos pesquisadores no mundo envolviam plantações de árvores de espécie única. No Brasil, esse número chegava a 82%. Os autores classificaram isso como um “escândalo”, acusando organizações ambientais e financiadores de enganar o público e priorizar rapidez e conveniência em detrimento da restauração nativa.

Em 2023, a organização sem fins lucrativos Verra, maior entidade emissora de padrões de créditos de carbono, anunciou que proibiria projetos que utilizassem “monoculturas não nativas” — ou seja, plantas como o eucalipto ou o pinheiro que não crescem naturalmente nos locais onde estão sendo cultivadas. A ideia era acalmar preocupações de que créditos de carbono estavam sendo direcionados a plantações que seriam feitas de qualquer forma devido à demanda por madeira, o que significaria que não estariam, de fato, removendo carbono adicional da atmosfera.

A reação foi imediata — das empresas madeireiras, mas também de desenvolvedores de créditos de carbono e ONGs. Como seria possível escalar qualquer coisa — conservação, remoção de carbono — sem elas?

A Verra reverteu sua decisão vários meses depois. Ela permitiria monoculturas não nativas, desde que crescessem em terras consideradas “degradadas” ou previamente desmatadas — terras como pastagens de gado. E tomou medidas para evitar contar plantações próximas a outras áreas de rápido crescimento de árvores, com a ideia de evitar recompensar projetos puramente industriais que teriam sido plantados de qualquer maneira.

Brancalion, por acaso, concordava com as críticas às monoculturas exóticas. Mas, mesmo assim, acreditava que o eucalipto havia sido injustamente demonizado. Era, na verdade, um gênero maravilhoso, com quase 800 espécies e adaptações únicas. As espécies nativas também poderiam ser plantadas como monoculturas, ou em terras roubadas, ou cuidadas com pouca atenção. Ele estava testando maneiras de transformar o eucalipto, de percebido inimigo, em aliado da restauração das florestas nativas.

Sua ideia era usar fileiras de eucalipto, que crescem rapidamente acima das espécies nativas, como uma espécie de estabilizador. Embora essas espécies nativas possam ser valiosas — seja como madeira ou para a biodiversidade — elas podem crescer lentamente, ou se torcer de maneiras que tornam sua madeira improdutiva, ou morrer repentinamente e inexplicavelmente. Com o eucalipto, nunca é assim, pois eles são crescimentos maravilhosamente previsíveis. Eventualmente, sua madeira colhida ajudaria a pagar pelo trabalho árduo de cultivar as outras.

Na prática, os silvicultores geralmente preferiram manter as coisas separadas. Eucalipto aqui; restauração ali. Era muito mais eficiente. A abordagem era emblemática, pensava Brancalion, de deixar que a economia da indústria guiasse o que era plantado, como e onde, mesmo com o financiamento verde envolvido. Embora tenha admitido que estava falando como algo de um competidor, dado seu próprio trabalho com carbono, ele estava perplexo com as escolhas da Apple. A empresa mais rica do mundo estava fazendo eucalipto? E com um banco mais conhecido localmente como grande investidor em indústrias, como a de carne bovina e soja, que contribuíam para o desmatamento, do que em qualquer esforço para restauração nativa.

Também o preocupava ver o plantio acontecendo a oeste de ali, no Cerrado, onde a terra é mais barata e, durante boa parte do ano, mais seca. “É como uma bomba”, me disse Brancalion. “Você pode vir me entrevistar em cinco, seis anos. Não precisa ser superinteligente para perceber o que vai acontecer depois de plantar eucalipto demais em uma região seca.” Ele me desejou sorte na minha jornada para o oeste.

A zona de sacrifício

Savana implica abertura, mas os colonizadores europeus que passaram pelo Cerrado chamaram-no de oposto; o nome literalmente significa “fechado”. Grama e arbustos crescem até a altura do peito, dispostos como se para maximizar o incômodo humano. Um facão é recomendado.

Enquanto eu seguia com Borzone em direção a uma pequena reserva natural chamada Parque do Pombo, ela me contou que os jovens brasileiros muitas vezes são criados com uma sensação de antipatia, senão medo, dessa terra. Quando Borzone enviou uma mensagem para sua mãe, bióloga local, dizendo para onde íamos, ela respondeu: “Ouvi dizer que aquele lugar está cheio de carrapatos.” (Sua informação, como se revelou, estava correta.)

O que pode ser fácil de ignorar é a fantástica variedade dessas plantas, resultado da seleção natural levada ao máximo. Espécies, muitas das quais vieram da Amazônia, sobreviveram crescendo raízes profundas através do solo ácido e cascas mais espessas para resistir aos incêndios regulares da vegetação. Muitas das árvores desenvolveram a capacidade de murchar sobre si mesmas e deixar cair suas folhas durante o longo e seco inverno. Alguns chamam isso de uma floresta que cresceu de cabeça para baixo, porque grande parte do crescimento ocorre nas raízes. O Cerrado abriga 12.000 espécies de plantas com flores, das quais 4.000 são encontradas exclusivamente ali. Em termos de biodiversidade, é o segundo do mundo, ficando atrás apenas de seu vizinho mais famoso, a Amazônia.

Cada parada em nossa viagem parecia render um novo tesouro que Borzone queria me mostrar: Guavira, uma árvore que dá frutos em cachos semelhantes a uvas, que aparecem apenas duas semanas por ano; pode ser transformada em uma geléia excepcionalmente boa para passar no pão. Pequi, mais divisiva, como uma manga fermentada misturada com queijo. Outros têm nomes que Borzone só consegue lembrar vagamente na língua indígena Guarani, e por isso não consegue procurar no Google. Certos usos são mais memoráveis: Dê esta aqui, uma pequena fronde que parece uma miniatura de pinheiro de Natal, para fazer alguém engravidar.

Borzone cresceu no coração da savana, e a terra mudou significativamente desde que ela era criança e ia ao rio todo fim de semana com sua família. Desde a década de 1970, cerca de metade da savana foi desmatada, principalmente para a pecuária e, onde o solo é bom, para o cultivo de soja. Naquela época, até mesmo ecologistas proeminentes, temendo a destruição total da Amazônia, defenderam a transferência da indústria para cá, invocando o que os brasileiros chamam de boi de piranha — um mito sobre lançar uma vaca em águas infestadas para que as outras vacas possam atravessar rio abaixo.

Toby Pennington, ecólogo do Cerrado na Universidade de Exeter, me disse que ele continua sendo uma zona de sacrifício, às vezes indo de mal a pior quando políticos ambientalistas estão no poder. Em 2023, quando o desmatamento caiu pela metade na Amazônia, aumentou 43% no Cerrado. Alguns ecologistas alertam que esse ecossistema pode desaparecer completamente na próxima década.

Talvez não seja surpresa, mas há uma certa resistência entre os pesquisadores de campos, que, como a flora que escolheram, estão acostumados a ser pisoteados. Em 2019, 46 deles assinaram uma resposta na Science ao estudo de Crowther sobre as trilhões de árvores, argumentando não sobre contagem de árvores, mas sobre as terras propostas para o reflorestamento. Grande parte delas, disseram, incluindo lugares como o Cerrado, não era adequada para tantas árvores. Era biomassa demais para o solo suportar. (Se o ponto deles não estava claro o suficiente, os cientistas mais tarde apelidaram o fenômeno de “desigualdade de conscientização sobre biomas”, ou BAD.)

“É um ecossistema controverso”, disse Natashi Pilon, ecóloga de campos da Universidade de Campinas, perto de São Paulo. “Com o Cerrado, você tem que esquecer tudo o que aprendeu sobre ecologia, porque tudo se baseia na ecologia florestal. No Cerrado, tudo funciona ao contrário. Queimadas? São boas. Sombra? Não é boa.” O Cerrado contém uma vasta gama de paisagens, desde campos gramados até florestas arborizadas, mas a maior parte dele, explicou, é inadequada para certas regras de finanças de carbono que incentivariam as pessoas a protegê-lo ou restaurá-lo. Enquanto a floresta subterrânea armazena muito carbono, ela acumula seu estoque lentamente e pode ser difícil de medir.

O resultado é uma posição um tanto desconfortável para os ecologistas que estudam e tentam proteger uma paisagem em extinção. Pilon e sua ex-orientadora acadêmica, Giselda Durigan, ecóloga do Cerrado no Instituto de Pesquisa Ambiental do Estado de São Paulo e uma das cientistas por trás do BAD, se acostumaram a resistir a pessoas que chegaram pregando “melhorias” por meio de árvores — primeiro de ONGs, principalmente do tipo trilhões de árvores, mas agora da indústria madeireira. “Eles estão usando o discurso do carbono como mais um argumento para dizer que os negócios estão ótimos”, disse Durigan. “Eles estão felizes em ser vistos como os mocinhos.”

Durigan via a tragédia na forma como o Cerrado foi transformado em pastagem para gado em apenas uma geração, mas também havia oportunidade em restaurá-lo quando o gado saísse. Trazer o Cerrado de volta seria um trabalho árduo — geralmente exigindo fogo e o corte de gramíneas invasoras. Mas até mesmo simplesmente deixá-lo em paz poderia permitir que o ecossistema começasse a se recuperar e oferecesse algo parecido com o habitat original da savana. Fazendas de eucalipto abandonadas, por outro lado, eram pesadelos para retornar à vegetação nativa; as estranhas plantas do Cerrado se recusavam a enraizar no solo altamente modificado.

Nos últimos anos, Durigan visitou centenas de fazendas de eucalipto na região, acompanhando seus alunos, que haviam sido contratados por empresas madeireiras para ajudar a estabelecer corredores de vegetação nativa, conforme as regras federais. “Eles estão plantando bacias inteiras”, disse ela. “Os rios estão morrendo.”

Durigan viu plantas em parcelas isoladas crescendo mais do que normalmente cresceriam, graças principalmente à supressão de queimadas regulares. Elas estavam criando sombra sobre as ervas e gramíneas e absorvendo mais água. O resultado era um ambiente gradualmente se sufocando, em risco de colapso durante a seca e retendo apenas uma fração da diversidade original do Cerrado. Se isso era o que as pessoas queriam dizer com trazer o Cerrado de volta, ela acreditava que isso apenas apressaria seu desaparecimento final.

Em uma pesquisa recente sobre a bacia hidrográfica ao redor do Parque do Pombo, que está cercado de eucaliptos de ambos os lados, dois outros pesquisadores relataram ter encontrado “devastação” e recorreram à descrição de Platão sobre as florestas da Ática, derrubadas para construir a cidade de Atenas: “O que resta agora, comparado ao que existia, é como o esqueleto de um homem doente… Todo o solo rico e macio se dissolveu, deixando o país de pele e ossos.”

Após um longo dia de passeio pela região — e escorregando na terra de barro — descobrimos que o combustível estava baixo. O caseiro do Parque do Pombo olhou para o seu tanque de combustível enferrujado e se desculpou. O combustível havia sido estragado pela última chuva. Pelo menos, ele disse, era tudo ladeira abaixo até a estrada.

A estrada da oportunidade

Conseguimos percorrer apenas metade do caminho pela estrada cercada de eucaliptos. Depois que o carro parou e nos deixou parados, Borzone e eu começamos a caminhar em direção à estrada, antecipando uma longa noite. Lembramos das conversas dos moradores locais sobre onças-pintadas recentemente empurradas para a área pelo desenvolvimento.

Mas, após cerca de 30 minutos, um conjunto de luzes apareceu à vista do outro lado da planície. Depois, outro, e mais outro. Então, o contorno de um trator, um pequeno caminhão-tanque e, um tanto curiosamente, um ônibus de turismo. O equipamento e os veículos carregavam o logo da Suzano, a maior empresa de celulose e papel do mundo.

Após conversar com um trabalhador, subimos no ônibus de turismo vazio e fomos levados até um conjunto de tendas iluminadas, onde mulheres preparavam mudas de eucalipto, empilhando caixas delas em mesas brancas de abrir. Um turno da noite como aquele era incomum. Mas eles estavam trabalhando sem parar — com o objetivo de plantar um milhão de árvores por dia nas fazendas da Suzano, em preparação para a inauguração da maior fábrica de celulose do mundo, logo ali na estrada. Ela seria inaugurada em algumas semanas com uma capacidade de 2,55 milhões de toneladas métricas de celulose por ano.

O ônibus de turismo estava à disposição para levar os trabalhadores pela estrada à 1 da manhã, chegando na cidade mais próxima, Três Lagoas, às 3 da manhã para pegar o próximo turno. “Você não faz esse trabalho sem alguns passarinhos em casa para alimentar”, comentou um motorista enquanto observava seus colegas preenchendo buracos no campo à luz das lanternas de cabeça. Após obter permissão de seu chefe, ele nos levou até a cidade, uma hora de viagem em cada direção, até o posto de gasolina mais próximo.

Esta estrada através do Vale da Celulose ficou conhecida como uma estrada de oportunidades, com o eucalipto se tornando o novo combustível da região após a indústria de carne reduzir sua presença. Não muito longe da nova fábrica da Suzano, uma atração popular à beira da estrada é uma escultura em tamanho gigante de um touro negro nos portões de um rancho conhecido. O rancho foi recentemente plantado, e o touro agora é guardado por uma falange de eucaliptos.

No TikTok, os trabalhadores postam selfies e vistas de tratores nos bosques próximos, acompanhados por uma música da dupla local de música country Jads e Jadson. “Eu vou plantar um pouco de eucalipto / Fico rico e você vai se apaixonar por mim”, canta um homem em dificuldade que está prestes a perder sua noiva. Mais tarde, quando ele corta as árvores e se torna um homem rico com melhores opções, ele também corta sua noiva.

A corrida para plantar mais eucaliptos aqui é fortemente apoiada pelo governo estadual, que no ano passado dispensou os requisitos ambientais para novas fazendas em pastagens e espera rapidamente dobrar sua área em apenas alguns anos. As árvores eram um componente importante do plano do Brasil para cumprir seus compromissos climáticos globais, e a indústria madeireira estava ansiosa para lucrar. Empresas como a Suzano já propuseram que dezenas de milhares de hectares de suas terras se tornem elegíveis para créditos de carbono.

O que está na mente de todos, no entanto, são os incêndios que estão piorando. Mesmo quando visitamos no meio do inverno, o clima estava quente e seco. A região mais ampla estava em uma seca profunda, talvez a pior em 700 anos, e em algumas semanas começaria uma das piores temporadas de incêndios já registradas. A Suzano seria forçada a fazer uma pausa rara no seu plantio quando as temperaturas do solo atingissem 154 °F.

Ao longo da estrada, há constantes lembretes do perigo iminente: placas, estampadas com os logotipos de uma dúzia de empresas madeireiras, que dizem “FOGO ZERO”.

Em outros locais afetados por megaincêndios, como Portugal e Chile, o eucalipto tem sido responsabilizado por agravar as chamas. (O governo chileno recentemente excluiu as fazendas de pinheiro e eucalipto de seus planos climáticos.) Mas aqui no Brasil, onde as mudanças climáticas já estão ampliando os incêndios, a indústria oferece sistemas sofisticados para detectar e suprimir incêndios, argumentou Calmon, da Conservation International. “Você realmente precisa protegê-lo, porque ele é seu ativo”, disse ele. (O BTG também observou que, em partes do Cerrado onde a atividade humana aumentou, os incêndios diminuíram.)

O eucalipto é frequentemente retratado como imensamente sedento comparado com outras árvores, mas Calmon apontou que isso não é exclusivo dessa espécie. Em algumas partes do Cerrado, foi constatado que ele consome quatro vezes mais água do que a vegetação nativa; em outras, os dois tipos de paisagem têm se comportado de forma semelhante. Depende de muitos fatores — o tipo de solo em que é plantado, a vegetação do Cerrado que coexiste com ele, a intensidade do cultivo de eucalipto. As empresas madeireiras, que não têm interesse em ver suas próprias plantações secarem, investem pesadamente no manejo da água. Outra esperança, disse-me Wishnie, é que, ao aumentar vastamente o dossel florestal, o novo eucalipto realmente reúna umidade e ajude a produzir chuva.

Essa é uma narrativa comum e que tem sido ensinada nas escolas aqui em Três Lagoas por décadas, explicou Borzone quando nos encontramos no dia seguinte ao nosso resgate com Marine Dubos-Raoul, uma geógrafa local e professora universitária, e dois de seus alunos. Dubos-Raoul riu de forma desconfortável. Se essa ideia sobre a chuva fosse de fato verdadeira, eles não a haviam visto aqui. Eles se agacharam ao redor da mesa no café, falando em voz baixa; suas opiniões não eram particularmente populares nesta cidade madeireira.

Dubos-Raoul acompanhava há muito tempo os impactos das ondas de plantio nos moradores rurais de longa data, que reclamavam que a indústria havia tomado sua água ou pulverizado seus jardins com pesticidas.

A evidência ligando as árvores aos problemas de água na região, Dubos-Raoul admitiu, é mais anedótica do que baseada em dados. Mas ela ouvia isso em conversa após conversa. “As pessoas ficavam com lágrimas nos olhos”, disse ela. “Era muito claro para elas que isso estava relacionado à chegada do eucalipto.” (Desde nosso encontro, um estudo, realizado em resposta às demandas dos moradores locais, responsabilizou o plantio por 350 nascentes esgotadas na área, o que gerou uma rara investigação estadual sobre o assunto.) De qualquer forma, pensava Dubos-Raoul, não fazia muito sentido continuar colocando fósforos na caixa de fósforos.

Pouco depois de conversar com Dubos-Raoul, fomos até a cidade de Ribas do Rio Pardo para encontrar Charlin Castro no resort fluvial de sua família. A nova fábrica de celulose da Suzano estava no horizonte, rodeada por uma das áreas mais densas de plantio na região.

Com a chegada de milhares de trabalhadores, principalmente temporários, para construir a fábrica e plantar os campos, a pacata vila agrícola se transformou em uma cidade em crescimento e passou a ter uma reputação de terra sem lei — prostituição, falta de moradia, colisões entre caminhões de madeira e motoristas bêbados — e Castro estava documentando grande parte disso para um outlet de notícias hiperlocal no Instagram, enquanto também se candidatava à câmara municipal.

Mas, no geral, ele era grato à Suzano. A fábrica estava transformando a cidade em “um lugar de verdade”, como ele disse, mesmo que a mudança fosse, às vezes, dolorosa.

Seu pai, Camilo, fez um gesto com o braço musculoso em direção à água, onde se lembrava das corridas de barco com canoas e tripulações de uma dúzia de pessoas. Isso foi há 30 anos. Era impossível imaginar isso agora, enquanto observava uma família se refrescar nesta curva do rio, com a água chegando apenas aos joelhos. Mas é difícil dizer o que exatamente está causando os baixos níveis de água. Talvez seja o sedimento proveniente das fazendas, sugeriu Charlin. Ou uma mudança no clima. Ou, talvez, pode ser as árvores.

Mais acima no rio, Ana Cláudia (que é chamada de “Tica”) e Antonio Gilberto Lima estavam mais certos sobre o que estava causando o problema. O casal, que está na casa dos 60 anos, vive em uma casa simples de tijolos rodeada por árvores frutíferas. Eles se mudaram para lá há uma década, buscando uma aposentadoria tranquila — uma de centenas de famílias que participaram das reformas agrárias que devolveram terras para os pequenos proprietários. Mas, recentemente, a vida tem sido mais difícil. Para preservar o seu poço, eles deixaram o jardim de vegetais se perder. Os córregos estavam secos, e as antigas piscinas nas pastagens onde costumavam pescar haviam sumido, substituídas por árvores; os antas estavam vasculhando seu jardim, empurradas, acreditavam eles, pela falta de habitat.

Eles estavam cercados por eucaliptos, plantados em ondas com a chegada de cada nova fábrica. Ninguém estava ouvindo, disseram-me, enquanto o rebanho de gado mugia do lado de fora da porta. “As árvores estão tristes,” disse Gilberto, olhando para seus poucos dezenas de animais de cor pálida pastando ao redor das espécies do Cerrado espalhadas no curral. Tica me disse que sabia que papel e celulose precisavam vir de algum lugar e que muitas pessoas localmente estavam se beneficiando. Mas os aspectos negativos estavam sendo ignorados, ela achava. Eles assinaram uma petição ao governo, organizada por Dubos-Raoul, buscando restringir a indústria. Talvez, ela esperava, isso pudesse alcançar também os investidores americanos.

Mini Banner - Assine a MIT Technology Review

O halo verde

Algumas semanas antes da minha viagem, o BTG decidiu que estava pronto para mostrar o Projeto Alpha. A visita foi marcada para o meu último dia no Brasil; a fazenda anteriormente conhecida como Fazenda Engano ficava mais ao norte, em Camapuã, uma cidade que faz divisa com Ribas do Rio Pardo. Foi uma longa viagem sinuosa para o norte para chegar lá, mas não seria assim por muito tempo; uma nova rodovia estava sendo pavimentada para conectar diretamente as duas cidades, parte de uma iniciativa entre a indústria madeireira e o governo para expandir o polo de celulose para o norte. Um oficial local me disse que esperava dezenas de milhares de hectares de eucalipto nos próximos anos.

Por enquanto, porém, ainda era a fronteira. A intenção era plantar “bem fora do setor florestal”, me contou Wishnie — não diretamente à sombra de um moinho, mas o suficiente para que a operação fosse prática, com acesso a mão de obra e logística. Essa distância era uma evidência importante de que as árvores armazenariam mais carbono do que o contabilizado em um cenário de “negócios como de costume”. A outra garantia era a restauração. Não era bom negócio comprar terras e não plantar cada hectare possível com madeira. Isso só foi possível graças aos investimentos verdes da Apple e de outros.

Naquela manhã, Wishnie me enviou um comunicado de imprensa anunciando que a Microsoft havia se juntado à Apple na busca de ajuda do BTG para atender às suas demandas de carbono. A gigante da tecnologia havia feito a maior compra de créditos de carbono já registrada, representando 8 milhões de toneladas de CO₂, do Projeto Alpha, após compromissos menores da TSMC e Murata, dois dos fornecedores da Apple.

Eu estava prestes a encontrar Carlos Guerreiro, chefe das operações da América Latina para a subsidiária madeireira do BTG, em um posto de gasolina na cidade, onde seguiríamos juntos para a propriedade de 24.000 hectares. Um silvicultor no Brasil durante grande parte de sua vida, ele havia chegado de seu lar perto de São Paulo naquela manhã cedo; ele planejava verificar o progresso do plantio no Projeto Alpha e depois seguir para as propriedades do banco ao longo do Vale da Celulose, onde o BTG estava finalizando um negócio de US$ 376 milhões para vender terras à Suzano.

Guerreiro defendeu as propriedades existentes do BTG como motores sustentáveis de desenvolvimento na região. Mas, ainda assim, o Projeto Alpha parecia um novo começo para a empresa, me contou ele. Cerca de um quarto dessa propriedade havia sido deixado intocado quando a pastagem foi desmatada pela primeira vez na década de 1980, mas o plano agora era restaurar 13% adicionais da propriedade com plantas nativas do Cerrado, totalizando 37%. (O BTG afirma que protegerá mais terras em futuras fazendas para atingir sua meta de 50-50.) Pequenas áreas de vegetação nativa existente seriam conectadas com outras ao redor da propriedade, criando um corredor de 400 metros que seguia em grande parte os córregos e rios — além dos 60 metros exigidos por lei.

O trabalho de restauração estava sendo realizado com a ajuda de pesquisadores de uma universidade brasileira, embora ainda estivessem testando os melhores métodos. Ficamos sobre trincheiras que haviam sido plantadas com sementes nativas apenas semanas antes, com brotos começando a aparecer na terra. Deixar a terra se regenerar por conta própria era muitas vezes preferível, disse-me Guerreiro, mas a melhor abordagem dependeria das especificidades de cada local. Em outros lugares, a ajuda no plantio, cuidado ou remoção das gramíneas invasoras poderia ser mais eficaz.

A abordagem de deixar as coisas em grande parte como estavam já estava gerando resultados, observou ele: nas partes da propriedade que não haviam sido pastoreadas por anos, já era possível ver o Cerrado, resistente, voltando com força total. Eles estavam se maravilhando com a fauna, capturada em armadilhas fotográficas: antas, tamanduás, todos os tipos de aves. Até avistaram uma onça-pintada. O projeto garantiria que esse crescimento continuasse por décadas. A terra não seria vendida para outro pecuarista e não voltaria a parecer com outras partes da propriedade, que eram regularmente desmatadas para a criação de gado. A esperança, disse ele, era que, com o tempo, os ecossistemas em regeneração armazenassem mais carbono e gerassem mais créditos do que o eucalipto. (A empresa pretende submeter seus planos de carbono à Verra ainda este ano.)

Paramos para almoçar na linha divisória entre a reserva e o eucalipto, comendo sanduíches de presunto à sombra das árvores mais antigas da propriedade, já com dois andares de altura e ainda, segundo a estimativa de Guerreiro, crescendo um centímetro por dia. Ele estava plantando a uma taxa de 40.000 mudas por dia em trincheiras bem cuidadas, preenchidas com cal virgem para tornar o solo arenoso do Cerrado mais convidativo. Em cerca de sete anos, metade das árvores serão desbastadas e transformadas em polpa. O restante continuará crescendo. Elas durarão sete anos a mais e crescerão grossas e firmes o suficiente para a produção de compensados. O processo começará novamente. Guerreiro descreveu um modelo em que aglomerados de fazendas misturados com reservas como esta seriam plantados ao redor dos moinhos por todo o Cerrado. Mas nada firme havia sido decidido.

Esse experimento, me contou Wishnie mais tarde, poderia ter um grande retorno. O importante, ele me lembrou, era que trechos do Cerrado seriam protegidos em uma escala que ninguém havia alcançado antes — algo que não aconteceria sem o eucalipto. Ele discordava fortemente dos cientistas que diziam que o eucalipto não se encaixava ali. O governo havia analisado a bacia hidrográfica, explicou ele, e estava confiante de que a terra poderia sustentar as árvores. No final das contas, a escolha era entre fazer algo e não fazer nada. “Falamos sobre restauração como se fosse algo que acontece”, disse ele.

Quando pedi para Pilon dar uma olhada nas imagens de satélite e nas fotos da propriedade, ela não se impressionou. Para ela, parecia mais uma tentativa equivocada de plantar árvores em uma área que, antigamente, era naturalmente uma savana densa. (Sua avaliação é apoiada por um levantamento de terras da década de 1980 que classificou essa área como um ecossistema típico do Cerrado — algumas árvores, mas principalmente arbustos. O BTG respondeu que o levantamento estava incorreto e as imagens de satélite mostravam claramente uma floresta de copa fechada.)

Como disse Lucy Rowland, especialista na região da Universidade de Exeter e outra signatária do BAD: “Em nenhuma circunstância o plantio de eucalipto deve ser considerado um projeto viável para receber créditos de carbono no Cerrado.”

Ao longo de meses de reportagens, a forma como ambos os lados falavam de maneira absoluta sobre como salvar esse ecossistema em extinção havia se tornado familiar. Chazdon, a pesquisadora florestal baseada na Austrália, me disse que também sentia que o tom do debate sobre como e onde plantar se tornara mais veemente à medida que a demanda por remoção de carbono baseada em árvores aumentava. “Ninguém é vilão”, ela disse. “Há desconexões de ambos os lados.”

Chazdon ficou empolgada ao ouvir sobre o projeto do BTG. Era, ela pensou, o tipo de coisa que era urgentemente necessária na conservação — misturar empreendimentos lucrativos com uma abordagem de restauração que considerasse a paisagem mais ampla. “Eu posso entender por que os ecologistas do Cerrado estão indignados”, ela disse. “Eles têm a sensação de que ninguém se importa com seus ecossistemas.” Mas as demandas por pureza ecológica poderiam, de fato, atrapalhar a realização de qualquer coisa — especialmente em lugares como o Cerrado, onde as leis e o financiamento favorecem a destruição em vez da restauração.

Ainda assim, ao pensar na escala do problema de remoção de carbono, ela considerou sensato questionar sobre o futuro que estava sendo criado. Embora, de fato, haja um limite para a quantidade de terra que o mundo precisa para produtos de celulose e compensados no futuro próximo, praticamente não há limite para a quantidade de terra que poderia ser dedicada ao sequestro de carbono. O que significa que precisamos fazer perguntas difíceis sobre a melhor forma de utilizá-la.

Era verdade, disse Chazdon, que plantar eucalipto no Cerrado era um ato de destruição — isso tornaria a terra quase impossível de recuperar. As áreas preservadas entre elas também provavelmente teriam dificuldades para se renovar completamente, sem fogo ou desmatamento. Ela se sentiria mais confortável com projetos de grande escala assim se a meta de restauração fosse muito mais alta — digamos, 75% ou mais. Mas isso quase certamente não satisfaria seus colegas ecologistas de campos, que não querem eucalipto algum. E isso pode não se encaixar no modelo de lucro — o volante que a Apple e outros estão buscando para escalar rapidamente a remoção de carbono.

Barbara Haya, que estuda compensações de carbono na Universidade da Califórnia, Berkeley, me incentivou a pensar em tudo isso de forma diferente. As melhorias no plantio de eucalipto aqui, nesta fazenda, poderiam ser algo perfeitamente bom para essa indústria, disse ela. Talvez mereçam algum tipo de alegação sobre papel higiênico ou compensados mais verdes. Haya deixaria esse debate para os ecologistas.

Mas não estávamos falando de papel higiênico ou compensados. Estávamos falando de laptops, smartwatches e ChatGPT. E o caminho para conectar essas coisas a essas árvores era mais convoluto. O carbono precisava ser desembaraçado primeiro dos outros usos lucrativos da madeira e depois das mudanças mais amplas que estavam ocorrendo nesta região e em suas indústrias. Pareciam existir muitos cenários plausíveis para o destino dessa terra. O eucalipto seria a única rota viável para que o carbono chegasse aqui?

Haya está entre os especialistas que argumentam que a ideia de cancelar precisamente as emissões corporativas para alcançar a neutralidade de carbono é uma ideia falida. Isso não significa que proteger a natureza não possa ajudar a combater as mudanças climáticas. Conservar florestas e campos existentes, por exemplo, poderia frequentemente trazer maiores benefícios de carbono e biodiversidade a longo prazo do que plantar novas florestas. Mas a matemática do carbono usada para justificar esses esforços geralmente era mais vaga. Isso torna cada alegação de neutralidade de carbono frágil e leva as empresas a se voltarem para projetos que são mais fáceis de provar, mas que talvez tenham menos impacto, ela acredita.

Uma ideia é que as empresas deveriam, em vez disso, adotar um modelo de “contribuição” que acompanhasse quanto dinheiro elas destinam à mitigação climática, sem se preocupar com a quantidade exata de carbono removido. “Digamos que o objetivo seja salvar o Cerrado”, disse Haya. “Será que eles poderiam investir a mesma quantia de dinheiro e realmente fazer a diferença?” Essa abordagem, ela apontou, poderia ajudar a financiar a preservação dos últimos remanescentes intactos do Cerrado. Ou poderia financiar a restauração, mesmo que a vegetação restaurada leve anos para crescer ou, às vezes, precise queimar.

A abordagem levanta suas próprias questões — sobre como medir o impacto desses investimentos e quais tipos de incentivos motivariam as corporações a agir. Mas é uma visão que tem ganhado mais popularidade à medida que cresce o escrutínio sobre os créditos de carbono e as opções disponíveis para as empresas se estreitam. Com o estado atual do mundo, “o que as empresas privadas fazem importa mais do que nunca”, disse Haya. “Precisamos que elas não desperdicem dinheiro.”

Enquanto isso, cabe ao consumidor que lê o rótulo decidir que tipo de caminho estamos seguindo.

Antes de sairmos da fazenda, Borzone e eu tínhamos uma última tarefa: plantar uma árvore. O sol já estava baixo sobre o Projeto Alpha quando me entregaram um dispositivo de ferro que sustentava uma muda de eucalipto, retirada de um trator carregado de plantas.

“Não há nada de errado com as árvores,” Borzone disse mais cedo, estreitando os olhos para a fileira de eucaliptos com 18 meses de idade, suas folhas ondulando ao vento quente como se estivessem em um show burlesco mal ensaiado. “Eu preciso me lembrar disso.” Mas ainda assim, parecia estranho colocar uma delas no chão. Afinal, estávamos pedindo tanto a ela. E estávamos prestes a pedir mais.

Apertei a alça, puxando a dobradiça de ferro com força e forçando a planta a penetrar profundamente no solo. Ela ficou inclinada em um ângulo leve que eu tinha certeza de que alguém precisaria corrigir mais tarde, ou então essa árvore de eucalipto cresceria torta. Eu estava devagar e desajeitado no meu trabalho, e quando terminei, o trator estava muito à frente de nós, impossivelmente pequeno no horizonte. O trabalhador pegou a ferramenta da minha mão e seguiu em direção a ele, empurrando as mudas para baixo enquanto caminhava, apressado, mas preciso, uma árvore após a outra.

Último vídeo

Nossos tópicos