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A pandemia mudou o mundo do trabalho, acelerou tendências que já vinham se formando e trouxe novas soluções para necessidades que se tornaram mais urgentes. O período de home office forçado fez muita gente repensar o papel do trabalho na vida, questionar alguns conceitos, rever rotinas e buscar um propósito que vai além da satisfação profissional.
A vacinação em massa reabriu os escritórios, mas algumas mudanças na rotina se tornaram permanentes, transformando as empresas no modo de operar e pensar o seu espaço físico. Mas qual o quadro geral dessas transformações e o que deve se consolidar no novo modo de ser das organizações? O que desponta como caminhos para as estratégias de gestão de talentos?
Ao longo de uma série de cinco artigos aqui na MIT Technology Review, conversamos com diversos especialistas e líderes de grandes companhias para responder a perguntas como essas. É com base nessas visões, experiências e aprendizados, além da análise de estudos e relatórios de pesquisadores do mundo inteiro, que selecionamos 10 grandes tendências que prometem transformar profundamente o mundo do trabalho nos próximos anos. A seleção a seguir é um convite para que você reflita e construa o futuro da sua organização a partir de agora. Porque esse futuro já começou.
1. Flexível é a nova regra
Falou-se muito, nos primeiros meses da pandemia, em novo normal. No mercado de trabalho, isso que se poderia chamar de novo normal é o trabalho flexível, parte na empresa e parte em casa ou em um outro local, como um coworking ou mesmo unidades menores espalhadas pelo país.
Pesquisas mostram que as pessoas já não aceitam perder horas no deslocamento de casa até o escritório para realizar tarefas que poderiam desempenhar perfeitamente da mesa da sala de casa, vestidos confortavelmente e mais concentrados, e igualmente acessíveis aos colegas e equipes pela tela do computador.
“Perguntamos para as pessoas qual era o modelo ideal e 83% preferiram o híbrido”, diz Beatriz Sairafi, diretora de RH da Accenture na América Latina. “Elas querem o contato presencial, mas não para fazer calls que poderiam fazer de casa”, afirma.
2. Quem não for flexível vai perder profissionais
Esse é uma verdade da vida pós-home office forçada pela pandemia. Junto com o pacote de benefícios, a pergunta que os recrutadores mais ouvem hoje em dia dos candidatos às vagas é se o regime de trabalho é flexível. Se for exclusivamente presencial, muitos já desistem de seguir com as conversas.
Claro, o Brasil ainda tem 11 milhões de desempregados e algumas pessoas aceitarão as condições estipuladas pelas empresas, por pura necessidade. Mas basta olhar para a chamada Grande Renúncia, nos Estados Unidos, de pedidos de demissão em massa por profissionais de todos os níveis de renda, para ver que essa é uma realidade que não se sustenta. Além disso, mesmo com o desemprego agregado elevado, alguns setores já sofrem com forte escassez de profissionais, como a área de TI. Escassez que só deve piorar nos próximos anos, com o aumento das vagas no setor.
Você quer ser a empresa que vai recrutar os melhores profissionais ou aquela que vai ficar com os que não conseguiram o emprego desejado e aceitam o que aparece?
3. Para o remoto funcionar, é preciso criar uma cultura virtual
Muitas empresas já tinham as ferramentas para o trabalho remoto, mas não havia a cultura do virtual. Mesmo em empresas onde era permitido trabalhar assim, na prática essa opção era muito pouco usada. É o caso da Unilever. “Já tínhamos a tecnologia e já éramos uma empresa globalizada. Tínhamos uma política flexível, mas com uma cultura presencial. Agora, criamos uma cultura virtual”, diz Luciana Paganoto, Head de HR da Unilever no Brasil.
O desenvolvimento de uma cultura virtual inclui regras para o trabalho assíncrono e também horários em que todos devem estar disponíveis e horários em que as pessoas não devem ser acionadas. A Unilever tem algumas regras de ouro: não marcar reuniões antes das 9h ou depois da 18h, ou no horário de almoço, entre 12h e 13h30, além de ter sempre um intervalo de 10 minutos entre uma reunião e outra.
4. Espaços de trabalho mais bonitos e agradáveis
Se é para sair de casa, que seja para um lugar melhor, mais inspirador, onde as pessoas tenham trocas produtivas, espaços de silêncio e concentração e também locais para bater papo e resolver os assuntos de forma informal e colaborativa. É esta a lógica seguida pelas empresas que aproveitaram a pandemia para reformar seus espaços de trabalho, adaptando-os para as novas exigências.
A Decathlon fez exatamente isto: adotou o trabalho híbrido como definitivo e reformou a sede, na Avenida Paulista, com divisão entre espaços de trabalho coletivo, de concentração e de convivência. Além disso, montou ambientes de trabalho corporativo, com a mesma identidade visual, em algumas lojas, criando opções para quem não quer trabalhar em casa, mas também não precisa se deslocar muito para ir ao trabalho. “Criamos um ambiente bem acolhedor, com espaços para incentivar o esporte, mesa de pingue-pongue, vestiários. Para que as pessoas se sintam bem indo ao escritório”, diz a diretora de RH da Decathon, Regina Biondo.
O Vice-Presidente de Recursos Humanos e Compliance da Nestlé, Enrique Rueda, define bem esse novo momento. “As empresas agora precisam competir com a casa das pessoas. E para isso precisam ser mais atraentes e justificar a pessoa sair de casa”, afirma.
5. Escritórios mais tecnológicos
Muitas empresas reduziram seus espaços de trabalho, impactando até mesmo regiões corporativas, como as das Avenida Luiz Carlos Berrini e Faria Lima, que tem muitos prédios parcialmente ociosos. A Accenture, por exemplo, reduziu em 40% seu espaço, mesmo com a ampliação do time em 30% durante a pandemia.
Os locais físicos, por outro lado, precisam ser adaptados para o trabalho híbrido, com ambientes mais tecnológicos e equipamentos que facilitam a interação entre os profissionais que estão na empresa e os que estão em outros lugares. É o caso do Itaú, que reformou alguns andares para criar mais espaços para reuniões híbridas, com câmeras que seguem a voz e focam em quem está falando, facilitando a compreensão de quem está participando de forma remota.
6. Menos viagens corporativas
Não dá para afirmar que as viagens corporativas vão acabar. Mas já dá para cravar que elas serão drasticamente reduzidas, e que esta mudança será permanente, já que implica em forte redução de custos. A experiência das reuniões online mostrou que não é preciso deslocar profissionais de todo o mundo para conversas que podem ser feitas pela tela do computador. “Eu tenho reuniões internacionais todos os dias. E se antes eu precisava de dois dias para participar de uma reunião na França, hoje eu posso ter uma reunião às 9h e acordar às 8h”, diz Regina Biondo, da Decatlhon.
7. Recrutamentos online permitem mais acessibilidade
Os processos de recrutamento online permitem que profissionais de todo o país participem, pelo menos na fase inicial, ampliando o acesso das pessoas a vagas que eram fortemente concentradas no Sul e Sudeste. O resultado é uma maior diversidade e inclusão geográfica, social, cultural.
“Estamos encontrando talentos que no passado não tínhamos, porque antes buscávamos quem morava perto, agora não temos restrição geográfica”, diz Enrique Rueda, VP de Human Resources e Compliance da Nestlé. Em 2020, por causa da pandemia, a empresa fez o processo de seleção de trainees 100% virtual e notou uma diferença entre as edições anteriores, presenciais. “Tivemos pessoas de todo o país. Uma turma muito mais representativa da diversidade do Brasil”, conta Enrique.
A BRF, que fez mais de 26 mil contratações no Brasil no primeiro ano da pandemia, criou um processo seletivo online com ferramentas de preenchimento simples, para atender pessoas com pouca habilidade digital. Além disso, desde 2020 as vagas são oferecidas em quatro idiomas: português, inglês, espanhol e creole, para chegar aos haitianos que se mudaram para o Brasil. “O face a face é importante, mas o processo digital veio para ficar, especialmente no início do processo, porque evita deslocamentos e chega a mais gente”, diz Weliton Roberto Chalabi, Head Global de Talento, Aquisições e Transformação Digital do RH da BRF.
8. Equipes diversas são boas para os negócios
Pesquisas mostram que a diversidade das equipes não é boa só para a sociedade. A existência de times diversos é boa também para os negócios, já que a empresa fica mais conectada com o seu público consumidor e com as demandas da sociedade.
“Diversidade é fundamental para inovação. Queremos ser um espelho da sociedade brasileira”, diz Enrique Rueda, da Nestlé. “Estamos presentes em 99% dos lares brasileiros. Se você não entende 99% dos lares você vai perder vantagem competitiva”, explica.
“Diversidade traz agilidade de pensamento e assertividade”, diz Luciene Magalhães, head de Capital Humano da KPMG, empresa que tem 50% de mulheres no nível gerencial e vários grupos temáticos responsáveis por programas para fomentar a diversidade na empresa.
9. Cuidar do bem-estar físico e emocional das equipes
Uma pesquisa do Indeed com profissionais brasileiros mostra que 46% se sentem mais produtivos trabalhando de casa. Mas é preciso tomar cuidado com o excesso de carga horária e estabelecer limites entre trabalho e vida pessoal. “Além de softwares que ajudam a gerenciar a jornada no trabalho remoto e híbrido, a empresa precisa ter um bom time gerencial com comunicação clara, eficiente e transparente para reduzir o medo e a ansiedade dos funcionários com esse sistema”, diz Felipe Calbucci, diretor de Vendas da Indeed Brasil. Ele lembra que é responsabilidade da empresa garantir que os colaboradores recebam o apoio necessário para serem produtivos sem trabalhar em excesso. “Existe o risco de fadiga e potencial burnout. O líder precisa organizar o fluxo e evitar que os funcionários trabalhem além da jornada”, afirma.
10. Reter talentos oferecendo novos desafios dentro da empresa
Aquele profissional que entra numa empresa logo depois da faculdade e permanece pelas décadas seguintes, galgando posições na mesma carreira, já é uma raridade. Os profissionais mais jovens – mas não só – são mais inquietos, preferem mudar de carreira ao longo da vida profissional e, se não tiverem essas oportunidades dentro da organização, vão trocar não só de cargo, mas também de empregador. “Nós buscamos criar essas oportunidades aqui dentro, já que temos três divisões distintas e operações em vários países”, diz o Diretor de RH da Bayer, Andre Kraide Monteiro.
Para as empresas de TI, o desafio é ainda maior, pois com o trabalho remoto enfrentam também a concorrência de fora do Brasil, com vagas que pagam em dólar. “Temos que ouvir as pessoas, entender o que elas querem e avaliar continuamente nosso pacote de remuneração e benefícios”, diz Tatiana Barrocal, diretora de Pessoas da NTT DATA. O líder de Recursos Humanos no Brasil da Amazon, Rafael Fabiano Arroyo, resume o cenário. “O remoto traz maior flexibilidade, mas também maior competição”, afirma.