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A Covid-19 mudou o modo como trabalhamos — e também o local onde trabalhamos. No início da pandemia, o trabalho invadiu a casa das pessoas, os limites entre vida profissional e pessoal se esgarçaram e tudo ficou misturado. Não foi fácil. A atividade profissional invadindo a mesa de jantar, a câmera fechada para não mostrar a bagunça, as reuniões em horários inconvenientes, a jornada que não tinha hora para começar nem acabar. Mas, depois de um tempo, conforme as crianças voltaram para a escola, as academias reabriram e os restaurantes da vizinhança voltaram a abrir seus salões, muita gente percebeu que trabalhar de casa – ou de algum outro local mais acessível – era de fato mais confortável e mais produtivo do que enfrentar o trânsito todos os dias no mesmo horário. E, do dress code à criação de espaços corporativos fora das sedes, as empresas tiveram que se adaptar.
Muitas reformaram seus espaços, reduziram a área ocupada e repensaram os ambientes restantes, privilegiando locais compartilhados e de cocriação. O vice-presidente de Recursos Humanos e Compliance da Nestlé, Enrique Rueda, define muito bem o novo cenário. “O local de trabalho agora tem um concorrente, que é a casa. E isso é saudável. Está levando as pessoas a pensar mais em porque precisariam ir ao escritório”, diz Rueda.
Para tentar ganhar a concorrência com a casa dos colaboradores, a Nestlé, que desde 2019 já não tinha postos fixos de trabalho, ambientou os escritórios de forma setorizada, com espaços para os diferentes momentos da jornada, sejam individuais, para uma tarefa que exige concentração, ou em equipe. As paredes, que eram brancas, receberam obras de arte de artistas brasileiras. “Hoje os espaços estão desenhados para a criatividade”, afirma.
A empresa também criou áreas amigáveis para pets, onde os funcionários podem levar seus animaizinhos. “Já tínhamos essa ideia, mas implantamos agora, porque muita gente ficou mais próxima dos seus pets quando estava trabalhando em casa e agora não quer ficar o dia inteiro longe”, diz Rueda.
Criar mais espaços de convivência também foi o foco da reforma realizada pelo Itaú, que, depois de um ano e meio de pandemia, reabriu os escritórios de São Paulo com uma reforma que equipou os ambientes com tecnologia para funcionar de forma híbrida. Nas salas de reuniões, câmeras acompanham automaticamente a pessoa que está falando e permitem uma boa comunicação entre os que estão presentes fisicamente e os que estão online. “O escritório precisa ter espaços de convivência, lugares para trocar ideias”, diz o diretor executivo de RH do banco, Sergio Fajerman. “Para usar o computador a pessoa pode ficar em casa”, afirma.
O banco ainda está testando o que funciona para o trabalho híbrido, com parte da equipe nos escritórios e parte em casa ou em outros espaços remotos. A ideia é implantar três sistemas, que vão conviver: 100% presencial, para as áreas onde isso é necessário; híbrido com sistema de escala; e híbrido com liberdade total para trabalhar do escritório, de casa ou outro local, onde for possível. Em relação à jornada, continua valendo o controle de horas trabalhadas com a flexibilidade do banco de horas, e regras que devem ser seguidas por todos, como não enviar mensagens de WhatsApp antes das 9h ou depois das 19h.
Pandemia trouxe mudança de mindset
Mesmo as empresas que já tinham implantado um modelo flexível antes da pandemia viram a realidade mudar bastante com o home office forçado implantado em 2020 e 2021. É o caso da Unilever, que já utilizava a nuvem e tinha times globais espalhados por diferentes países. Ainda assim, o período de isolamento foi fundamental para a mudança de mindset na companhia, que diminuiu em 40% o tamanho do escritório e mantém 4 mil dos 11 mil funcionários no Brasil em regime de expediente maleável.
“Antes tínhamos uma política flexível de trabalho, mas com uma cultura presencial. Agora, a empresa criou uma cultura virtual”, diz Luciana Paganato, diretora de Recursos Humanos. “Trabalho é o que você entrega. Não importa onde você está, o horário que está fazendo. O que importa é a entrega”, afirma Luciana.
O modelo adotado pela Unilever mantém o contrato com um local determinado para o expediente, mas permite que as equipes façam suas próprias combinações de frequência de encontros presenciais. Na prática, tudo é possível, dependendo da necessidade específica de cada função.
Para facilitar o entendimento entre as equipes no ambiente virtual, a empresa criou algumas regras de ouro, baseadas no princípio de que a flexibilidade é coletiva, não individual. É proibido, por exemplo, marcar reunião antes das 9h e depois das 18h, ou no horário do almoço, entre 12h e 13h30, e as reuniões online devem ter um intervalo de pelo menos 10 minutos, para que a pessoa possa levantar da cadeira, ir ao banheiro e tomar água. “São coisas que se faz com naturalidade quando as pessoas estão no mesmo espaço, mas precisam ser previstas para evitar a sobrecarga no virtual”, diz Luciana.
Na Decathlon, rede de lojas de material esportivo que tem 100 mil colaboradores no mundo e 2,2 mil no Brasil, o sistema de trabalho, batizado de Free Office, já prevê o modelo híbrido de forma definitiva para o pessoal do escritório. Durante a pandemia, a empresa colocou em prática uma reforma que já estava prevista, e dividiu a sede, na Avenida Paulista, em três ambientes: o Espaço Criação, que é aberto e colorido, para incentivar a criatividade; o Espaço Silêncio, para tarefas que exigem concentração; e o Espaço D Café, uma área de convivência, com café, para relaxar.
Os funcionários da área corporativa podem trabalhar três dias por semana em casa e os outros dois no escritório central ou em algum dos pontos de workplace criados em algumas das 45 lojas e no centro de distribuição. A diretora de Recursos Humanos da empresa, Regina Biondo, diz que esse sistema permite um maior equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. “O híbrido permite esse equilíbrio e ao mesmo tempo as trocas”, afirma.
A própria Regina, que assumiu o cargo em maio de 2020, quando a companhia estava totalmente no remoto, comemora os ganhos advindos do trabalho online, que transferiu para o virtual muitas das reuniões que eram presenciais e exigiam viagens internacionais. “Essa é uma mudança definitiva, porque tem muitos benefícios. Todo dia eu tenho reuniões internacionais, sem precisar viajar”, afirma. Outra mudança que ela nota é no dress code. “Isso deixou de ser discutido. A entrega pode ser igual ou até melhor se a pessoa estiver confortável”, diz Regina.
Equilíbrio entre vida pessoal e profissional
Conseguir um maior equilíbrio entre vida pessoal e profissional está entre as principais vantagens do trabalho remoto. Uma pesquisa da Indeed, realizada em novembro do ano passado com mais de 700 profissionais brasileiros, mostra que 53% gostariam que as empresas oferecessem mais opções de trabalho flexível. 49% dizem que o trabalho remoto permitiu que eles passassem mais tempo com a família e 32% tiveram um maior equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
Pesquisas também mostram que as organizações ainda não estão respondendo totalmente às novas demandas dos profissionais, que hoje já analisam outras variáveis para aceitar uma vaga. Além dos tradicionais, como remuneração, pacote de benefícios e perspectivas de crescimento dentro da empresa, querem saber também se o propósito da companhia é compatível com o seu propósito pessoal e se é possível atuar de forma flexível.
A importância da saúde mental
Se o trabalho remoto e híbrido trouxe maior flexibilidade, economizou tempo no trânsito, permitiu uma maior convivência com a família e a inclusão de atividades pessoais em meio à jornada de trabalho, também trouxe uma alerta: a responsabilidade das empresas em cuidar da saúde mental de seus colaboradores.
Uma pesquisa da Indeed realizada em 2021 com 700 trabalhadores mostra que 18% deles sentiram que sua saúde mental piorou durante a pandemia e 31% disseram que não se sentiram apoiados pelos empregadores. “O modelo atual de trabalho remoto ou híbrido requer uma atenção maior das empresas em relação à saúde mental de seus colaboradores”, diz Felipe Calbucci, diretor de Vendas da Indeed Brasil, maior site de empregos do mundo, com atuação em 60 países. É importante, diz ele, estimular as equipes a se desconectar, sugerindo atividades que podem ser praticadas fora do expediente, como mediação, leitura, yoga, esportes ou atividades artísticas.
A situação é tão grave que, a partir de 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a classificar o burnout como uma doença ocupacional, que pode ser causada por fatores como carga profissional excessiva, falta de reconhecimento, conexões frágeis e falta de autonomia. Outra pesquisa da Indeed com mais de 600 trabalhadores brasileiros sobre iniciativas que as organizações deveriam adotar no trabalho teve uma abordagem mais humana apontada por 22,4% dos ouvidos. Cabe às empresas, diz Felipe Calbucci, criar estratégias para cuidar da saúde mental dos funcionários, com profissionais especializados nessa área para apoiar os profissionais e fazer com que eles se sintam à vontade para lidar com seus problemas sem medo de julgamento.
É importante que tanto as companhias quanto os colaboradores reconheçam que o fato de as pessoas estarem trabalhando de casa não significa que os dias de folga não sejam necessários. “Como as pessoas estão em casa, às vezes pensam que não deveriam tirar dias de folga, o que é completamente errado”, diz Calbucci. A própria Indeed, como empregador, criou um programa chamado de You Days, que dá um dia de folga a todos os empregados ao mesmo tempo, permitindo que as pessoas se desconectem do trabalho.