Viver cada vez mais ou cada vez melhor?
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Viver cada vez mais ou cada vez melhor?

Novas problemáticas de saúde do mundo moderno já diminuem a curva da longevidade em alguns países. Cientistas defendem que os avanços devem servir para viver melhor, não necessariamente mais.

Até o século 18, a expectativa de vida dos seres humanos estava estacionada na média de 25 a 30 anos de idade. Todas as realizações que você pudesse concretizar em uma vida estariam ali restritas a duas, no máximo três décadas de tempo disponível. A partir do século seguinte, a longevidade não só se modificou positivamente como adquiriu um ritmo nunca experimentado na história: cada geração viveu mais que a anterior. Até 2100, o mundo terá mais de 21 milhões de centenários, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mas esse novo cenário traz também desafios desconhecidos. 

A pessoa mais velha já conhecida é uma francesa que morreu aos 122 anos de idade em 1997, mais de 20 anos atrás. Depois de Jeanne Louise Calment, não há outro registro de alguém que tenha alcançado tantos anos de vida.  Mas, nessa equação, a quantidade não está intrinsecamente relacionada à qualidade. Então, o que é envelhecer bem?  

Para o professor da Escola de Saúde Pública da Universidade de Illinois e pesquisador do Center on Aging, Jay Olshansky, há sim um limite de vida para os humanos. Em entrevista publicada pela Oklahoma State University, o gerontologista ilustra o que significa uma longevidade além da curva: “Os componentes do corpo começam a falhar: você tem uma falha nos neurônios do cérebro, no músculo cardíaco, no sistema cardiovascular, perda de densidade óssea… Simplesmente não fomos projetados para o uso de longo prazo. Se existe um limite máximo, e estamos nos aproximando dele, isso significa que o foco não deve ser viver mais, mas sim viver mais tempo com saúde. Isso se aplica quer você possa viver até 50, 70 ou 100 anos. Portanto, para mim, o conceito de envelhecimento saudável ou envelhecimento bem-sucedido é exclusivo de você como indivíduo.” 

Prevenção: quando o simples é complexo 

A geriatra e coordenadora do programa de Residência em Geriatria do Hospital Israelita Albert Einstein, Thais Ioshimoto, compartilha do ponto de vista de que envelhecer é algo muito particular de cada pessoa, contudo reforça que não é surpreendente que alguns grupos tenham um desempenho superior. A prevenção é a palavra-chave para isso. 

“Hoje encaramos o envelhecimento de forma individualizada, e o geriatra trabalha isso. Não há uma maneira de generalizar o que é envelhecer bem, mas no mundo moderno dá para dizer, com base em estudos, que a prevenção é fundamental, algo que todo mundo deveria fazer e faz pouco. E ela envolve todos os setores possíveis, desde atividade física e alimentação até a redução de estresse”, explica.  

Thais lembra que conforme a medicina e as pesquisas foram evoluindo, o ditado popular “prevenir é melhor que remediar” só ganhou força. Houve um período em que a longevidade foi justificada pela genética de cada pessoa ou família. Apesar de continuar sendo um fator importante, ela já não é tão protagonista: “Mudou muito o conceito que tínhamos de que a genética era algo predeterminante, que você estaria fadado a ter uma genética e morrer por determinada causa”.  

No atual patamar de longevidade, cada indivíduo tem corresponsabilidade com a própria saúde. “Aprendemos muito sobre a epigenética. Você modula a forma como seus genes vão se expressar, quer dizer, dependendo dos seus hábitos, seus genes se expressam de uma maneira. Por exemplo, você pode ter o oncogene, que é o gene que vai causar um câncer, por toda a vida, mas se tiver bons hábitos pode conseguir com que ele não se expresse, que não leve a um câncer”, explica Ioshimoto. 

O trabalho de conscientização exige uma mudança cultural na forma como o sistema de saúde atua e enxerga o paciente. O cuidado deve ser menos reativo e mais proativo. Na avaliação da geriatra do Einstein, para estimular mudanças é necessário aprimorar a atenção ao paciente, com consultas mais longas e acompanhamento personalizado. Segundo a médica, a tendência em países mais desenvolvidos, onde a pirâmide etária já se inverteu, é a figura do médico de família, que volta a se popularizar.  

“Aqui, a gente não premia as pessoas e empresas que investem em prevenção de uma forma correta, pelo contrário, premiamos quem está doente, que é quem ganha um atendimento mais rápido”, avalia a médica. 

Uma bateria finita  

No organismo humano, o envelhecimento não é uniforme. Diferentes órgãos passam por processos divergentes de desgaste. Os aparelhos vitais se preservam mais, devido à importância de função que eles têm. Mas o que envelhece primeiro? “Tudo envelhece, mas a parte da musculatura esquelética envelhece um pouco mais rápido”, responde a geriatra do Einstein.  

Thais explica que a massa óssea chega a um pico de funcionalidade por volta dos 30 anos de idade, então é como se a bateria fosse tirada da tomada e se inicia o processo de sarcopenia (condição definida pela perda de massa e função do músculo esquelético). “O mais emblemático mesmo é a troca do músculo por gordura. A tendência é diminuir muito a massa muscular e alterar a qualidade do músculo, começamos a ter várias células de gordura dentro da fibra muscular”, explica. 

Uma recomendação simples pode mitigar esse processo: fazer musculação. “Existe uma entidade na geriatria que chamamos de Síndrome de Fragilidade. Sabe aquele idoso que vive muito bem sozinho, só que ele é um pouco lento, anda devagar? De repente, ele interna por algum motivo e não sai mais do hospital. Todos se questionam, dizendo que ele era ótimo, era ativo. É que nossa reserva energética está dentro da nossa massa muscular. Quanto mais massa muscular, mais resistência para vencer algum episódio agudo. E ao contrário também: quando eu preciso de um pouco mais de energia e não tenho, eu não consigo vencer aquela barreira”, exemplifica a médica.  

Isso quer dizer que quanto maior for o acúmulo de energia antes que a ocorra o “desligamento da bateria” da fonte renovável, melhor o prognóstico para enfrentar os desafios que virão. 

Pesquisas para reverter o envelhecimento 

Um nome de destaque quando se fala em parar e reverter o envelhecimento é o de Aubrey de Grey. O especialista em biologia molecular e gerontologista acredita que a velhice seja uma doença e que pode ser curada. Ele defende a teoria de que o envelhecimento é causado por radicais livres mitocondriais e diz ter identificado diferentes tipos de danos celulares causados por processos metabólicos essenciais para os quais pesquisa terapias reparadoras. 

Em 2009, o pesquisador fundou a SENS Research Foundation, no Vale do Silício, e mais recentemente a Longevity Escape Velocity, cujo principal objetivo envolve experimentos sobre expectativa de vida e saúde de camundongos. Neste ano, em entrevista à Forbes norte-americana, comemorativa dos seus 60 anos de idade, Aubrey disse estar confiante que o estudo irá provar que o rejuvenescimento é possível e irá terminar com o que chamou de “transe pró-envelhecimento”: “fazer com que o mundo desista da ideia de que o envelhecimento está entrelaçado na estrutura do universo e, portanto, também desistir da ideia do envelhecimento como uma bênção disfarçada”. O britânico ainda se definiu como um pioneiro e um herege profissional pelo trabalho que vem fazendo e que, segundo ele, é extremamente gratificante. 

Contudo, a comunidade científica tem um posicionamento cético em relação às pesquisas de De Grey. Estudos da SENS já passaram por revisão de pares e a conclusão dos cientistas foi de que, até o momento, nenhuma pesquisa conseguiu comprovadamente estender a vida de qualquer organismo. No Brasil, em 2017, a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia chegou a emitir uma nota de esclarecimento em que se posicionava dizendo: “O envelhecimento é um processo natural na vida do ser humano e jamais deve ser considerado passível de cura. Envelhecimento não é doença. Aubrey de Grey propõe uma ‘limpeza’ ainda nos estágios iniciais de doenças por meio do uso de terapias com células-tronco que, segundo ele, poderão repor as células que morreram em decorrência dos detritos que interferem no funcionamento celular. Na concepção de Grey, até mesmo a doença de Alzheimer poderia ser evitada através da terapia celular. Não existe, no entanto, qualquer evidência científica convincente que sustente essa proposta. A busca da ‘Fonte da Juventude’ tem vasto precedente em lendas medievais, livros de fantasia e filmes de ficção científica e a SBGG repudia qualquer prática antienvelhecimento.” 

David Sinclair, famoso pesquisador sobre envelhecimento da Harvard Medical School, também compartilha da opinião de que o envelhecimento é uma doença; porém, tão controverso quando De Grey, o cientista diz que não tem por objetivo curar a velhice e sim buscar evidências científicas para manter as pessoas mais saudáveis por mais tempo. 

Sinclair ganhou notoriedade em 2003, quando descobriu o resveratrol, antioxidante produzido por plantas para proteger o corpo contra lesões e patógenos e cujo consumo foi associado ao retardo do envelhecimento celular em estudos publicados posteriormente. 

A pesquisa mais recente de Sinclair é um estudo feito com cientistas do MIT e da Universidade do Maine e publicado na revista científica Aging, onde os pesquisadores apresentam uma mistura de compostos químicos capazes de reverter o envelhecimento das células humanas. É a primeira vez que o envelhecimento tem uma abordagem química de reprogramação e não genética. Segundo Sinclair, foram mais de três anos de pesquisa para se chegar em seis coquetéis químicos com capacidade de alterar os sinais de envelhecimento. Por enquanto, os resultados foram obtidos apenas em células de laboratório. Apesar de considerar o potencial da descoberta, o cientista observa que ainda há um longo caminho para testes em humanos. 

Tech-diseases: novos tempos, novas doenças? 

Para além da adoção de hábitos saudáveis, há ainda de se considerar novas problemáticas do século 21: os fatores de risco comportamentais e os novos riscos ambientais. Assim como o tabagismo, o sedentarismo e a má alimentação têm impacto em doenças crônicas como as cardiovasculares e diabetes, há ainda outras patologias às quais as pessoas ficarão mais suscetíveis.  

“Ninguém fala hoje em uma previsão de déficit auditivo. Quantas pessoas surdas nós teremos no futuro porque fazem um mau uso do fone de ouvido? Temos ainda vários estudos sobre poluentes. Morar em uma cidade como São Paulo é estar exposto a vários poluentes. Quais as consequências?”, questiona Thais. 

Em janeiro deste ano, uma pesquisa da universidade norte-americana Johns Hopkins, publicada na revista Jama – Journal of the American Medical Association, aponta que quanto maior o grau de perda auditiva, maior é a prevalência de demência (declínio de habilidades como memória, linguagem e raciocínio). Os pesquisadores se debruçaram sobre uma população de 2.413 pacientes com 65 anos ou mais registrados no programa de convênio de saúde Medicare, ligado ao governo, e os resultados chamam a atenção para a perda auditiva como alto fator de risco para o distúrbio em idosos. 

A poluição é considerada hoje o maior risco ambiental mundial com impacto negativo na saúde humana. Em 2017, cientistas do Global Burden of Disease (estudo internacional de mortalidade e incapacitação causada por 107 doenças e 10 fatores de risco e que conta com pesquisadores de mais de 120 países) estimaram que um em cada 20 óbitos no mundo naquele ano estava relacionado à poluição atmosférica. Em 2021, a OMS alertou o planeta com a estimativa de que a poluição do ar pode ser responsável por 7 milhões de mortes prematuras anualmente. 

No livro “História da saúde humana – Vamos viver cada vez mais?” do médico e epidemiologista francês Jean-David Zeitoun, publicado em 2022, o pesquisador reúne estatísticas que redirecionam a longevidade. Pelo menos no Estados Unidos e no Reino Unido, o retrocesso na expectativa de vida já é identificado. A documentação das causas traz aspectos que reaparecem nos diversos cálculos: álcool, uso abusivo de opioides e suicídio. Considerando que esses fatores tenham se agravado com a crise sanitária da Covid-19, o cientista pondera que é bastante possível que as curvas de longevidade sigam em declínio, rompendo a progressão vista até então: “desde 1750, cada geração vive um pouco mais do que a anterior e prepara a seguinte para viver ainda mais tempo”. 

A saúde mental é uma questão de saúde pública mundial e não pode ser invisibilizada. A condição é também um dos sustentadores da “boa velhice”. A doutora em Antropologia Social, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e escritora Mirian Goldenberg pesquisa há mais de 30 anos sobre envelhecimento e felicidade. Desde 2015, ela acompanha um grupo de 30 nonagenários, homens e mulheres com mais de 90 anos e que seguem lúcidos, ativos, com saúde e autonomia. 

Em entrevista à MIT Technology Review Brasil, a antropóloga relata a observação de que questões ligadas à sociabilidade e à saúde mental são elencadas pelos idosos como tão importantes quanto outras. 

“A falta de autonomia é uma morte simbólica. Eles dizem: ‘eu não tenho medo de morrer, mas eu tenho medo de me tornar dependente’. Outra coisa importante para eles viverem bem é a amizade. Eles têm amigos que são fundamentais, então esses chamados superidosos, além de fazerem exercícios, se alimentarem bem, de terem uma rotina de leitura, de música, eles destacam a presença do outro. A maior dificuldade de lidar com a velhice é a finitude. Não a própria morte, e sim a morte das pessoas que nós amamos. É uma questão existencial, que não tem cura”, analisa a antropóloga. 

Mirian contou ainda que ficou maravilhada com a capacidade dos idosos de enfrentarem os tempos difíceis da pandemia e por eles terem criado estratégias para driblar a solidão causada pelo distanciamento imposto: “Tem uma amiga querida de 98 anos que na pandemia começou a fazer um curso de italiano pelo celular. De um lado foi uma tragédia, mas de outro foi emocionante ver a capacidade que os nonagenários tiveram para se adaptar à nova realidade, para aprender e usar novas ferramentas, com grande coragem de enfrentar o mundo”, narra a escritora. 


Este artigo foi produzido por Carolina Abelin, repórter de Saúde da MIT Technology Review Brasil.

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