As vacinas e o avanço da expectativa de vida com qualidade
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As vacinas e o avanço da expectativa de vida com qualidade

Envelhecimento da população pressiona o investimento em prevenção e promoção de saúde, mas especialistas alertam que o Brasil não está preparado para cuidar dos idosos.

“Ministério da Saúde diz que vacinação foi bem-sucedida”. A manchete é da edição do Jornal do Brasil do dia 17 de agosto de 19801. O texto segue relatando que o país alcançou 39% da meta estabelecida para a segunda etapa da “vacinação antipólio” ainda no primeiro dia de campanha, com os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo registrando as maiores adesões. Até crianças uruguaias foram beneficiadas: “cerca de 200 crianças uruguaias acompanhadas dos pais, atravessaram a fronteira para receber doses em Santana do Livramento (RS), a 488 km da capital gaúcha.”

O cenário da reportagem era de um país que sofria com epidemias de poliomielite (paralisia infantil) e que, naquele momento, investia em vacinação em larga escala, assim como em campanhas nacionais para reverter o quadro. Se na década de 1980 a mortalidade infantil brasileira era estimada em 83 para cada 1.000 nascidos vivos (8,3%)2, a última projeção do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2023, é de 12,5 óbitos por mil (1,25%)3.

“Temos muito bem documentado que, depois da água potável, as vacinas são consideradas a segunda justificativa para um aumento de sobrevida da população como um todo”, menciona a infectologista e professora da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Raquel Stucchi, em entrevista à MIT Technology Review Brasil.

Hoje, a expectativa de vida do brasileiro é de 76,4 anos, mas, na década de 1940, não chegava aos 46 anos de idade4. Esse salto foi motivado, em grande parte, pela redução de óbitos por doenças infecciosas preveníveis por vacinas, como também destaca o presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), Marco Túlio Cintra.

“Quando você transforma doenças potencialmente fatais em preveníveis, nós pulamos essa que era uma grande barreira da infância, porque a mortalidade era muito alta. Então, conseguimos romper essa barreira e envelhecer. Claro, tem outros fatores associados, como a diminuição da mortalidade materna, a questão do controle da diarreia, melhoria nas condições de higiene, de saneamento básico, o acesso à saúde, e a vacinação. Tudo isso contribuiu com o envelhecimento”, detalha o geriatra.

Essa mudança, porém, trouxe a necessidade de desenvolvimento de novas estratégias diante do registro de uma consequente transição epidemiológica, definida pela substituição de padrões: de doenças infectocontagiosas para doenças crônicas e não transmissíveis. Dessa maneira, falar sobre longevidade está intrinsecamente relacionado ao controle de doenças crônicas e à promoção de saúde, ações preventivas que possam contribuir para que um indivíduo não apenas viva mais, mas viva com qualidade de vida.

Por que algumas doenças são potencialmente preocupantes para os idosos?

É recorrente que pessoas acima de 60 anos estejam entre os grupos prioritários em muitas campanhas de vacinação, e há um bom motivo para isso, segundo a médica Raquel Stucchi. Não se trata apenas do fato de que essa população tem maior risco de piores desfechos clínicos devido a comorbidades, ou porque uma internação hospitalar pode ter consequências negativas, mas sim de um processo natural de deterioração do organismo.

“As doenças infecciosas, de uma maneira geral, são particularmente graves nos extremos de idade, tanto na criança pequena quanto no idoso. A idade, por si só, diminui a atuação do nosso sistema imune, porque ele tem uma queda na capacidade de resposta. A gente chama esse fenômeno de imunossenescência, ou seja, o envelhecimento do sistema imunológico. Uma gripe que, para quem tem 30 anos, não vai trazer grandes problemas, no idoso pode ser potencialmente grave, porque o sistema imune dele tem dificuldade de eliminar aquele vírus”, explica a infectologista.

Desse ponto de vista, o ditado “é melhor prevenir do que remediar” vai além da sabedoria popular, ganhando cada vez mais respaldo científico. Membro do Núcleo Avançado de Geriatria do Hospital Sírio-Libanês e presidente da Comissão de Vacinação da SBGG, a médica Maisa Kairalla alerta para a necessidade de uma mudança de cultura, sobretudo para melhorar o cuidado com a população idosa.

“É importante pensar em prevenção para tudo: osteoporose, doenças infecciosas, colesterol; estimular bons hábitos e o contato social. São várias frentes que garantem ao idoso uma vida mais longa e com qualidade. Precisamos compreender que uma pneumonia no envelhecimento pode ser extremamente grave, assim como quadros severos de covid, influenza e herpes zóster. Essas doenças podem descompensar condições crônicas e reduzir a expectativa de vida. Hoje, uma vacina pode evitar que um processo inflamatório cause um AVC, por exemplo. Quanto mais protegido for o idoso, maior será sua esperança de vida a cada ano”, ressalta a geriatra.

A extensão do cardápio de vacinas para os idosos ofertada pelo sistema público também é uma questão relevante a ser discutida, destaca Maisa Kairalla. Na avaliação da especialista, ainda faltam vacinas importantes no calendário do Ministério da Saúde.

A opinião é compartilhada pela professora da Unicamp, Raquel Stucchi: “O nosso PNI [Programa Nacional de Imunizações] é um dos melhores, se não o melhor programa público de vacinação do mundo, pela capilaridade e pelo número de vacinas ofertadas. No entanto, se analisarmos a proteção disponível hoje para os idosos, ainda estamos aquém do ideal.”

Para o presidente da SBGG, a oferta limitada no SUS também reflete uma questão de iniquidade em saúde. “Quem tem dinheiro tem acesso a essas vacinas; quem não tem, fica desprotegido”, afirma.

Além disso, o médico ressalta a necessidade de se repensar a análise de custo-efetividade dessas tecnologias. “Ela não pode se basear apenas na presença ou ausência da doença e na hospitalização. Um idoso internado gera um alto custo mesmo após a alta hospitalar, pois pode ficar debilitado por semanas, perdendo massa muscular e óssea, além de apresentar confusão mental. Muitas vezes, ele precisará de reabilitação, e os custos recairão sobre a família, o sistema público de saúde ou os planos de saúde, incluindo gastos com fisioterapia e fonoaudiologia devido a dificuldades de deglutição, por exemplo. Esse paciente tem uma probabilidade muito maior de sofrer novas internações e piora em sua condição de saúde. Todos esses fatores devem ser considerados na análise de custo-efetividade, e não tenho dúvidas de que, se isso fosse feito, ficaria evidente que essas vacinas são altamente custo-efetivas”, avalia Marco Túlio Cintra.

Novas tecnologias, novas vacinas, mais idosos

O futuro não é incerto. A pergunta que se faz é: estamos preparados para ele? Segundo o IBGE, até 2070, a faixa etária de 60 anos ou mais responderá por quase 38% da população brasileira. No mundo, a estimativa da OMS (Organização Mundial da Saúde) é de que, até 2050, o número de habitantes com mais de 60 anos deve chegar a 2 bilhões. O cenário de aumento da população idosa pressiona os sistemas de saúde a investirem em prevenção, ao passo que a ciência evolui, acelerando o desenvolvimento de inovações, novas vacinas e novas plataformas tecnológicas.

“O aumento da sobrevida das pessoas impulsionou o desenvolvimento de vacinas específicas para a terceira idade, porque, a partir do aumento da sobrevida, eu tenho também a ocorrência de doenças específicas da idade do adulto e do idoso”, destaca Raquel Stucchi.

Na avaliação dos especialistas entrevistados pela MIT Technology Review Brasil, o país não está preparado, nem sequer se organizando para essa transição.

“O Brasil ainda não compreendeu a urgência do envelhecimento populacional. Uma população que envelhece e que não recebe cuidado vai custar caro. Isso demanda do governo e da sociedade uma preparação. Precisamos investir em medidas para tornar a população ativa fisicamente, com uma melhor alimentação e um estilo de vida que exija mais da cognição, tudo para que as pessoas vivam mais, mas de forma independente e autônoma. Além, claro, de um diagnóstico precoce e um controle adequado de todas as condições crônicas de saúde. Hoje, nós não cuidamos da nossa população em todos os seus ciclos de vida. Não é dada a oportunidade de envelhecer bem para boa parte da população. Precisamos pensar como um todo para dar oportunidade para a nossa população envelhecer melhor”, argumenta o presidente da SBGG, Marco Túlio Cintra.

Material dirigido ao público em geral. Consulte seu médico.
NP-BR-GVU-JRNA-240010 | JUN/25

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