A Commonwealth Fusion Systems anunciou que conseguiu mais um cliente para sua primeira usina comercial de energia de fusão, na Virgínia, nos Estados Unidos. A Eni, uma das maiores empresas de petróleo e gás do mundo, assinou um contrato bilionário para comprar eletricidade da instalação.
Um pequeno detalhe? Esse reator ainda não existe. Nem o reator menor que a Commonwealth está construindo primeiro, para demonstrar que seu design de tokamak funcionará como planejado.
Este é um momento curioso para a fusão. Investidores estão despejando bilhões no setor para construir usinas, e algumas empresas já estão assinando grandes acordos para comprar energia dessas plantas que ainda não existem. Tudo isso antes que qualquer empresa tenha realmente completado um reator funcional capaz de gerar eletricidade. É preciso dinheiro para desenvolver uma nova tecnologia, mas todo esse investimento pode gerar expectativas distorcidas.
Quase três anos atrás, o projeto National Ignition Facility, do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, alcançou um marco importante para a energia de fusão. Com a ajuda dos lasers mais poderosos do mundo, cientistas aqueceram uma cápsula de combustível a 100 milhões de °C. Os átomos de hidrogênio nesse combustível se fundiram, liberando mais energia do que a que os lasers forneceram. Foi uma virada de jogo para o entusiasmo em torno da fusão. O experimento finalmente mostrou que um reator de fusão pode gerar energia líquida. Modelos teóricos dos físicos de plasma já indicavam que isso seria possível, mas ver isso acontecer na prática foi algo totalmente diferente.
Mas, de certa forma, os resultados não mudaram muito para a fusão comercial. Os lasers usados no experimento consumiram uma quantidade absurda de energia, o sistema era extremamente complexo e tudo durou apenas uma fração de segundo. Para operar uma usina de energia de fusão, não basta gerar energia líquida, é preciso fazer isso de forma relativamente contínua e, o mais importante, de maneira economicamente viável.
Depois das notícias do NIF, as atenções se voltaram para empresas como a Commonwealth, a Helion e a Zap Energy. Quem seria a primeira a demonstrar esse marco em um reator mais viável comercialmente? Ou melhor ainda, quem seria a primeira a colocar uma usina em operação?
Até agora, a resposta é: nenhuma delas.
Para ser justo, muitas empresas de fusão fizeram progressos técnicos. A Commonwealth construiu e testou seus ímãs supercondutores de alta temperatura e publicou pesquisas sobre esse trabalho. A Zap Energy demonstrou três horas de operação contínua em seu sistema de testes, um marco validado pelo Departamento de Energia dos Estados Unidos. A Helion iniciou a construção de sua usina em Washington em julho. (E isso sem mencionar a próspera indústria de fusão financiada com recursos públicos na China.)
Todos esses são marcos importantes, e essas e outras empresas alcançaram muitos mais. Mas, como resumiu Ed Morse, professor de engenharia nuclear em Berkeley: “Eles não têm um reator.”. Ele se referia especificamente à Commonwealth, mas, na verdade, o mesmo vale para as demais.
E, ainda assim, o dinheiro continua a fluir. A Commonwealth arrecadou mais de 800 milhões de dólares em investimentos no início deste ano. E agora já tem dois grandes clientes contratados para comprar eletricidade dessa futura usina.
Por que comprar eletricidade de um reator que, por enquanto, é pouco mais do que uma ideia no papel? Do ponto de vista desses potenciais compradores, tais acordos podem ser uma situação vantajosa para ambos os lados, afirma Adam Stein, diretor de inovação em energia nuclear no Breakthrough Institute.
Ao demonstrar confiança na Commonwealth, a Eni pode ajudar a startup de fusão a obter o capital necessário para realmente construir sua usina. A empresa também investe diretamente na Commonwealth, então se beneficia caso o projeto dê certo. Conseguir boas condições para o capital necessário à construção da planta também pode significar que, no fim, a eletricidade sairá mais barata para a Eni, explica Stein.
No fim das contas, a fusão precisa de muito dinheiro. Se empresas de combustíveis fósseis e gigantes de tecnologia querem fornecê-lo, melhor ainda. Uma preocupação que tenho, no entanto, é como observadores externos estão interpretando esses grandes compromissos.
O secretário de Energia dos EUA, Chris Wright, tem sido um entusiasta declarado da fusão e das expectativas em torno da tecnologia. No início deste mês, ele disse à BBC que, em breve, ela alimentará o mundo.
Ele certamente não é o primeiro a ter grandes sonhos com a fusão, e trata-se de uma tecnologia empolgante. Mas, apesar dos impressionantes marcos financeiros, essa indústria ainda está em pleno desenvolvimento.
E, enquanto Wright elogia a fusão, o governo Trump está cortando o apoio a outras tecnologias energéticas, como a energia eólica e a solar, e espalhando desinformação sobre sua segurança, custo e eficácia.
Para atender à crescente demanda por eletricidade e reduzir as emissões do setor energético, precisaremos de uma ampla variedade de tecnologias. Apostar todas as nossas esperanças em uma tecnologia de energia ainda não comprovada é um risco. e uma distração, quando já existem tantas opções que de fato funcionam.



