Uma prótese pode restaurar a memória de pessoas com danos cerebrais
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Uma prótese pode restaurar a memória de pessoas com danos cerebrais

Aparentemente, eletrodos cerebrais projetados para imitar o hipocampo aumentam a codificação de memórias e são duas vezes mais eficazes em pessoas com memória fraca.

Uma forma única de estimulação cerebral tem o potencial de ajudar as pessoas a se lembrarem de novas informações: imitando a maneira como os nossos cérebros criam memórias.   

A “prótese de memória”, que envolve a inserção de um eletrodo em uma área profunda do cérebro, também se mostrou eficaz em pessoas com distúrbios de memória e, de acordo com uma nova pesquisa, é ainda mais eficiente em pessoas com memória fraca. Segundo os pesquisadores responsáveis pelo trabalho, versões mais avançadas da prótese de memória poderiam, futuramente, ajudar as pessoas com perda de memória devido a lesões cerebrais ou como resultado do envelhecimento ou de doenças degenerativas como a doença de Alzheimer. 

“É um vislumbre do que talvez possamos fazer para restaurar a memória no futuro”, diz Kim Shapiro, neurocientista da Universidade de Birmingham, no Reino Unido, que não participou do estudo. 

A prótese funciona copiando o que acontece no hipocampo, uma região em forma de cavalo-marinho nas profundezas do cérebro, que desempenha um papel crucial na memória. A estrutura cerebral não nos ajuda apenas a formar memórias de curto prazo, mas também parece ser responsável por direcionar memórias para outras regiões onde ocorre o armazenamento de longo prazo. 

Imitando a memória 

Há mais de 10 anos, Theodore Berger e Dong Song, da Universidade do Sul da Califórnia (EUA), vêm desenvolvendo junto dos seus colegas uma forma de imitar este processo. A ideia deles é usar eletrodos cerebrais para entender os padrões de atividade elétrica que acontecem quando as memórias são codificadas e, em seguida, usar esses mesmos eletrodos para disparar padrões semelhantes. 

A equipe testou versões dessa prótese em animais e em alguns voluntários humanos com epilepsia e que já tinham eletrodos implantados nos seus cérebros, a fim de melhor compreender e tratar a sua condição.  

Para descobrir se isso poderia ajudar pessoas com memória fraca, Rob Hampson, neurocientista da Escola de Medicina da Universidade Wake Forest, na Carolina do Norte (EUA), testou com seus colegas duas versões da prótese de memória em 24 pessoas que já possuiam implantes de eletrodos para estudar episódios de epilepsia, sendo que algumas delas também tinham lesões cerebrais. 

A primeira versão, que a equipe chama de Modelo de Decodificação de Memória (MDM), imita os padrões de atividade elétrica que ocorrem naturalmente no hipocampo quando cada voluntário consegue formar memórias. O modelo MDM calcula uma média desses padrões para cada indivíduo e, em seguida, dispara esse padrão de estimulação elétrica. 

O segundo modelo, chamado Multi-Input, Multi-Output (ou MIMO), imita mais de perto o funcionamento do hipocampo. Em um hipocampo saudável, a atividade elétrica flui de uma camada para outra antes de se espalhar para outras regiões do cérebro. O modelo MIMO aprende os padrões de entradas e saídas elétricas que correspondem à codificação da memória, para, em seguida, imitá-los. 

Cérebros únicos 

Para testar o funcionamento de cada um dos modelos, Hampson e seus colegas pediram aos voluntários que fizessem testes de memória. Nos testes, uma tela de computador mostrava uma imagem para cada pessoa. Após um atraso, a mesma imagem era apresentada novamente, acompanhada de outras. A pessoa tinha que escolher qual era a imagem que já havia sido mostrada. Cada voluntário completou cerca de 100 a 150 dessas tarefas curtas, que são projetadas para testar a memória de curto prazo. 

Entre 15 e 90 minutos depois, cada pessoa foi submetida a um segundo teste onde viam um conjunto de três imagens e deviam escolher qual era mais familiar. Esse teste indica a memória de longo prazo. 

Os voluntários fizeram ambas as rodadas de testes de memória duas vezes: uma para gravar o hipocampo sozinho, e outra para estimular os padrões anteriormente registrados, associados com memórias armazenadas corretamente. Segundo Hampson, as gravações foram únicas: “Até agora tem sido diferente para cada pessoa”. 

A equipe descobriu que sua prótese melhorou o desempenho dos voluntários nos testes de memória: suas pontuações eram significativamente maiores se eles tivessem recebido o padrão correto de estimulação ao ver as imagens pela primeira vez. De acordo com os pesquisadores, isso sugere que a prótese de memória pode ajudar a codificar memórias no cérebro. Segundo Hampson, “Estamos vendo melhorias que variam de 11% a 54%”. 

Personalizar a estimulação cerebral desta forma é “uma coisa realmente importante a fazer”, diz Josh Jacobs, da Universidade de Columbia (EUA), que também estuda gravações cerebrais de pessoas com epilepsia, mas que não esteve envolvido nesse estudo. Até o momento, médicos e cientistas obtiveram certo sucesso no tratamento de doenças como o mal de Parkinson simplesmente focando em uma mesma região do cérebro em todos os indivíduos.  

“Entretanto, os indivíduos têm respostas cerebrais bastante diferentes”, diz Jacobs. Ele acredita que personalizar a estimulação para cada cérebro provavelmente melhorará seu impacto. 

Em média, o modelo MIMO, que imita com maior precisão o funcionamento do hipocampo, teve resultados ainda melhores. E as maiores melhorias foram observadas em pessoas que tiveram o pior desempenho de memória no início do experimento. Segundo Hampson, os pesquisadores ainda não sabem ao certo por que isso acontece, mas pode ser porque há “mais espaço para melhorias”.  

Todos os voluntários tiveram seus eletrodos removidos dentro de algumas semanas, após seus médicos concluírem as investigações sobre sua epilepsia. Porém, Song espera que as melhorias em suas memórias sejam duradouras. Em teoria, a estimulação que cada pessoa recebeu pode ter reforçado a ligação dos neurônios no hipocampo. Ele diz que: “não sabemos ao certo, mas esperamos que sim”. 

Restaurando a memória 

Um dia, Song, Hampson e seus colegas, que publicaram suas descobertas na revista Frontiers in Human Neuroscience em julho, esperam que sua prótese possa ser amplamente usada para restaurar a memória em pessoas com distúrbios de memória. 

De acordo com Song, “Pacientes com lesões cerebrais seriam os primeiros [candidatos]”. Tais lesões tendem a afetar regiões específicas do cérebro. Lesões no hipocampo seriam mais fáceis de atingir do que doenças degenerativas como a doença de Alzheimer, que tendem a comprometer muitas regiões do cérebro. 

Segundo Jacobs, “Me parece possível que um dia possamos substituir um hipocampo por outra coisa”. Todavia, ele ressalta que será difícil replicar completamente um hipocampo saudável porque a estrutura contém dezenas de milhões de neurônios. Ele afirma que “É um pouco difícil imaginar como um punhado de eletrodos poderia substituir os milhões de neurônios no hipocampo”. 

CENTRO MÉDICO WAKE FOREST

Os eletrodos utilizados no estudo têm cerca de um milímetro de largura e foram implantados profundamente no cérebro dos voluntários para atingir o hipocampo — cerca de 10 centímetros de profundidade. De acordo com Song, eles são bem rudimentares para os padrões de pesquisa modernos e só são capazes de gravar entre 40 e 100 neurônios. Ele afirma que qualquer prótese projetada para tratar distúrbios de memória precisará de eletrodos cerebrais com centenas de pontos de contato, permitindo que eles registrem e estimulem centenas ou milhares de neurônios. 

Hampson, Song e seus colegas ainda não descobriram como a prótese de memória pode funcionar na prática. Pode não ser necessário que o dispositivo funcione o tempo todo já que há muitas experiências de vida, como tirar o lixo, por exemplo, que as pessoas com distúrbios de memória não precisam lembrar. “Por que desperdiçar espaço [do cérebro]?” diz Jacobs. 

Song acredita que a prótese pode ser usada junto com algum tipo de dispositivo capaz de informar se é necessário ele estar funcionando ou não, talvez detectando quando o cérebro precisa estar pronto para aprender. 

E ele ainda não sabe se uma prótese de memória deve funcionar durante à noite. Acredita-se que, quando dormimos, o hipocampo reproduz algumas das memórias codificadas durante o dia, a fim de consolidá-las em outras regiões do cérebro. Song e seus colegas não sabem se uma prótese que replique essa repetição melhoraria a memória, ou se é uma boa ideia estimular o hipocampo durante o sono. 

De qualquer forma, Shapiro diz que a prótese ainda está longe do uso clínico. “Acho que, em teoria, poderia funcionar”, diz ele. “[Mas] temos um longo caminho a percorrer antes de entender o suficiente sobre a memória para poder usar esse tipo de abordagem que substitui a função do hipocampo.” 

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