Uma discreta tentativa de enterrar madeira para auxiliar a remoção de carbono da atmosfera arrecada milhões
Natureza e espaço

Uma discreta tentativa de enterrar madeira para auxiliar a remoção de carbono da atmosfera arrecada milhões

A empresa Kodama angariou mais de US$ 6 milhões do fundo climático de Bill Gates e de outros investidores. A startup também busca novas maneiras de reduzir os riscos de incêndios florestais e aprisionar o carbono coletado das árvores cortadas.

Uma startup da Califórnia (EUA) está atrás da execução de um plano inovador, embora simples, para garantir que as árvores mortas mantenham o dióxido de carbono fora da atmosfera por milhares de anos: enterrar seus restos embaixo da terra. 

A Kodama Systems, uma empresa de gerenciamento florestal com sede na cidade de Sonora, no sopé da cordilheira de Sierra Nevada (EUA), opera de modo discreto desde que foi fundada em meados de 2021. Mas a MIT Technology Review americana conseguiu informações de que a empresa arrecadou cerca de US$ 6,6 milhões do fundo climático de Bill Gates, o Breakthrough Energy Ventures, bem como da Congruent Ventures e outros investidores. 

Além disso, a Stripe, uma empresa de gerenciamento de pagamentos online, revelou em meados de dezembro que forneceu uma bolsa de pesquisa de US$ 250.000 para a Kodama e seu parceiro de pesquisa, o Yale Carbon Containment Lab, como parte de uma iniciativa mais abrangente para ações focadas em remoção de carbono. Esse subsídio visa apoiar uma tentativa teste para enterrar a biomassa residual colhida das florestas da Califórnia no deserto de Nevada e estudar o quão bem essa técnica evita a liberação de gases de efeito estufa que impulsionam as mudanças climáticas. 

A empresa investidora também concordou em pagar US$ 250.000 por cerca de 415 toneladas de dióxido de carbono que seriam eventualmente capturados pela Kodama, se o projeto piloto atingir suas metas. 

“O enterro de biomassa tem o potencial de se tornar um método de baixo custo e alta escala para remoção de carbono, embora haja necessidade de mais investigações sobre sua usabilidade a longo prazo”, disse Joanna Klitzke, líder de estratégia de aquisição e ecossistema da Stripe. 

Nos últimos anos, em uma iniciativa para ajudar a construir uma indústria de remoção de carbono eficaz, a Stripe fez uma pré-aquisição de toneladas de dióxido de carbono que as startups pretendem extrair do ar eventualmente e capturar de forma permanente. Ela também ajudou a estabelecer um modelo diferente de neutralização das emissões de carbono geradas pelo setor corporativo para compensá-las e que vai além da simples compra de créditos de carbono de projetos populares como aqueles que envolvem o plantio de árvores e que estão sob crescente inspeção. 

Um punhado de grupos de pesquisa e startups começaram a explorar o potencial de confinar o carbono dentro da madeira, enterrando ou armazenando restos de árvores de maneira a retardar sua decomposição. 

As árvores são naturalmente eficientes em sugar grandes quantidades de dióxido de carbono do ar, mas ao morrerem, acabam por liberar novamente o carbono e apodrecem no solo. Capturar o carbono em árvores colocadas debaixo da terra pode evitar isso. Se o enterro de biomassa funcionar tão bem quanto o esperado, essa pode ser uma maneira relativamente barata e fácil de reduzir parte dos bilhões de toneladas de gases de efeito estufa que, segundo estudos, podem precisar ser removidos para manter as temperaturas globais sob controle nas próximas décadas. 

Mas até que isso seja feito em larga escala e estudado de perto, ainda resta saber quanto custará, quanto carbono poderá ser armazenado e por quanto tempo e com segurança os gases de efeito estufa poderão ser mantidos fora da atmosfera. 

Madeira morta 

Especialistas florestais há muito alertam que décadas de políticas excessivamente agressivas de combate a incêndios nos EUA resultaram em densas e enormes florestas que aumentam significativamente o risco de grandes conflagrações quando incêndios florestais inevitavelmente ocorrem. A mudança climática exacerbou esses perigos ao criar condições mais quentes e secas. 

Após incêndios devastadores no oeste americano ao longo de muitos anos, vários estados estão financiando cada vez mais iniciativas para eliminar diversos riscos de incêndio florestais e reduzir esses perigos. Isso inclui remover a vegetação rasteira, cortar árvores ou fazer uso de queimadas controladas para limpar a paisagem e evitar que os incêndios atinjam as copas das florestas. 

À medida que as mudanças climáticas se aceleram nos próximos anos, espera-se que os estados produzam cada vez mais resíduos florestais com essas iniciativas, diz Justin Freiberg, diretor geral do Yale Carbon Containment Lab, que vem conduzindo testes em campo e explorando uma série de abordagens de “contenção de carbono na madeira” sob diferentes condições ao longo de muitos anos. 

Mas hoje, geralmente as plantas e árvores colhidas são empilhadas em áreas desmatadas e depois deixadas para apodrecer ou deliberadamente queimadas. Isso faz com que o carbono armazenado nelas simplesmente retorne à atmosfera, ajudando a aumentar as temperaturas do aquecimento global. 

A Kodama espera resolver tanto os perigos dos incêndios florestais quanto o desafio relacionado às emissões. A empresa diz que está desenvolvendo formas automatizadas de desbaste de florestas muito densas que tornarão o processo mais barato e rápido (embora ainda não fale em detalhes sobre essa parte do negócio). Depois de arrancar os galhos de árvores pequenas demais para serem vendidas como madeira, os materiais restantes serão carregados em caminhões e despachados para um fosso especialmente construído para o processo. 

Pequenas toras e outras biomassas coletadas pela Kodama. KODAMA SYSTEMS

O essencial será garantir que o “cofre de madeira”, como a empresa chama, evite o escapamento de gases de efeito estufa da madeira e impeça a entrada de oxigênio e água no fosso, o que aceleraria a decomposição da madeira. 

No trabalho de campo com os pesquisadores de Yale, previsto para começar no terceiro trimestre deste ano, a empresa pretende criar uma espécie de túmulo no deserto de Nevada com quase 6,4 metros de altura, aproximadamente 2,7 metros de profundidade e chegando a 53 metros de comprimento e largura. 

Eles planejam cobrir a biomassa com um revestimento geotêxtil e depois enterrá-la sob o solo e sob uma camada de vegetação nativa selecionada para absorver a umidade. De acordo com Jimmy Voorhis, diretor de aproveitamento e política de biomassa da Kodama, graças às condições secas da região, isso criará um sistema de confinamento que irá evitar que “agentes de decomposição atuem na massa de madeira enterrada”, garantindo que o carbono permaneça no local por milhares de anos. 

Freiberg acrescenta que eles também deixarão a madeira exposta no local e criarão cofres menores ao lado, projetados de diferentes maneiras. As equipes continuarão a monitorá-los e comparar as taxas de decomposição e qualquer escapamento de gás de efeito estufa ao longo dos anos. As equipes esperam poder ultrapassar as estimativas de armazenamento de carbono de longo prazo a partir desses dados, juntamente a outros estudos e experimentos. 

Custos de enterro 

Outras startups e iniciativas de pesquisa estão adotando abordagens diferentes para o problema. 

A empresa australiana InterEarth acredita que permitir que as árvores absorvam as águas subterrâneas salgadas antes de enterrá-las efetivamente conservará a madeira, preservando-a por longos períodos. 

A Carbon Lockdown Project, uma corporação de benefícios públicos fundada pelo professor Ning Zeng da Universidade de Maryland (EUA), propôs a criação de poços revestidos com argila ou outros materiais com baixa permeabilidade. 

Em um artigo publicado em 2022, Zeng e um colaborador também destacaram uma série de outras potenciais abordagens, incluindo o armazenamento de biomassa em locais congelados, debaixo d’água ou mesmo em abrigos acima do solo. Seu trabalho anterior mostrou que coletar e armazenar madeira poderia potencialmente remover da atmosfera vários bilhões de toneladas de dióxido de carbono por ano a um custo bem abaixo de US$ 100 por tonelada. 

Mas ainda há muitas incógnitas.  

“Temos que reconhecer que a ciência da coleta e armazenamento de madeira ainda está se desenvolvendo”, diz Daniel Sanchez, cientista-chefe para remoção e armazenamento de carbono de biomassa da Carbon Direct, que avalia trabalhos de remoção de carbono e planos corporativos sobre o clima. “Acima de tudo, nossa compreensão do que impulsiona ou não a decomposição da madeira precisa ser aprimorada”. 

Além disso, os moradores e grupos ambientais muitas vezes se opõem ao desbaste da floresta. Serrar árvores e removê-las das encostas íngremes de florestas densas é um processo trabalhoso e caro que será difícil de automatizar de forma eficaz. Transportar restos de árvores volumosas e cavar grandes buracos também é algo caro e requer muitos gastos de eletricidade e combustível. 

As emissões de gases produzidas pela remoção, transporte e enterro da madeira precisarão ser cuidadosamente calculadas e consideradas em relação ao carbono total armazenado. 

KODAMA SYSTEMS

Finalmente, há a questão de adquirir a biomassa residual necessária. 

Um estudo de 2020 do Laboratório Nacional Lawrence Livermore encontrou matéria em abundância para esses tipos de propósito, estimando que 56 milhões de toneladas “secas” de resíduos de biomassa são produzidas a cada ano apenas na Califórnia, provenientes da agricultura, extração de madeira, prevenção de incêndios e outras atividades (A madeira tem cerca de 50% de carbono em sua massa). 

Mas as demandas por ela devem aumentar à medida que o mundo corre para alcançar suas metas climáticas ambiciosas e startups como Kodama, Mote Hydrogen e Charm buscam essas fontes para várias medidas de remoção de carbono relacionados à biomassa. 

Existem alguns riscos de que, eventualmente, todas essas iniciativas possam criar incentivos distorcidos para remover mais árvores ou material agrícola do que o necessário para a prevenção de incêndios ou mais do que seria considerado saudável para os ecossistemas. Afinal, a remoção da biomassa também reduz os níveis de nutrientes que as florestas e fazendas obtêm das plantas em decomposição. 

A Kodama diz que fez avaliações econômicas e de carbono para todo o processo. Ela está confiante de que pode atingir custos abaixo de US$ 100 por tonelada de carbono e estima que as emissões do projeto em fase de teste apenas reduzirão a quantidade líquida de carbono capturado em cerca de 15%. 

Merritt Jenkins, cofundador e CEO da empresa, diz que planeja gerar receita com seu trabalho de desbaste florestal, assim como com a venda de madeira utilizável e créditos de carbono de seus projetos de enterro. 

Mas Freiberg, da Univerisdade Yale (EUA), enfatiza que a missão crucial do momento é usar esse subsídio da Stripe para ajudar a responder a essas “grandes questões científicas sobre enterro de biomassa… e demonstrar que essa é realmente uma solução que vale a pena apoiar”. 

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