Transformação digital se torna mais relevante (e complexa)
Inovação

Transformação digital se torna mais relevante (e complexa)

A aceleração na pandemia trouxe novos desafios, evidenciou melhores práticas e ampliou a diferença entre empresas líderes e retardatárias no processo. Conheça os case de cinco empresas brasileiras

As restrições geradas pela pandemia foram um forte catalisador da transformação digital. No Brasil, o avanço foi equivalente ao esperado para um período de quatro anos, segundo a 33a edição da Pesquisa Anual sobre o Mercado Brasileiro de TI e Uso nas Empresas, da FGV EAESP. Globalmente, nove entre dez empresas desenvolveram algum grande projeto na área nos últimos dois anos, diz outro estudo recente, da McKinsey. A aceleração do processo, porém, tornou os desafios mais complexos e ajudou a separar iniciativas bem e mal sucedidas na área. 

A principal mudança, de acordo com o estudo da consultoria americana,  é que, agora, as empresas precisam tomar decisões de negócios mais acuradas e com maior velocidade, em áreas nas quais frequentemente não têm experiência, ou envolvendo novas tecnologias. Com isso, é comum que os resultados fiquem aquém dos esperados inicialmente. De acordo com a McKinsey, na média, as empresas capturam apenas 31% do projetado em receita com os investimentos em transformação digital. 

 Há, no entanto, diferenças fundamentais entre as empresas mais bem sucedidas e as menos bem sucedidas no processo. O aumento da receita nas mais bem sucedidas foi superior a 50% do total esperado. E os ganhos com redução de custos superaram os 40%, 15 pontos percentuais acima dos 25% alcançados na média total das empresas. 

Entre o que separa as mais bem sucedidas das demais estão uma série de práticas elencadas no estudo. A começar pela priorização do uso das tecnologias digitais e a ambição dos projetos. Os melhores resultados foram alcançados em projetos com foco no desenvolvimento de novos produtos e serviços e de relacionamento com os clientes, e não na busca por eficiência de custos. Estratégias de ganhos incrementais tiveram resultados piores que outras, mais ousadas, diz o estudo. 

 Outros pontos de diferenciação entre as empresas foram a aposta na construção de ativos próprios, como dados, algoritmos de inteligência artificial e softwares, e a capacidade de atrair executivos experientes em tecnologia para coordenar e integrar os talentos técnicos das equipes. 

Na prática 

No Brasil, há uma série de exemplos de empresas em que é possível identificar os padrões apontados pela McKinsey, em diferentes áreas. Ainda que algumas estejam mais adiantadas que outras, casos de uso de novas tecnologias digitais para diferenciação dos concorrentes no atendimento aos clientes e geração de produtos e serviços inovadores são cada vez mais comuns. Em muitos casos, com a aceleração do processo a partir da contratação de executivos experientes na área. 

Foi o que aconteceu na Volkswagen Financial Services após a chegada, há pouco mais de seis meses, de Willians Monteiro, para o cargo de head de tecnologia para as frentes de growth e change the bank. Com experiência de 20 anos na indústria de tecnologia, o executivo recebeu a tarefa de pensar o futuro e coordenar os esforços da instituição com foco em entregas mais digitais, alinhadas à políticas ESG, para que os objetivos de médio e longo prazo estabelecidos possam ser atingidos.  

Segundo Monteiro, o banco já tinha iniciativas de transformação digital, principalmente de digitalização do negócio e de ganhos de eficiência. Mas, com a quarta revolução industrial, a convergência de tecnologias e a criação de ecossistemas ganharam importância, diz. “Agora, o nosso grande movimento é de transformação para um banco aberto, que tem seus serviços e pode figurar também como bank as a service. Vamos explorar tudo que temos para que os parceiros possam gerar negócios”. 

Na prática, isso significa criar produtos e serviços que possam ser usados por outras montadoras e empresas do universo da modalidade. Um exemplo é a plataforma white label desenvolvida para que qualquer   concessionária possa colocar a própria marca e vender o estoque online, com o crédito do banco da Volks aprovado de forma simplificada. Outro, é a “assinatura” de caminhões, anunciada recentemente, em parceria com concessionárias da marca, que inclui a opção de compra de serviços agregados, como gestão de documentos, multas e seguros.   

“Nossa estratégia é pautada em prover musculatura financeira para que todo esse ecossistema possa se beneficiar em produtos, processos e tecnologia”, afirma Monteiro. “O que estamos fazendo agora é dar um boosting nesse plano de transformação, revisitando todas as jornadas do cliente, para que ele possa ser atendido como que ser atendido”. 

Inovação aberta 

A aceleração do processo de transformação digital também tem sido um importante vetor de inovação na Furukawa Electric. Em seus esforços de reinvenção, a gigante japonesa de cabos de fibra-ótica e equipamentos para telecom criou um programa de inovação aberta, liderado pela matriz, que vem servindo para a criação de novos produtos e serviços.

No Brasil, um dos primeiros projetos na área é o de uma solução de SaaS, combinada com internet das coisas, desenvolvida em parceria com um instituto de pesquisas. Segundo Nelson Saito, fellow local para inovação aberta e novos negócios da Furukawa, entre as opções oferecidas aos clientes, há uma que inclui o monitoramento de redes de fibra óptica. Para evitar roubos, a empresa instala sensores nas caixas de acesso aos cabos, que avisam uma central quando são abertas. “São coisas diferentes, dentro desse contexto, que empresas como a nossa, no passado, nem pensariam em ofertar no mercado”, diz o executivo. 

Manutenção da relevância 

Em alguns casos, a demanda por mudanças parte dos próprios clientes, cada vez mais acostumados com a experiência digital com aplicativos de startups e produtos oferecidos por empresas de ponta do setor de tecnologia, como Apple, Google, Amazon, Uber e Byte Dance. 

“Quando cheguei, há cerca de cinco anos, a empresa era super bem estabelecida, com uma marca respeitada e um carteira de clientes longeva. Mas estava sendo provocada pelos clientes a se modernizar”, conta Fabiano Droguetti, diretor de operações e tecnologia da CSU, de soluções tecnológicas para a indústria financeira. “Tivemos que entender a demanda desse novo consumidor para nos adequarmos internamente, estrutural e processualmente, em um período de desregulamentação do setor e de forte promoção da concorrência pelo Banco Central”.  

Ao ouvir os clientes, Droguetti conta que a companhia percebeu a necessidade de alterar as tecnologias e os processos usados, para ter maior fluidez na operação, no desenvolvimento de produtos e nos serviços vendidos ao mercado. “O mercado antes aceitava projetos de um ou dois anos. Hoje, já não aceita projetos de seis meses. Evoluímos em infraestrutura, em plataforma de softwares. Passamos a usar extensivamente cloud, APIs, novas arquiteturas de sistemas”, afirma. 

Além de opções mais gerais, como a possibilidade de pagamento com PIX e carteiras digitais, a CSU lançou recentemente, através de parcerias, um produto que permite o pagamento de faturas de cartão de crédito com criptomoedas, afirma o executivo, para quem investir no relacionamento mais aberto com o mercado, trazendo serviços de terceiros para soluções próprias, será fundamental no novo cenário. 

 “Começamos um pouco tarde, acertamos o passo e hoje estamos na vanguarda, começando a levar para os clientes provocações que podem se tornar demandas”, afirma Droguetti. “Estamos oferecendo coisas que os clientes nem sabem ainda que vão precisar, mas que já estão despontando como tendências lá fora e serão também no Brasil”. 

Dependência digital 

Como mostra o estudo da McKinsey, o desenvolvimento de ferramentas próprias no processo de transformação digital pode garantir ganhos de competitividade às empresas e aumentar a distância que têm de rivais menos preparados, ou que fazem uso de ferramentas de prateleira.  

Uma das empresas que tem apostado fortemente nessa estratégia é a BRF. A companhia começou a estruturar sua jornada de transformação digital, de forma consistente, em 2019, e aproveitou a pandemia para acelerar o processo, conta Antônio Carlos Cesco, diretor de tecnologia e digital BRF. Desde então, segundo ele, a BRF já concluiu 80 iniciativas na área e deu início a outras 50, que hoje estão em andamento. 

Entre as prioridades estratégicas no processo de transformação digital está o desenvolvimento da jornada de commodities 4.0, diz o executivo. Trata-se da digitalização de todo o processo de aquisição de grãos. Hoje, conta Cesco, a companhia já mapeia via satélite todas as suas plantações e sabe com antecedência se vai haver ou não quebra de safra. A informação, enviada a um repositório de dados, que inclui também dados de mercado, permite à BRF identificar o melhor momento para a compra de milho, principal insumo da ração animal, afirma o executivo. A ferramenta antecipa preços com um horizonte de 24 meses. 

Outra iniciativa digital que permite à companhia ter maior visibilidade em tempo real sobre sua cadeia produtiva é um aplicativo, usado por cerca de 9 mil produtores integrados. Através dele, diz Cesco, a companhia monitora o crescimento de todos os seus lotes de animais no campo. A partir dos dados, são gerados modelos analíticos que permitem identificar o melhor momento para trazer os animais para o abate. O timing é importante porque o frango mais valorizado no mercado internacional tem cerca de 900 gramas. “A maior assertividade nos garante um produto de maior valor agregado”, afirma o executivo. 

A importância estratégica das ferramentas digitais preditivas para a BRF pode ser avaliada, em certa medida, pela equipe de cientistas de dados contratados pela companhia. São cerca de 20 profissionais, segundo Cesco, que eventualmente ainda recebem apoio de parcerias externas. “Achamos importante ter parte dessa inteligência dentro de casa”, diz. 

Transformação com ambição  

Para quem está começando o processo, o estudo da McKinsey sugere  que ambição é importante. De acordo com a consultoria americana, as  empresas de maior sucesso na transformação digital costumam investir uma parcela do orçamento de TI quase duas vezes maior que seus pares na construção de novos negócios digitais. E ter uma expectativa de que sejam fonte de uma fatia mais importante do negócio no futuro.    

Na Atlas Renewable Energy a transformação digital veio com uma evolução  no modelo de negócio. Por isso, André Aquino, gerente corporativo de TI, nem gosta de chamar de transformação digital. Prefere falar em evolução digital. “A transformação será gradativa, seguindo uma priorização alinhada com a liderança da empresa. Já os novos projetos nascem digitais”, diz.  

Fundada há cinco anos, a empresa dedicava-se originalmente à geração e comercialização de energia solar. Mais recentemente, no entanto, iniciou uma fase de forte expansão, e passou a visar também outros nichos do mercado de energia renovável, como o de energia eólica.  

“Devido ao crescimento previsto pela companhia, identificamos a necessidade de ajustar processos para ganhar eficiência. Daí a necessidade de criação do Digital Office, que veio das próprias áreas de negócios”, diz o executivo, contratado há cerca de cinco meses, vindo do setor de transmissão de energia. 

Agora, conta, a companhia está deixando para trás a visão tradicional de TI, como suporte, e abraçando a ideia de que a TI tem que estar ligada ao negócio, gerando valor para o cliente. “Este é meu desafio”, afirma.   

Nestes primeiros meses de trabalho, conta Aquino, seu trabalho foi de muitas conversas com a equipe e clientes. A partir desse processo de escuta, foram identificados e selecionados 60 projetos relacionados à transformação digital. “Nossa meta é fazer com que a empresa trabalhe cada vez mais ágil e eficiente, para suportar a previsão de crescimento”, diz. 

Considerando os achados recentes da McKinsey, está no rumo certo. 

 

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