Teste genômico desmistifica via única para tratar o câncer de mama
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Teste genômico desmistifica via única para tratar o câncer de mama

Ensaios clínicos robustos validam a tecnologia, guiando a conduta médica e garantindo uma jornada personalizada e mais efetiva para pacientes

Por definição, ciência é o “corpo de conhecimentos sistematizados adquiridos via observação, identificação, pesquisa e explicação de determinadas categorias de fenômenos e fatos, e formulados metódica e racionalmente” . A inovação é um dos pilares do mundo científico e do desenvolvimento das sociedades, e garantir a validação de novas tecnologias, com evidências e dados, é não só uma estratégia importante, como necessária.

Vamos supor a seguinte situação: você tem em mãos um diagnóstico para o qual imagina a abordagem e a jornada do cuidado. “É câncer”, diz o médico. Então, imediatamente, na sua cabeça, vem a sequência: cirurgia e quimioterapia. Ocorre que o médico te apresenta uma alternativa que você nunca tinha ouvido falar antes: um teste genômico que pode ser feito no tumor para determinar se a quimioterapia pode trazer benefício no seu caso. Mas ele não está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), tampouco é coberto pelos planos de saúde. Ou seja, atualmente, a paciente que optar por fazê-lo precisa arcar com o custo.

Foi o que aconteceu com Marianthi Boutsiavaras, empresária de 59 anos, diagnosticada com câncer de mama no início deste ano. Quando recebeu a confirmação da doença, ela acreditava que só havia um caminho possível para o tratamento e que ele passava, obrigatoriamente, pela quimioterapia. “Para mim, era uma linha única para todo mundo. Hoje eu entendo que não”, lembra.

Foi após a cirurgia para a retirada do tumor, em uma consulta com a sua oncologista, que a paciente ouviu falar pela primeira vez em teste molecular para determinar a melhor sequência de terapias. “Eu fui encaminhada para a oncogenética e não sabia que isso existia. Já foi uma revolução. E depois, quando a médica me propôs o teste, eu pensei muito, mas aquilo ficou martelando na minha cabeça. Eu tinha guardado um dinheiro que seria para a minha velhice e pensei que seria o melhor momento para usá-lo”.

Desde então, a jornada de enfretamento da doença para Marianthi foi personalizada para o caso dela. A quimioterapia como tratamento adjuvante foi dispensada e ela segue com terapias menos tóxicas e tão eficazes e assertivas quanto, porque hoje a ciência tem a capacidade de identificar o tumor, entender a probabilidade de recorrência de um câncer e munir o profissional da saúde com dados concretos para a tomada de decisão sobre o melhor caminho a seguir em cada caso.

Uma decisão em números

O teste feito por Marianthi se chama Oncotype DX Breast Recurrence Score®. Ele avalia a expressão de 21 genes associados à recorrência do câncer de mama ao tratamento pós-operatório mais adequado e eficaz, ou seja, consegue identificar se a terapia hormonal isolada é não-inferior à terapia hormonal associada à quimioterapia . A análise é feita em um tecido tumoral fixado e embebido em parafina usando reação em cadeia da polimerase via transcriptase reversa de alto rendimento em tempo real – de forma simplificada, uma técnica que transforma o RNA das células em DNA e, depois, amplifica esse material para medir a atividade dos genes em tempo real, permitindo identificar quais genes estão mais ou menos ativos no tumor. A partir disso, um resultado Recurrence Score® é calculado para cada amostra tumoral.

O score vai de zero a 100, sendo que “quanto mais baixo for o resultado menor será a probabilidade de a quimioterapia reduzir o risco de retorno do câncer e quanto mais alto o resultado, maior a probabilidade de a quimioterapia reduzir o risco de retorno do câncer. Um resultado alto, geralmente igual a 26 ou mais, significa que a quimioterapia, em adição à terapia hormonal, provavelmente reduzirá o risco de recorrência” .

O teste é indicado para pacientes com câncer de mama em estágio inicial, receptor hormonal (RH)-positivo, e que seja negativo para receptor 2 do Fator de Crescimento Epidérmico Humano (HER2).

“Por ser o câncer de mama mais frequente, 65% a 70% vão ter esse tipo. E nessa situação a gente normalmente começa com cirurgia e depois avalia a necessidade eventual de uma quimioterapia, geralmente analisando os dados clínicos, os resultados de anatomia patológica e a imunohistoquímica, para poder estratificar em risco maior ou menor. A gente já sabe que, quanto mais agressivo for um tumor, maior o benefício com quimioterapia. O difícil é saber em quem esse tumor é mais agressivo. Muitas das pacientes com risco mais baixo, em que fazemos quimioterapia adjuvante por via das dúvidas, realmente não precisam. Foi o que o estudo TAILORx mostrou”, explica o mastologista André Mattar.

TAILORx é o nome do principal estudo clínico que atesta os benefícios do teste Oncotype DX®: um estudo clínico de fase 3, iniciado em 2006, e que incluiu 10.273 mulheres de seis países na América, Europa e Oceania. De acordo com os dados publicados, cinco anos após o tratamento, a taxa de sobrevida livre de doença foi de 92,8% para pacientes que receberam apenas terapia hormonal e 93,1% para aquelas que também receberam quimioterapia. Nove anos após o tratamento, a taxa foi de 83,3% para aquelas que receberam apenas terapia hormonal e 84,3% para o grupo que recebeu ambas as terapias, de forma que a principal conclusão que o TAILORx traz é que a quimioterapia pode ser evitada em cerca de 70% das mulheres com câncer de mama hormonal, HER2-negativo e linfonodo negativo, sugerindo que a quimioterapia pode ser considerada para os 30% restantes de mulheres .

Contudo, o médico lembra que os achados desse estudo são mais específicos para pacientes que já passaram pela menopausa.

“As pacientes que têm o resultado até 25 não têm qualquer benefício em fazer quimioterapia adjuvante. As pacientes com score de 26 ou mais têm benefício. Esse parâmetro é válido para pacientes acima de 50 anos. Para as pacientes que estão na pré-menopausa, o TAILORx não traz evidências tão robustas. Com score até 12 temos certeza, acima de 16 começa a ter um benefício e esse benefício vai aumentando conforme o número. Então, se é uma paciente muito jovem, vou precisar discutir, quando o score for acima de 16, se eu faço quimio ou não; se é uma paciente acima de 50 anos, eu só vou ter esse problema acima de 26”, detalha o mastologista.

O estudo que investigou o benefício da quimioterapia em relação ao aumento da sobrevida livre de doença diferindo de acordo com o estado da menopausa foi o RxPONDER: um estudo clínico de fase 3, que começou em 2011, com 5.083 mulheres (33,2% na pré-menopausa e 66,8% na pós-menopausa) submetidas à randomização, sendo que 5.018 participaram do estudo conduzido em 632 centros de nove países .

“Esse segundo estudo avaliou as pacientes com linfonodo axilar comprometido. Os pesquisadores pegaram todas as pacientes que tinham resultado abaixo de 26 e randomizaram para fazer ou não quimioterapia. O resultado mostrou que as pacientes na pós-menopausa que tinham até 1 ou 3 linfonodos comprometidos não tinham qualquer benefício em fazer quimioterapia adjuvante se tivessem score 25 ou menos. Contudo, para as pacientes na pré-menopausa, eles viram que há benefício. Hoje, nós tiramos muitas pacientes da quimioterapia desnecessária com esses testes, porque o linfonodo axilar é sempre um fator de mau prognóstico quando está positivo. Nessa situação, a maior parte dos colegas vai querer tratar com quimioterapia e, hoje, se a gente faz o teste e ele dá abaixo de 25, a paciente sai da quimioterapia. Isso nos ajuda muito”, explica.

Mudança de conduta, uma nova jornada

Marianthi recebeu o resultado: um resultado Recurrence Score® de 17. Isso significa que, no caso dela, o teste indicou uma chance de recorrência de 5% no período de 9 anos, e a quimioterapia traria um benefício inferior a 1%.

“Quando veio a notícia de que eu não precisava fazer a quimioterapia, foi perfeito. Eu senti muito alívio. Hoje, eu vejo que cada caso é um caso, cada paciente tem um protocolo, e eu gostaria que todo mundo tivesse acesso a essa tecnologia. Eu me considero privilegiada por ter tido acesso ao teste e por ter tido informação”, conta.

Se para as pacientes o teste é revolucionário a ponto de mudar completamente a jornada de tratamento, para o profissional da saúde o sentimento é semelhante. “Quando você está inseguro, indica uma quimioterapia por via das dúvidas. Tanto o TAILORx quanto o RxPONDER conseguiram fazer com que a gente identifique as pacientes que têm benefício com quimioterapia, então a gente dá só para as pacientes certas, e isso mudou muito a nossa conduta”, conclui Mattar.

Segundo o mastologista, entre 30% e 40% dos casos que ele avalia atualmente se encaixam nesse cenário de mudança de conduta, ou seja, no passado ele indicaria quimioterapia e hoje, com o uso do teste genômico, não mais. Ele lamenta, porém, a maioria das pacientes no Brasil não tem oportunidade de acesso a essa tecnologia.

“Quando eu recebi o diagnóstico, veio um sentimento de finitude que eu nunca senti na vida. Mas eu estou muito certa de que eu tive o melhor tratamento para mim”, celebra Marianthi.

Referências:

“Oxford Languages and Google – Portuguese | Oxford Languages.” Languages.oup.com, languages.oup.com/google-dictionary-pt/.

TAILORx Finds No Chemotherapy Benefit for Most Early Breast Cancers – National Cancer Institute.” Www.cancer.gov, 3 June 2018, www.cancer.gov/news-events/press-releases/2018/tailorx-breast-cancer-chemotherapy.

“Saiba Mais Sobre O Teste Oncotype DX® Breast Recurrence Score | Oncotype IQ® Brazil.” Www.oncotypeiq.com, www.oncotypeiq.com/pt-br/cancer-de-mama/profissional-de-saude/oncotype-dx-breast-recurrence-score/sobre-o-teste.

“Interpretando Os Resultados Do Seu Teste Oncotype DX | Câncer de Mama | Oncotype IQ® Brasil.” Oncotypeiq.com, 2018, www.oncotypeiq.com/pt-br/cancer-de-mama/pacientes-e-cuidadores/stage-i-iiia-invasive/oncotype-dx-results-what-to-expect. Accessed 4 Sept. 2025

TAILORx Finds No Chemotherapy Benefit for Most Early Breast Cancers – National Cancer Institute.” Www.cancer.gov, 3 June 2018, www.cancer.gov/news-events/press-releases/2018/tailorx-breast-cancer-chemotherapy.

Kalinsky, Kevin, et al. “21-Gene Assay to Inform Chemotherapy Benefit in Node-Positive Breast Cancer.” New England Journal of Medicine, vol. 385, no. 25, 16 Dec. 2021, pp. 2336–2347, https://doi.org/10.1056/nejmoa2108873.

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