Diante de diversas crises humanitárias ao redor do mundo decorrentes de guerras, terremotos, enchentes, seca e política, as tecnologias têm se tornado cada vez mais relevantes para reintegrar a vida de milhões de pessoas que têm suas vidas impactadas repentinamente.
Os refugiados, por exemplo, além de perderem suas casas e moradias, são desconectados de todos seus laços sociais, como amigos, familiares, escolas, comunidades e qualquer tipo de grupos.
A combinação de inovações e soluções digitais, como nuvem, dados biométricos, Blockchain, Inteligência Artificial, identificação digital, Crowdsourcing e Open Source contribuem na reconstrução e inclusão das pessoas em suas antigas comunidades e novas sociedades como acesso à educação, informação, empregos e saúde.
Identidade digital para inserir refugiados sírios em suas novas sociedades
Com mais de 12 anos de conflito, a Síria possuía mais de 11 milhões de deslocados internos ou refugiados em 2023, segundo a ONU. Seja o acesso à informação por meio de projetos como o Refugee.info ou a obtenção das habilidades necessárias para iniciar um pequeno negócio ou conseguir um emprego, o papel da tecnologia torna-se fundamental neste contexto.
Baseada em blockchain, a identidade digital permite qualquer indivíduo comprovar que é elegível a serviços primários como assistência médica, social e contas bancárias, possuir certificação em determinada área de conhecimento e ter acesso a oportunidades de emprego no novo país. Desta forma, cerca de 60 milhões de refugiados ao redor do mundo conseguem provar sua identidade mesmo sem possuírem certidão de nascimento ou documento.
Outro programa que caminha na mesma direção para fornecimento de acesso digital em escala global é o ID2020, originado de uma parceria público-privada (PPP), cujo objetivo é fornecer identificação digital a mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo. A ID2020 se juntou à ONU, gigantes de tecnologia e dezenas de startups para tentar resolver o desafio mundial de identidade digital a partir de blockchain.
Acesso à educação de qualidade alavancado por IA
Outro grande desafio é a continuidade da educação de crianças e jovens que perdem tudo e precisam recomeçar a vida em um novo país com idioma, cultura, costumes e valores totalmente diferentes. Jordânia, Líbano e Turquia são os principais países que têm apoiado e recebido refugiados sírios na reconstrução de suas vidas.
Atualmente, apenas um terço dos jovens sírios refugiados estão matriculados na educação formal e menos de 1% tem condições de acesso ao ensino superior, de acordo com estudo da Global Business Coalition for Education.
Diante deste cenário, as tecnologias podem preencher esta lacuna ao oferecer novas formas de acesso ao conhecimento e aprendizado, como educação a distância (EAD) e plataformas digitais baseadas em Inteligência Artificial (IA) que traduzem um idioma para outro em tempo real.
As salas de aula virtual também permitem uma experiência de aprendizado mais dinâmica, customizada e interativa entre alunos e professores. Por exemplo, simulações interativas e laboratórios virtuais para aulas de ciência, adicionalmente ao suporte remoto de ensino. A Inteligência Artificial auxilia também os professores ao esclarecer perguntas via chatbot, mecanismos de feedback e até lições complementares.
Já no Quênia, os setores privados e públicos se uniram para fornecer educação e monitoramento em tempo real da aprendizagem de mais de 150 mil crianças no país. Trata-se de uma parceria público-privada entre o Departamento de Desenvolvimento Internacional do Reino Unido (DFID) e sQuidcard, empresa de tecnologia no Reino Unido.
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Crowdsourcing e conteúdos gerados pelos usuários: transparência de informações em tempo real durante crises humanitárias
A Ushahidi, empresa sem fins lucrativos, desenvolveu uma plataforma de crowdsourcing de código aberto que cria mapas interativos em tempo real a partir da coleta de informações publicadas pela própria população local. Desta forma, organizações e grupos de apoio conseguem facilmente visualizar e analisar dados e, consequentemente, a coordenar rapidamente respostas às crises.
A ONG foi originalmente criada para mapear relatos de violência e fraude eleitoral em 2008 no Quênia em resposta a um apagão da mídia local. A solução digital reuniu em poucos dias informações de SMS, e-mails, mídias sociais e sites e as transformou em um mapa visual para os cidadãos do país.
Na região Ásia-Pacífico há diversos desastres naturais todos os anos. O Centro de Excelência em Gestão de Desastres e Assistência Humanitária (CFE-DMHA) identificou que as organizações que treinam socorristas careciam de coordenação entre si e que as doações não eram alocadas estrategicamente, levando a respostas inadequadas diante de. Com a solução de crowdsourcing da Ushahidi, todos os eventos, doações e treinamentos em gestão de desastres na região foram agregados e mapeados de forma transparente. Qualquer pessoa pode enviar detalhes de eventos por meio de um formulário na plataforma.
Pontos-chave do projeto:
- Organizações humanitárias e ONGs podem filtrar e classificar rapidamente eventos por período de tempo, tipo de evento e tipo de desastre;
- Os doadores conseguem identificar quais crises precisam de mais doação financeira no momento;
- Colaboração no treinamento de socorristas de forma mais eficaz;
- Socorristas que participam dos eventos de crises criam laços e fortalecem a sua comunidade.
Desde então, soluções baseadas em dados gerados por usuários foram adaptadas para crises globais, como estimativa e identificação de necessidades de vítimas do terremoto no Haiti, mapeamento da extensão do derramamento de óleo de petróleo na Lousiana e coleta e distribuição de relatórios de corrupção na Índia. Qualquer pessoa pode contribuir com informações por meio de celular e canais de comunicação aceitos localmente, como texto de celular e mídia social. Atualmente, a plataforma possui mais de 20 milhões de usuários.
Fonte: The Guardian
No Brasil, as tecnologias também contribuem para ajudar a população
Durante a pandemia surgiu um projeto sem fins lucrativos que buscava entregar assistência à população mundial que precisava de atendimento médico por meio da telemedicina. A Missão Covid visava atender pacientes por meio de videoconferência e ajudar o sistema de saúde brasileiro a não entrar em colapso. O objetivo era prestar o primeiro socorro aos pacientes com suspeita de infecção pelo coronavírus. Em pouco tempo, o programa se expandiu rapidamente para 64 países, com mais de 20 mil pacientes atendidos e 738 médicos voluntários.
Ainda neste período, a Starbem foi fundada em 2020 no pior momento da pandemia. Trata-se de uma startup no setor de saúde que conecta médicos especialistas, nutricionistas e psicólogos a funcionários de empresas no Brasil. Já na América do Norte, o app conecta terapeutas com pessoas que moram no Canadá e nos Estados Unidos. A Missão Covid transformou-se em uma healthtech que atende mais de 300 mil pacientes no mundo atualmente.
Já no caso mais recente, do Rio Grande do Sul, há tecnologias que podem auxiliar na recuperação pós-enchente e prevenção futura, como uso de sistemas de drenagem inteligente por meio de sensores (Internet das Coisas). Neste caso, os sistemas monitoram e controlam o escoamento de água, medem níveis de água, detectam potenciais entupimentos e acionam bombas e comportas automaticamente, com base nos dados gerados em tempo real.
Os sistemas de monitoramento podem ser aplicados em rios, canais e bueiros. Ao identificar um risco de enchente, alertas podem ser enviados com antecedência para a população e para as autoridades, permitindo uma resposta rápida e eficiente.
7 tecnologias-chave com alto impacto positivo a crises humanitárias
Comunicação e disseminação de informações de forma transparente para a população
1. Aplicativos, sites, mídias sociais e SMS fornecem informações relevantes sobre abrigo, alimentação e serviços médicos às populações impactadas.
2. Mídia social e crowdsourcing: plataformas para atualizações em tempo real e informações compartilhadas pela sociedade sobre situações da crise.
Gestão e distribuição de recursos
3. Blockchain para distribuição transparente e eficiente de doações físicas e financeira, reduzindo fraudes e garantindo que os recursos cheguem, de fato, para quem necessita.
4. Impressão 3D para produzir suprimentos médicos, materiais de abrigo e outras necessidades no local, reduzindo a necessidade de logística complexa.
Soluções de saúde
5. Telemedicina para fornecer consultas e suporte médico remoto, especialmente em áreas com infraestrutura de saúde limitada.
6. Dispositivos vestíveis (wearables) ajudam no monitoramento do estado de refugiados e outras populações vulneráveis.
Educação e Formação
7. Plataformas de e-learning oferecem educação e treinamento online para crianças e adultos deslocados de seus países, garantindo a continuidade da educação e do desenvolvimento de habilidades.
8. Treinamento em realidade virtual (VR) pode servir para treinar socorristas e voluntários em simulações e técnicas em situações de desastres e crises.
Plataformas Colaborativas
9. Plataformas de código aberto facilitam o desenvolvimento e o uso de software open source que podem ser adaptados e implantados por várias organizações humanitárias.