Tecnologia é saída para crise do transporte no Brasil
Inovação

Tecnologia é saída para crise do transporte no Brasil

Enquanto o mundo caminha para a adoção de energias renováveis, drones, robôs e inteligência artificial aplicados à logística, Brasil perde chance de dar salto tecnológico e aumentar sua competitividade por falta de uma política industrial para o setor.

A ameaça de greve dos caminhoneiros já se tornou uma constante no país. De um lado, os profissionais e empresários de logística afirmam que os custos — principalmente o diesel –são caros no Brasil. Do outro, a Petrobras e especialistas que argumentam que o diesel brasileiro é 26,7% mais barato em comparação à média global e vendido abaixo do preço real — e esse é um problema para os acionistas da Petrobras, que no final do dia acabam subsidiando o combustível no país por razões políticas.

O Brasil é notório pelos custos elevados e pela baixa produtividade, o chamado Custo Brasil. Já governos e estatais são notórios pela maneira nem sempre eficiente de conduzir seus negócios. Então, certamente encontraremos argumentos para apoiar os dois lados.

Entretanto, um fato é inquestionável: grande parte da frota logística do país é antiquada. O problema se torna ainda maior entre os autônomos, onde a idade média dos caminhões chega a 20,5 anos. E este não é um problema trivial. Aproximadamente um oitavo da economia mundial se dedica a mover os bens de onde são produzidos para onde são consumidos e armazená-los ao longo do caminho.

E uma das coisas que a pandemia de Covid-19 provou é que a necessidade de uma logística eficiente será cada vez maior à medida que mais e mais pacotes chegam à porta dos consumidores. E a questão logística vai além do e-commerce. No Brasil, por exemplo, uma de suas maiores indústrias, o agronegócio, depende diretamente da logística. O agronegócio representa mais de 21% do PIB brasileiro.

Alternativas

Nos Estados Unidos e na China, o investimento em startups de tecnologia cresce rapidamente. Somente no mês passado, segundo reportagem do The Wall Street Journal, nos EUA, a Loadsmart, um app de frete, arrecadou US$ 90 milhões, a Gatik arrecadou $ 25 milhões para caminhões autônomos, a Flock Freight arrecadou US$ 113,5 milhões para seu software consolidar carregamentos parciais de caminhões em remessas únicas, a Cargo.one arrecadou US$ 42 milhões seis meses após sua última rodada, a Stord arrecadou US$ 31 milhões para depósitos sob demanda, e a empresa de caminhões autônomos TuSimple recebeu US$ 350 milhões. Ao mesmo tempo, a Blackstone e a KKR estão adquirindo armazéns, e a Amazon sozinha é responsável por um quarto de todo o espaço de armazenamento alugado nos Estados Unidos.

Na China o movimento não é menos frenético. Dos gigantes de tecnologia como Alibaba, Baidu e JD.com até pequenas startups, todos querem criar um sistema logístico mais eficiente. Inteligência Artificial, drones e veículos autônomos movidos a energia renovável são as grandes apostas.

Vídeo: Alibaba lança robô autônomo para logística

Mas, diferentemente do Brasil, nos Estados Unidos, e principalmente na China, a modernização logística cada vez mais é vista como um desafio governamental e uma oportunidade. Grandes saltos de modernização precisam de apoio governamental e políticas industriais claras.

Incentivos corretos são essenciais para a adoção de novas tecnologias. Veja o caso dos Estados Unidos, China e Europa, que ao adotarem incentivos fiscais para a produção de veículos elétricos fizeram disparar a adoção dos carros elétricos. Sem o incentivo aos carros elétricos implementado pelo presidente Obama, a Tesla dificilmente seria a montadora mais valiosa do mundo. Para dar uma ideia da construção de valor da nova tecnologia, a Tesla hoje vale praticamente a soma do valor de mercado de todos os seus concorrentes, mesmo tendo somente 0,68% do mercado automobilístico.

Na outra ponta está o Japão. Mesmo sendo a casa de gigantes automotivos como Toyota, Honda e Suzuki e um importador de petróleo, o país pouco ou nada fez com políticas industriais para o setor de veículos elétricos. O resultado é que a adoção de veículos elétricos no país é mínima em comparação a Estados Unidos, China e Europa (gráfico abaixo).

Fonte: Asynco

Ou seja, ou o Brasil cria uma política para modernizar sua frota e infraestrutura logistica, ou ficará cada vez mais para trás nessa corrida, perdendo competitividade rapidamente.

No Brasil, há greve. Nos EUA, aumento de salário

Pode soar como um paradoxo, mas a digitalização e maior regulamentação dos caminhoneiros pode ser a saída para a melhoria das condições de trabalho no setor. Nos Estados Unidos, desde que a Federal Motor Carrier Safety Administration tornou obrigatório o uso do dispositivo de registro eletrônico (ELD – Electronic Logging Device), os salários dos caminhoneiros aumentaram e houve sensíveis otimizações na estrutura logística. Mas, veja, o Brasil é o país onde o presidente se opõe a taxímetros digitais, então não será uma jornada fácil.

Nos EUA, os caminhoneiros têm limites de quantas horas podem trabalhar consecutivamente ou em uma semana. Antes da mudança para o dispositivo eletrônico, eles preenchiam formulários de papel listando por quanto tempo trabalhavam. Os caminhoneiros são pagos por quilômetro, não por hora. Assim, quando faltavam uma hora para fazer uma entrega e dez minutos para exceder as horas atribuídas, eles tinham um incentivo para arredondar a hora para manter as horas informadas dentro dos limites. Isso funciona com formulários de papel. Não funciona com registro eletrônico, que rastreia o tempo e a localização automaticamente.

Isso reduziu a disponibilidade de horas de trabalho dos caminhoneiros, que não podiam burlar a regra, já que trabalhar horas extras leva a multas crescentes e ao risco de as transportadoras serem totalmente fechadas. Também aumentou a incerteza para cada viagem, uma vez que o motorista pode não ter permissão para completá-la.

Indiretamente essa seria uma solução para um dos maiores problemas dos caminhoneiros brasileiros, o excesso de frota. Décadas de políticas governamentais de incentivo à compra de caminhões, hoje mostram seu efeito: o excesso de oferta. Outro lembrete de que incentivos industriais deveriam focar em indústrias do futuro, e não do passado.

Segundo Byrne Hobart, da The Diff, “com a implementação dos dispositivos, agora há muito mais dados sobre quem está em trânsito, para onde estão indo, a que velocidade estão indo, etc., e sempre que há um dividendo de dados, parte deles reverte para empresas de software que podem usar os dados para tomar melhores decisões”.

O aumento da probabilidade de um motorista não conseguir terminar uma viagem conforme programado criou outro tipo de demanda — uma startup chamada OLIMP, por exemplo, é especializada em encontrar espaço temporário de depósito para as entregas que não chegaram ao seu destino no horário limite. Frequentemente, o destinatário pede ao motorista para voltar em algumas semanas. Assim, ou o motorista pode ficar parado, sem trabalhar, ou pode deixar a carga e dirigir para outro lugar. Mas isso apresenta um problema: eles precisam encontrar um depósito, negociar um preço e realmente pagar. A OLIMP é capaz de criar instâncias de espaço sob demanda para depósito, sem ter que possuir a propriedade subjacente.

O custo da conectividade também está caindo; um dos motivos pelos quais o mandato ELD foi possível foi a queda constante nos custos de dados. Mas, uma vez que você precisa coletar alguns dados e transmiti-los em tempo real, por que parar por aí? As empresas de transporte estão usando telemática mais detalhada para prever problemas mecânicos. Como o comportamento dos motoristas humanos é mais regulado, detectar problemas mecânicos mais cedo é mais fácil, o que acaba por reduzir custos. O onipresente ELD tem outro benefício: é uma versão controlada por regulamentação de um complemento comoditizado: de repente, o mercado para qualquer software que analisa dados de localização de caminhões em tempo real está presente em todo caminhão nos EUA.

A regulamentações mais rígidas sobre o trabalho dos caminhoneiros resultaram em menos horas de caminhoneiro disponíveis por trabalhador, de modo que os salários aumentaram. Por outro lado, o custo marginal do transporte autônomo de caminhões caiu e não usar os autônomos torna a operação mais cara. Basicamente, a tecnologia otimiza a operação, mesmo garantindo melhores salários para os motoristas.

Caminhoneiros foram beneficiados e uma gigantesca indústria em torno da nova regulamentação foi criada.

Impactos da automação

Existe ainda um grande risco para o Brasil. Enquanto tardamos em seguir as tendências tecnológicas, países que competem conosco pelo mercado global estão acelerando seus esforços. O presidente americano Joen Biden, anunciou um plano para substituir a frota do governo de 650.000 carros e caminhões por veículos elétricos montados nos EUA. Enquanto discutimos o preço do diesel, nossos concorrentes já planejam abandonar o combustível fóssil.

Certamente revoluções técnicas não são fáceis e causam grandes impactos sociais. Mas como a história mostra, atirar paus e pedras nas máquinas não parou a Revolução Industrial.

No passado, o domínio dos bens físicos e os limites da geografia ajudaram a controlar os monopólios de consumo. Mas segundo relatório da gestora ARK, “daqui para frente, os bens e serviços digitais continuarão consumindo fatias maiores do bolo do consumidor, e os caminhões e drones autônomos reduzirão drasticamente o custo do envio de bens físicos. Em vez de uma dispersão dos lucros da indústria em diferentes empresas e regiões, começaremos a ver uma concentração cada vez maior dessas quantias astronômicas nas mãos de poucos, ao mesmo tempo que as linhas de desemprego aumentam”.

Em conclusão, teremos cada vez mais robôs realizando tarefas repetitivas como as que ocorrem ao carregar e descarregar caminhões e manejar depósitos. Frotas de caminhões autônomos em grandes comboios por estradas, rodando 24h por dia, sete dias por semana, vão fazer despencar o valor dos fretes. E os drones vão reduzir a necessidade de entregadores para curtas distâncias. O Brasil pode resistir e tentar medidas paternalistas de subsídio e proteção às indústrias sem competitividade. Mas outros países vão seguir evoluindo e aumentando sua competitividade.

Em breve, o valor do diesel será o menor dos problemas. Antes que isso aconteça, melhor que o Brasil comece a pensar seriamente em uma política industrial que o leve rumo ao futuro e não ao passado fóssil.

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