O aumento da expectativa de vida e outras megatendências para 2030, segundo estudo de Georg Vielmetter e Yvonne Sell, impõem às organizações a necessidade de analisar estrategicamente diferentes cenários, buscando capacitá-las a enfrentar a turbulência dos seus ambientes de negócios. O sucesso dependerá da capacidade de gerir mudanças com flexibilidade e agilidade, dando foco e direção às suas ações estratégicas, observando os impactos da evolução tecnológica e buscando um novo modelo estratégico, que atenda ao alto grau de imprevisibilidade do mundo que vivemos. O modelo de gestão convencional baseava-se no paradigma de comando e controle e em um ambiente de estabilidade que não existe mais. O mundo mudou e continuará mudando de forma contínua e cada vez mais veloz.
Sandro Magaldi e José Salibi Neto propõem uma nova estrutura, “a estratégia adaptativa”, uma vez que a necessidade de adaptação às mudanças cada vez mais aceleradas exigirá inovações que permeiam toda a organização, devendo resultar em ações que considerem a conexão de todos os elementos essenciais: cultura, métodos ágeis e gestão de dados. A transformação do modelo convencional para o adaptável coloca a gestão de dados, derivada da tecnologia atual, como essencial para a rapidez e constância na tomada de decisão, cujo núcleo estratégico é a criação e a entrega de valor para o cliente.
O sucesso do processo de adaptação ao novo não está, exclusivamente, relacionado às transformações tecnológicas. Impossível transformações, de qualquer natureza, seja qual for a organização, acontecerem sem que implique alguma transformação cultural significativa. Os autores apontam ainda que a cultura compreende o conjunto de crenças e valores coletivos e só será modificada se cada indivíduo revisar suas próprias crenças e seus próprios valores. A principal função da cultura é garantir a coesão necessária perante os agentes da organização, garantindo seu alinhamento com um conjunto de crenças e normas definidas por esse sistema.
O processo de transformação cultural é complexo e lento, uma vez que a cultura é aprendida e moldada pela forma como as atividades são executadas diariamente. Para que as mudanças ocorram é essencial adotar novas práticas, criar rituais, definir novos processos de trabalho que, juntos, definem uma forma de trabalhar e organizar com a criação de novas normas e sistemas de crenças. A partir da mudança de alguns comportamentos críticos é necessário promover o uso de métodos e ferramentas que difundam as novas normas e mobilize forças racionais e emocionais, estimulando o processo de aprendizagem da organização para a nova cultura.
Se o exposto acima aplica-se a qualquer tipo de organização, imagine quando se trata das organizações de saúde, cujo cliente, é um ser humano que devido suas condições de saúde, encontra-se em sofrimento, altamente vulnerável, frágil, demandante de cuidados e atenção.
Tecnologia a serviço da saúde
A medicina é uma das áreas do conhecimento humano enormemente impactada pela evolução tecnológica, como a aplicação da Inteligência Artificial, Internet das Coisas (IoT), robótica, nanotecnologia, biotecnologia, ciências dos materiais, computação quântica, apenas para citar algumas, mas estas inovações estão não apenas no diagnóstico cada vez mais preciso de doenças, mas no tratamento e na gestão de dados.
Segundo Rodrigo Gosling, Superintendente de Inovação e Transformação Digital do A.C Camargo Cancer Center, a gestão de dados tem um grande impacto no tratamento da doença, pois possibilita a integração e integridade de dados sobre o paciente, por meio dos prontuários digitais, que buscam tornar a jornada do paciente mais simples e a experiência mais positiva, bem como, os processos mais ágeis. As novas soluções de gestão para tornar as jornadas do médico e dos colaboradores melhores afetam a qualidade do atendimento ao cliente, desde a marcação de consultas e exames, como envio de receitas e monitoramento de tratamentos feitos remotamente (o conceito de “hospital sem parede”). Além disso, supercomputadores, integrando dados de pesquisa e gerando respostas muito mais rápidas, que influenciarão a assistência ao paciente, já que quem tem câncer, tem pressa. No ensino, por exemplo, está cada vez mais comum o uso de Realidade Virtual em simulações de procedimentos e experiências com emprego de novas tecnologias, que podem chegar à utilização do metaverso, por meio da criação de Digital Twin e avatar de pacientes com determinados tipos de tumores.
No caso das instituições de saúde, o grande desafio imposto pelas infinitas possibilidades do uso da tecnologia a serviço da ciência, é não perder a humanização que é um fator essencial para percepção de valor do cliente. Torna-se clara a mudança de pensamento organizacional no que tange à natureza das relações e, principalmente, à aquisição da consciência de que, independentemente do encaminhamento proposto, é imprescindível levar em conta o ser humano como peça-chave desse processo evolutivo.
Tanja Schwarmüller e outros especialistas analisam, em How does the digital transformation affect organizations? (2018) as mudanças geradas pelas transformações digitais na concepção do trabalho e liderança das organizações e tratam duas mudanças de dimensões macro:
- Mudanças na estrutura do trabalho: não só os perfis de profissões/ocupações já existentes estão mudando; surgem também novos tipos de trabalhos.
- Relação líder-liderado: no atual estágio de Transformação Digital, funcionários precisam lidar com mudanças na demanda por competências e dinâmica de trabalho, assim como líderes enfrentam novos desafios, tendo de adaptar um novo comportamento influenciador em relação aos seus liderados.
Um exemplo prático, além das diferentes profissões relacionadas à criação e ao manejo das tecnologias digitais, é a função do navegador de pacientes — profissional altamente especializado em oncologia, que tem por objetivo acompanhar, auxiliar e orientar pacientes e familiares com diagnóstico de câncer durante o seu tratamento.
Segundo Victor Piana, CEO do A.C. Camargo Cancer Center, trata-se de uma nova profissão, que exige, além dos conhecimentos técnicos e de uso de ferramentas digitais, muita empatia e outros atributos da inteligência emocional para facilitar a comunicação com toda a equipe multidisciplinar, mas também eliminar as barreiras para o tratamento, facilitando os processos internos e junto às operadoras de saúde. Um paciente recém diagnosticado com câncer se sente perdido e desorientado, é exatamente neste momento que o humano faz toda a diferença, quando o paciente se sente acolhido, compreendido na sua condição e percebe que tem alguém para ajudá-lo a navegar neste mar de incertezas.
O desafio de manter a humanização do atendimento
Piana avalia que a tecnologia é um meio e cada vez mais especialistas são envolvidos na humanização e na assistência integral ao paciente: desde o diagnóstico aos que suportam o tratamento e controlam os sintomas da doença e dos eventos adversos, aos que organizam a reabilitação física e mental, cuidam da nutrição ao longo da jornada, garantem a segurança de todos os medicamentos, acolhendo os sentimentos nas horas difíceis, ajudando o paciente a voltar às atividades do cotidiano.
O atendimento ao cliente — no caso da saúde, atendimento ao paciente — talvez seja a área que mais evidencia a importância da cultura no processo de transformação digital. Certamente, toda a avançada tecnologia sem atendimento humanizado não refletiria resultados tão relevantes na cura de doenças pelas quais o impacto do emocional está comprovado na realidade, na pesquisa cientifica e na literatura especializada.
Para um atendimento célere e humano é preciso mais do que investimento em tecnologia, são necessários processos bem desenhados, visão sistêmica, relações construtivas entre líderes liderados e muita capacitação técnica e comportamental para que haja uma sólida cultura de humanização que efetivamente entregue valor ao paciente.
Pesquisas comprovam a relevância da função do Navegador de Pacientes em Institutos fora do Brasil, e a experiência aqui também tem mostrado impactos positivos, tanto que, hoje, já tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 4171/21, que cria o Programa Nacional de Navegação de Paciente, com o objetivo específico de treinar profissionais de saúde para orientar, tratar, acompanhar e monitorar pacientes com câncer de mama no SUS – Sistema Único de Saúde.
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Este post foi produzido por Denize Dutra, Doutora em Administração. Consultora, Coach, Professora Convidada da FGV e colunista do MIT Technology Review do Brasil.