Tecnologia é Continuidade
Humanos e tecnologia

Tecnologia é Continuidade

Na linha do tempo da história, estão ocultas figuras importantes que devem ser reverenciadas pela relevância de suas contribuições para a ciência e para a tecnologia e pelo impacto de suas descobertas até hoje. Devemos nomear os negros que vislumbraram, por meio da tecnologia, o mundo em que vivemos hoje. Essa é a nossa origem e a história que estamos escrevendo.

As grandes inovações dos nossos povos surgem a partir da manutenção de processos inventivos e pensamentos herdados de nossos ancestrais. Assim, essa preservação de memórias, acontecimentos e atitudes conectadas diretamente a contextos do passado que possibilitam um futuro, caracterizam uma continuidade. E, de maneira geral, essa continuidade garante a sobrevivência do universo cientifico explorado por grandes cientistas negros durante a nossa história. Somos origens e somos continuidade .

Ao longo dos anos, resgatando as diversas referências negras na ciência e tecnologia, percebi que em meio a pluralidade das ações e criações muito do processo foi invisibilizado em meio às transformações e inovações. Mas será que para inovar é necessário invisibilizar? A grande inovação está na continuidade. Dentro desta continuidade precisamos abordar as origens.

Devido à forte presença da cultura eurocêntrica na nossa civilização, entendemos tecnologia como individual e objeto digital, quando na verdade a tecnologia é parte do todo e precisa ser reconhecida como artefato, para que assim seja possível compartilhar as diferentes tecnologias e códigos que não se resumem somente ao mundo digital. E quando saímos deste lugar nos permitimos conhecer a verdadeira história das contribuições de cientistas negros ao longo da história da tecnologia.

Começando pelas contribuições na escrita e na academia, citando aqui universidades como Per Ankh no Egito antigo, Sankore no Mali e Al Karaouine em Marrocos, instituições omitidas pelo ensino etnocêntrico – ou eurocêntrico – em que estamos submersos.

De 1900 a 1999, inventores pretos patentearam mais de 6.000 invenções (pelo menos 400 patentes conquistadas por mulheres negras) e entre 2000 e 2007, cientistas negros patentearam mais de 5.000 invenções, como mostra o livro Black Inventors – Crafting Over 200 years of Success (2008).

E mesmo diante de todas essas contribuições, citamos pouco os cienteistas e inventores negros na tecnologia.

A pioneira na quimioterapia foi a doutora Jane Cooke Wright, médica oncologista afro-americana que iniciou suas contribuições para a área em 1949, ao analisar uma ampla gama de agentes quimioterápicos, explorando a relação entre a resposta do paciente e a cultura de tecidos e desenvolvendo novas técnicas para a administração de quimioterapia contra o câncer. Ele foi pioneira ao prever, por meio de pesquisas, a eficácia de drogas de ação quimioterápica em células cancerigenas em laboratório. Jane Cooke Wright também foi defensora do uso da terapia combinada, que utiliza mais de um tratamento em sequência, por entender que a abordagem múlplica era necessária para o combate ao câncer, uma vez que a doença está sempre se modificando.

O grande feito de Jane Cooke Wright remete a um caso recente, que também ajudou a iniciar uma das pesquisas mais esperadas pelo mundo atualmente, a solução para a Covid-19. A cientista biomédica negra Jaqueline Goés de Jesus coordenou, ao lado da imunologista Ester Cerdeira Sabino, o sequenciamento do genoma do vírus SARS-CoV-2.

Os resultados chegaram em apenas 48 horas. Para se ter ideia, normalmente uma pesquisa como essa dura 15 dias. A equipe de investigação do Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, liderada por Jaqueline, recebeu as amostras do primeiro paciente brasileiro infectado no dia 26 de fevereiro e publicou os resultados dois dias depois, no dia 28, no site Virological.org, um fórum de discussão de especialistas em virologia e epidemiologia. O sequenciamento permitiu diferenciar o vírus que infectou o paciente brasileiro do genoma identificado em Wuhan, o epicentro da epidemia na China. As amostras revelaram que este caso estava mais próximo de variações do coronavírus identificadas na Alemanha, no final de Janeiro. O resto da história nós ainda estamos vivendo para saber o final.

Por fim, uma das áreas em que mais precisamos de referências negras atualmente: o mercado de games. O primeiro videogame doméstico foi criado pelo engenheiro eletrônico Jerry Lawson, o Fairchild Channel F, que foi lançado em 1976 e naquele momento foi uma novidade na indústria de games. Ele tinha um microprocessador dedicado para o console, que até aquele momento tinha sido o primeiro. O potencial desse chip permitiu a programação de Inteligência Artificial nos games, a partir de então não era mais necessário ter uma pessoa para jogar, você poderia jogar contra a própria máquina. Uma grande contribuição para indústria.

Mas eu pergunto: você já tinha ouvido falar do Jerry Lawson?

Somos origens e continuidade, entendendo tecnologia como artefato e não só como digital. Ao entender o potencial de uma tecnologia aplicada com o objetivo de resolver problemas na sociedade e de criar novas possibilidade, entendemos que estamos de passagem neste mundo, que precipamos deixar as nossas marcas e resgatar nossas histórias e nomear as nossas criações.

Somos origens e continuidade para além do 20 de novembro.

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