Oferecido por
Os caminhos trilhados por um paciente ao longo de sua jornada de saúde podem afetar significativamente o tempo de duração e a eficácia de seus tratamentos. Seja a enfermidade tratada curável ou crônica, é essencial que haja um itinerário terapêutico que padronize suas rotinas de cuidado, englobando todos os níveis de atenção à saúde. A tecnologia e a análise de dados se apresentam como instrumentos essenciais para a otimização dessa trajetória.
A padronização, nesse contexto, é proposta por meio das chamadas linhas de cuidado – uma união de ferramentas estratégicas que organizam todas as frentes de cuidado aos pacientes. Além de direcionar recursos de forma mais eficiente, as linhas de cuidado garantem maior fluidez na comunicação entre equipes médicas, serviços de saúde e beneficiários de planos de saúde.
A gerente-executiva da União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (UNIDAS), Amanda Bassan, explica que as linhas de cuidado são abordagens focadas no paciente que se apoiam em três pilares: “Cuidado certo, no momento certo e no local mais adequado”.
Na avaliação da executiva, a fragmentação dos serviços de saúde no Brasil hoje é uma realidade, por isso as linhas de cuidado são fundamentais para evitar “desperdícios” no meio do caminho, como redundâncias em pedidos de exames ou até mesmo em prescrições de medicamentos. “Pacientes crônicos acabam recebendo orientações de vários especialistas diferentes e nenhum olha para o indivíduo de forma integral”, exemplifica.
A implementação de uma linha de cuidado em saúde, portanto, não é tão simples quanto redigir um código de condutas médicas e esperar que padronizem seu uso pelo país. O maior problema enfrentado pelos sistemas de saúde brasileiros é operacional e comunicacional.
Para que o tratamento de uma paciente possa fluir da forma mais eficaz possível entre uma geriatra, uma clínica de exames, um cardiologista e uma sala de operação, por exemplo, é importante que haja cruzamento de dados e uma robusta interoperabilidade entre todas as frentes e sistemas de saúde.
Atualmente, no Brasil, bases de dados convergentes costumam se restringir aos sistemas internos de empresas privadas. Sem a unificação dessas informações em prontuários únicos ou pelo menos a integração de dados clínicos obtidos fora atenção primária, torna-se ainda mais complexa a implementação de linhas de cuidado eficazes.
O cuidado em saúde deve ser integral, longitudinal e contínuo, avalia Maurício Nunes, diretor de Desenvolvimento Setorial da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Cada doença, agravos e ciclos de vida devem ter linhas de cuidado estabelecidas – havendo, portanto, a possibilidade de ação de linhas de cuidado ramificadas, a depender da evolução do caso.
É preciso existir um planejamento que atenda às demandas dos beneficiários desde o princípio, na avaliação do diretor da ANS. Promoção da saúde, prevenção de riscos e de doenças, rastreamentos populacionais, diagnósticos, tratamento, acompanhamento, reabilitação, cuidados paliativos e cuidados de fim de vida são todas questões que uma linha de cuidado deve levar em consideração.
Oferta, demanda e o equilíbrio de recursos
Uma característica importante das linhas de cuidado é a economia de recursos, que não necessariamente refletem questões financeiras. A ideia principal é que a fluidez entre as bases de dados e a organização dos itinerários terapêuticos evitem o desperdício de recursos médicos, laboratoriais, de procedimentos, entre outros.
Para Nunes, ocorre uma qualificação da demanda e da oferta prestadas graças a protocolos, diretrizes e fluxos bem estabelecidos. “Elas permitem, inclusive, um maior conhecimento do beneficiário de plano de saúde sobre o planejamento terapêutico e sobre as possibilidades de tratamento na rede assistencial.”, explica o diretor.
No fim da cadeia, aqueles que manejam boa parte dos recursos de saúde acabam sendo os próprios médicos, que dão a palavra final que sinaliza o próximo passo ao paciente. A principal função das linhas de cuidado é padronizar o caminho do paciente de maneira coerente, porém, um olhar médico humanístico que mude essa trajetória com base nas individualidades objetivas e subjetivas do paciente é de suma importância e faz parte do processo de uma linha de cuidado responsável.
Em seu artigo “Linhas do cuidado integral: uma proposta de organização da rede de saúde”, a mestre em Saúde Coletiva Camilla Maia Franco e o professor Túlio Batista Franco, da Universidade Federal Fluminense (UFF), descrevem o conceito de linha de cuidado como uma imagem pensada para atender às necessidades de saúde dos usuários, sem deixar de fora segmentos que não estejam necessariamente inseridos na rede, mas que se relacionam de alguma forma com ela, como entidades comunitárias e a assistência social.
Os pesquisadores também ressaltam a importância da avaliação do risco por parte do profissional da saúde na hora de definir um projeto terapêutico. Questões socioeconômicas, por exemplo, podem mudar completamente as necessidades e carências que o paciente vai ter que enfrentar ao longo do tratamento.
“O risco não é apenas clínico, mas também social, econômico, ambiental e afetivo, ou seja, um olhar integral sobre o problema de saúde vai considerar todas essas variáveis na avaliação do risco”, concluem os autores do artigo.
Uma boa linha de cuidado, portanto, poupa recursos verdadeiramente escassos para que a qualidade de atendimento do todo melhore, porém, não deve privar seus usuários de recursos que proporcionam qualidade de vida e previnem riscos e doenças a longo prazo.
Linhas de cuidado na saúde suplementar
Em janeiro deste ano, a ANS abriu sua segunda tomada pública de subsídios (TPS nº 2), com o objetivo de debater e receber propostas de linhas de cuidado prioritárias na saúde suplementar. As propostas deviam conter fluxos, protocolos clínicos, diretrizes terapêuticas e indicadores de saúde baseados em evidências científicas, avaliações e monitoramentos. Outro requisito era a inclusão de orientações considerando os diferentes níveis de atenção em saúde: primária, especializada, hospitalar e domiciliar.
Essa é a primeira tentativa de regular as linhas de cuidado na saúde suplementar brasileira. A ideia é que as propostas aprovadas sejam utilizadas como subsídios técnicos para o desenvolvimento de normas pela agência.
A ANS informou que foram consideradas válidas 29 contribuições enviadas por meio da tomada pública. Os textos foram validados por grupos técnicos de especialistas de suas respectivas áreas e por uma equipe da agência. As propostas ainda passarão por um pente fino, sendo submetidas à análise de uma câmara técnica composta por prestadores de serviço de saúde e com participação de sociedades de especialidades médicas indicadas pela Associação Médica Brasileira (AMB).
Com base nas propostas aprovadas, são prioridades do sistema de saúde suplementar as linhas de cuidado para: doenças cardiovasculares (cinco propostas); diabetes e obesidade (cinco propostas); oncologia (cinco propostas); Transtorno do Espectro Autista (três propostas); depressão e ansiedade (três propostas); doenças osteomusculares (três propostas); abordagem materna e neonatal (uma proposta); asma (uma proposta); saúde do idoso (uma proposta); apneia do sono (uma proposta); e atenção fisioterápica domiciliar (uma proposta). Os dados foram fornecidos pela ANS.
A maior parte das sugestões partiu de operadores de planos de saúde. Na avaliação de Amanda Bassan, da UNIDAS, a tomada pública tem sido discutida desde 2023 e deve trazer resultados positivos ao sistema, sobretudo em relação ao cuidado de doenças crônicas como hipertensão, diabetes e obesidade. “Acredito que seja um passo essencial para a saúde suplementar como um todo”, afirma.