Tecnologias como a luz indireta, antibrilho e antirreflexo, exemplificadas por dispositivos como o Kindle (e-ink) e o The Frame e The Sero da Samsung, estão tornando essa transição cada vez mais imperceptível. Mas o que isso significa para o mercado de arte e decoração? Vamos explorar isso ao longo desta coluna.
A diferença entre um quadro, um papel e uma TV é a iluminação. Enquanto as TVs utilizam LEDs para emitir luz diretamente para seu olho, o quadro e o papel apenas refletem a luz externa que acaba chegando também ao seu olho. O brilho do LED é muito maior, assim como a concentração luminosa. Já um quadro apresenta um espalhamento dos raios, proporcionando uma luz bem mais branda e difusa, confortável aos olhos. Vamos entender como funcionam cada um desses mecanismos.
Tecnologia de luz indireta
A tecnologia de e-ink (tinta eletrônica) usada no Kindle da Amazon funciona por meio de microcápsulas contendo pigmentos preto e branco, que se movem em resposta a campos elétricos, formando imagens e textos. A imagem final é formada fisicamente, diferentemente das telas emissoras de luz, o e-ink depende da luz externa, refletindo-a para criar uma imagem visível, semelhante ao papel físico. Isso proporciona uma leitura confortável e de baixo brilho, mesmo sob luz solar direta. Veja, no desenho, o funcionamento da tecnologia ótica da luz indireta.
Tecnologia antibrilho
A tecnologia antibrilho ajuda a espalhar a luz usando uma película rugosa, que desvia e dispersa a luz emitida, filtrando também frequências de luz que incomodam os olhos. Isso torna a imagem um pouco mais fosca e visível à noite. Superfícies antibrilho são texturizadas ou possuem um acabamento fosco, que dispersa a luz em múltiplas direções, reduzindo reflexos e proporcionando uma visualização mais confortável, bem próxima à luz natural de um quadro.
Película anti-reflexo
A tecnologia antirreflexo utiliza múltiplas camadas de revestimento ótico para reduzir reflexos indesejados em superfícies de telas e lentes. Essas camadas interferem com a luz incidente angular, refletindo e dispersando-a dentro da camada, impedindo que ela saia ou reflita. Essa tecnologia é especialmente útil em ambientes onde há um foco de luz que se mistura na imagem ao ser refletido. Como é uma película, essa tecnologia também pode ser aplicada em óculos, lentes de câmeras, monitores de computadores, smartphones e outros dispositivos de exibição.
Com essas tecnologias, as novas TVs oferecem uma experiência visual que se equipara e, em alguns casos, supera a dos quadros tradicionais. Existem modelos que são projetados para se parecer com obras de arte quando não estão em uso como televisores. Com molduras personalizáveis e a capacidade de exibir obras de arte em alta resolução, esses dispositivos se integram perfeitamente à decoração, oferecendo uma alternativa digital aos quadros físicos.
Essa evolução está mudando a maneira como as pessoas interagem com a arte. Em vez de comprar uma única obra, os proprietários de um display podem acessar uma biblioteca de arte digital, variando a exibição conforme seu humor ou decoração sazonal. Isso oferece uma flexibilidade que os quadros tradicionais não conseguem igualar.
Diversificação do consumo de arte
As novas tecnologias de display estão permitindo uma diversificação significativa no consumo de arte. Os consumidores podem explorar uma vasta gama de obras de arte, de mestres clássicos a artistas contemporâneos emergentes. Essa acessibilidade a uma variedade tão ampla de obras pode democratizar o acesso à arte, permitindo que pessoas de diferentes origens e locais apreciem e descubram novas peças sem a necessidade de visitar galerias físicas. Além disso, a tecnologia digital pode não só mostrar a obra, como também contar a sua história por um especialista e explicar detalhes do quadro que valorizam ainda mais a sua exposição.
A popularidade crescente das TVs que se disfarçam de quadros tem um impacto direto na venda de obras de arte físicas. À medida que mais pessoas optarem por essas soluções tecnológicas, a demanda por quadros tradicionais pode diminuir. Isso coloca uma pressão sobre galerias e artistas, que podem precisar repensar suas estratégias de mercado. Eles podem considerar oferecer versões digitais de suas obras ou encontrar maneiras de integrar suas criações a plataformas que exibem arte digital. Esse cenário pode levar a uma mudança significativa no modo como a arte é vendida e apreciada.
Com a ascensão da arte digital, surge uma nova fonte de renda para artistas. A venda de obras para exibição em dispositivos oferece uma oportunidade financeira adicional. Plataformas que oferecem assinaturas mensais para acesso a bibliotecas de arte digital estão emergindo, proporcionando aos artistas um canal adicional para monetizar seu trabalho. Essa nova fonte de receita pode ser particularmente benéfica para artistas emergentes que lutam para ganhar visibilidade em galerias tradicionais. Assim, o mercado digital pode abrir portas para novos talentos e proporcionar uma distribuição mais ampla de suas obras.
Mudança na produção de conteúdo
A crescente demanda por arte digital está influenciando a maneira como o conteúdo visual é produzido. Artistas, agora, podem criar obras especificamente para plataformas digitais, considerando fatores como resolução de tela, iluminação e características de exibição únicas desses dispositivos. Isso pode levar a inovações artísticas que aproveitam ao máximo as capacidades tecnológicas, resultando em experiências visuais novas e envolventes. Essa tendência também pode inspirar colaborações entre artistas e desenvolvedores de tecnologia para criar obras interativas que desafiam as fronteiras tradicionais da arte.
O licenciamento de galerias digitais de forma escalável e barata pode trazer inúmeras vantagens ao mercado de arte. Uma das principais é a redução da pirataria. Quando as obras de arte digitais são acessíveis e licenciadas de maneira eficiente, os consumidores têm menos incentivo para buscar versões piratas. Isso não apenas protege os direitos dos artistas, mas também aumenta a lucratividade do setor. Além disso, galerias digitais podem atingir um público global sem os custos associados a exposições físicas, como transporte e seguros. Esse modelo de negócios pode se tornar mais lucrativo do que museus tradicionais, que enfrentam despesas operacionais significativas. Ao oferecer acesso instantâneo a coleções vastas e diversas, as galerias digitais podem atrair um número maior de entusiastas da arte, promovendo um ciclo sustentável de apreciação e consumo de arte.
Museus como bancos
Nesse novo canal, os detentores de obras de arte podem potencialmente obter mais retorno financeiro ao explorar a propriedade intelectual digital de suas peças em comparação com o licenciamento para um museu. A comercialização digital permite que as obras sejam licenciadas para uma variedade de plataformas online, alcançando um público global e gerando receitas recorrentes por meio de visualizações, reproduções digitais, vendas de NFTs (tokens não fungíveis) e parcerias com plataformas de streaming de arte. Esse modelo de monetização contínua e escalável pode superar os ganhos obtidos com os contratos tradicionais de licenciamento de museus, que são frequentemente limitados em tempo e alcance. Assim, enquanto os museus oferecem as vantagens cruciais de segurança e preservação das obras físicas, o ambiente digital abre novas e lucrativas oportunidades de rendimento para os proprietários, ampliando significativamente o impacto econômico e a acessibilidade da arte.
A tecnologia de blockchain, juntamente com NFTs e DeFi (finanças descentralizadas), é mais um empurrão para o mercado digital, proporcionando novas formas de autenticidade, propriedade e monetização. Os NFTs permitem que artistas e colecionadores emitam certificados digitais únicos e invioláveis para suas obras, garantindo a originalidade e a exclusividade dos ativos digitais. Isso cria um mercado transparente e seguro, em que a procedência de cada peça pode ser facilmente verificada. As plataformas DeFi facilitam transações financeiras descentralizadas, permitindo que artistas e colecionadores realizem vendas, leilões e financiamentos sem intermediários tradicionais, reduzindo custos e aumentando o lucro. Esses avanços tecnológicos democratizam o acesso à arte, possibilitam novas formas de renda contínua por intermédio de royalties programáveis e ampliam as oportunidades de investimento no setor artístico digital.
Recentemente, já tivemos obras feitas especificamente para o mercado digital de NFT que alcançaram números extraordinários, como “EVERYDAYS: THE FIRST 5000 DAYS” do artista Beeple. A peça foi vendida por US$ 69 milhões, rivalizando com antigos artistas clássicos, como Picasso e Salvador Dalí, e só existe no digital.
As novas tecnologias de display estão entrando definitivamente no mercado de decoração e arte. Com a conversão desses novos canais digitais e o reforço da autenticidade por NFT, será mais conveniente pagar por novos canais de arte e exibição, o que, de forma escalável, pode mudar o mercado de arte como se apresenta hoje. Museus apresentarão mais segurança e proteção para um público muito especializado, ao passo que a venda de conteúdo doméstico global poderá ser o verdadeiro alvo quando se trata de lucratividade.
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Christian é especialista em IA, Big Data e Blockchain
Colunista – MIT Technology Review Brasil