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As tarifas amplas e agressivas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, fizeram os mercados de ações globais despencarem, preparando o terreno para uma guerra comercial mundial e aumentando o risco de uma recessão severa.
Especialistas temem que o setor de tecnologia limpa dos EUA seja particularmente vulnerável a uma desaceleração profunda, o que colocaria em risco o progresso do país na redução das emissões de gases de efeito estufa e enfraqueceria sua liderança em um setor essencial e em crescimento.
“É difícil para mim pensar em setores de tecnologia limpa ou climática que não estejam enfrentando enormes riscos”, afirma Noah Kaufman, pesquisador sênior do Center on Global Energy Policy da Universidade Columbia, que atuou no Conselho de Assessores Econômicos durante o governo do presidente Joe Biden.
“Acho que somos um país sem uma estratégia climática federal neste momento, com uma economia caminhando na direção errada, então não vejo muitos motivos para otimismo”, acrescenta.
A profundidade e o alcance das mudanças econômicas que se aproximam dependem de muitas variáveis ainda em jogo — e das reações que ainda estão por vir. Em especial, as negociações em andamento no Congresso sobre o orçamento definirão o destino dos subsídios para veículos elétricos, produção de baterias e outras tecnologias limpas. Muitos desses programas foram criados pela principal legislação climática do ex-presidente Biden, a Lei de Redução da Inflação (Inflation Reduction Act).
Mas os desafios estão aumentando, assim como os riscos que se espalham por todo o setor de tecnologia limpa e tecnologia climática. Em particular, qualquer desaceleração da economia como um todo ameaça reduzir o financiamento corporativo e de capital de risco para startups que trabalham com remoção de carbono, combustíveis sintéticos para aviação, veículos elétricos de entrega e outras tecnologias que ajudam empresas a cumprir metas de ação climática.
Além disso, as tarifas de Trump — especialmente a alíquota de 54% agora imposta sobre produtos chineses — aumentarão os custos de componentes essenciais para muitas empresas. Vale destacar que os Estados Unidos importaram US$ 4 bilhões em baterias de íon-lítio da China apenas nos quatro primeiros meses do ano passado, o que significa que o aumento tarifário impõe um enorme encargo sobre produtos usados em veículos elétricos, laptops, celulares e muitos outros dispositivos.
Preços mais altos para alumínio, aço, cobre, cimento e diversos outros bens e materiais também elevarão os custos de operação em vários setores, incluindo a construção de turbinas eólicas, usinas solares e plantas geotérmicas. E se China, Canadá, União Europeia e outras nações responderem com medidas comerciais retaliatórias — como amplamente se espera —, também será mais difícil ou mais caro para empresas americanas exportarem produtos como veículos elétricos ou componentes de bateria para mercados internacionais.
Os cortes da administração Trump ao Departamento de Energia e a outros programas federais também podem retirar recursos de projetos de demonstração que ajudam empresas de tecnologia limpa a testar e ampliar suas soluções. E, se o Congresso realmente eliminar certos subsídios previstos na Lei de Redução da Inflação (Inflation Reduction Act), isso pode paralisar projetos bilionários que estão em fase de planejamento — ou até mesmo alguns que já estão em construção.
A crescente incerteza política e o enfraquecimento das condições econômicas por si só já podem estar provocando parte desses efeitos.
Desde que Trump assumiu o cargo, empresas cancelaram, adiaram ou reduziram pelo menos nove projetos ou operações da chamada “cadeia de fornecimento de energia limpa” nos Estados Unidos, segundo o Big Green Machine, um banco de dados mantido por Jay Turner, professor de estudos ambientais no Wellesley College, e seus alunos pesquisadores. Os projetos afetados representam cerca de US$ 8 bilhões em investimentos públicos e privados, além de mais de 9.000 empregos.
Entre eles estão a fábrica de baterias da KORE Power planejada para o Arizona, cuja construção foi interrompida; a expansão pausada da Envision Automotive Energy Supply no condado de Florence, na Carolina do Sul; e o fechamento de duas fábricas da Akasol em Michigan.
A Volkswagen também reduziu a produção em sua fábrica de veículos elétricos recentemente expandida em Chattanooga, Tennessee, em meio ao crescimento mais lento do que o esperado nas vendas e, possivelmente, à expectativa de que a administração Trump tentará revogar os créditos fiscais ao consumidor para a compra de veículos.
“O maior desafio para empresas que fazem investimentos de centenas de milhões ou bilhões de dólares em capital é lidar com a incerteza”, diz Turner. “Incerteza é um verdadeiro obstáculo para quem precisa apostar alto.”
Os investimentos de capital de risco em energia limpa já vêm esfriando há algum tempo. Eles atingiram um pico de US$ 24,5 bilhões em 2022 e se estabilizaram em torno de US$ 18 bilhões por ano nos últimos dois anos, segundo dados da Pitchbook. Os números do primeiro trimestre deste ano ainda não estão disponíveis, mas os analistas do setor estão atentos para ver onde eles vão parar.
Algumas partes do setor de tecnologia limpa podem se manter mais resilientes do que outras durante a administração Trump e diante de uma possível recessão econômica.
O relatório da Pitchbook, por exemplo, observou que a explosão no desenvolvimento de data centers voltados à IA está impulsionando a demanda por “fontes de energia despacháveis” — ou seja, aquelas que podem operar continuamente, como fissão nuclear, fusão e geotermia (embora, na prática, o crescimento dos data centers frequentemente resulte na ativação ou dependência de usinas a gás natural, que emitem gases de efeito estufa).
O novo secretário de Energia de Trump, Chris Wright — ex-CEO da empresa de serviços petrolíferos Liberty Energy — também já se posicionou de forma favorável à energia nuclear e à geotérmica, mas demonstrou pouca simpatia por fontes renováveis como solar e eólica.
No entanto, analistas temem que mais setores percam do que ganhem em qualquer recessão econômica que esteja por vir, e Turner ressalta que as decisões tomadas durante esta administração podem ter efeitos duradouros, que ultrapassem seu mandato.
“A preocupação no curto prazo é que essa indústria emergente de energia limpa nos EUA sofra uma retração significativa, e que o país acabe cedendo esse mercado para outras nações — especialmente a China — que estão ativamente se posicionando para liderar o futuro da energia limpa”, afirma.
A preocupação de longo prazo, acrescenta Turner, é que, se as políticas governamentais para tecnologia limpa continuarem avançando e recuando ao sabor dos humores de cada administração, as empresas deixarão de tentar fazer investimentos de longo prazo que dependem de subsídios, incentivos ou empréstimos públicos.
Catherine Wolfram, professora de energia e economia aplicada no MIT, também observa que a China e a União Europeia estão avançando no desenvolvimento de políticas para reduzir emissões e fortalecer setores livres de carbono. Ela destaca que ambos já estão passando para a parte mais difícil: descarbonizar indústrias pesadas como a do aço — enquanto os EUA “estão perdendo terreno até mesmo na geração de eletricidade limpa”.
“É o pior tipo de excepcionalismo americano”, afirma.