Em uma tarde de inverno, numa sala de conferências em Taipei, duas mulheres na casa dos 20 anos arrastavam sua amiga. Deitada no chão, com calças xadrez e um moletom marrom, ela fingia estar ferida ou morta. Uma a levantou pelos braços, a outra segurou suas pernas, e elas conseguiram movê-la, apesar de quebrarem momentaneamente o personagem e rirem da estranheza do exercício. As três mulheres pagaram cerca de 40 dólares, o que seria algo como 200 reais, para passar o domingo ali, fazendo um treinamento básico para se prepararem para uma possibilidade sobre a qual todo cidadão taiwanês tem uma opinião: a China vai invadir?
A política de Taiwan gira cada vez mais em torno dessa questão. O Partido Comunista Chinês deseja tomar a ilha há mais de meio século. Mas, nos últimos anos, o líder Xi Jinping tem dado maior ênfase à ideia de “recuperar” a ilha (que nunca foi reamente controlada). À medida que o poder econômico e militar da China cresce, alguns analistas acreditam que o país agora tem a capacidade de isolar Taiwan sempre que quiser, tornando a decisão um cálculo de custos e benefícios.
Muitos em Taiwan e em outros lugares acreditam que um grande fator de dissuasão está relacionado ao papel crucial da ilha na fabricação de semicondutores. Taiwan produz a maioria dos semicondutores do mundo e mais de 90% dos chips mais avançados necessários para aplicações de Inteligência Artificial. A Bloomberg Economics estima que um bloqueio custaria à economia global, incluindo a da China, US$ 5 trilhões no primeiro ano.
A ilha deve sua dominância notavelmente desproporcional na fabricação de chips à criatividade e competência de uma única empresa: a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company, ou TSMC. A fabricante de chips, que atingiu uma capitalização de mercado de US$ 1 trilhão em julho, contribuiu mais do que qualquer outra para o papel insubstituível de Taiwan na cadeia de suprimentos global de semicondutores. Seus clientes incluem a Apple e o principal designer de chips Nvidia. Seus chips estão no seu iPhone, no seu laptop e nos data centers que operam o ChatGPT.
Para uma empresa que fabrica um produto invisível, a TSMC desempenha um papel notavelmente proeminente na sociedade taiwanesa. Já ouvi pessoas falarem sobre ela ao fundo, em bares barulhentos na cidade de Tainan e ouvi motoristas de táxi em Taipei conectar a situação de segurança de Taiwan à empresa, sem que eu perguntasse. “Taiwan vai ficar bem”, disse um motorista enquanto passávamos pelo legislativo nacional, “por causa da TSMC.”
A ideia é que os líderes mundiais (particularmente os Estados Unidos), cientes do papel crítico da ilha na cadeia de suprimentos de semicondutores, retaliariam economicamente, e talvez militarmente, caso a China atacasse Taiwan. Isso, por sua vez, desestimula Pequim. “Porque a TSMC é agora a empresa mais reconhecível de Taiwan, ela se inseriu na noção de soberania,” afirma Rupert Hammond-Chambers, presidente do US-Taiwan Business Council.
Agora, especialistas e cidadãos da ilha estão preocupados de que esse “escudo de silício”, se é que algum dia existiu, esteja se rachando. Enfrentando pressões de Washington, a TSMC está investindo pesadamente na expansão de sua capacidade de fabricação nos Estados Unidos, no Arizona. A empresa também está construindo instalações no Japão e na Alemanha, além de manter uma fábrica na China continental, onde vem produzindo chips menos avançados desde 2016.
Em Taiwan, há a preocupação de que a expansão no exterior dilua o poder da empresa em casa, fazendo com que os Estados Unidos e outros países se sintam menos inclinados a acreditar que Taiwan merece ser defendido. Os investimentos da TSMC nos EUA não vieram com garantias para Taiwan em retorno e membros de alto escalão do partido de oposição de Taiwan acusaram o Partido Progressista Democrático de estar apostando com o futuro da ilha. Não ajuda o fato de que a expansão da TSMC no exterior coincida com o que muitos veem como uma postura preocupante na Casa Branca. Além de sua filosofia “America First”, Donald Trump se recusou a comentar a questão específica de saber se os EUA interviriam caso a China tentasse tomar Taiwan à força. “Eu nunca quero me colocar nessa posição”, disse ele em fevereiro.
Ao mesmo tempo, o interesse de Pequim por Taiwan tem continuado sem interrupções. Embora a China esteja avançando em direção à autossuficiência em semicondutores, ela ainda está em um período de transição, com empresas dependendo de chips fabricados no exterior, em Taiwan, alguns em conformidade com os controles de exportação e outros contrabandeados. Enquanto isso, o PCC insiste persistentemente que a tomada da ilha traria uma espécie de reunião familiar. “É a aspiração comum e responsabilidade sagrada de todos os filhos e filhas chineses realizar a reunificação completa da pátria”, dizia uma declaração emitida pelo ministério das Relações Exteriores após a visita controversa de Nancy Pelosi a Taiwan, em 2022. Embora seja impossível saber toda a extensão das motivações de Pequim, também há um apelo estratégico óbvio: controlar a ilha daria à China acesso a águas profundas, o que é crucial para rotas navais e submarinos. Além disso, poderia interromper significativamente o acesso das empresas americanas de IA aos chips avançados.
Enquanto a China aumenta seu poderio militar, Taiwan está tentando tornar-se impossível de ignorar. O governo taiwanês tem retratado cada vez mais a ilha como essencial estrategicamente para a comunidade global, com os semicondutores como sua principal oferta. “A comunidade internacional deve certamente fazer tudo o que estiver ao seu alcance para evitar um conflito no estreito de Taiwan; o custo seria grande demais”, disse o presidente de Taiwan, Lai Ching-te, em uma entrevista no início deste ano à Nippon Television, do Japão. Partes da comunidade internacional estão ouvindo essa mensagem e aproveitando a oportunidade que ela apresenta: no início deste mês, a empresa de tecnologia de defesa Anduril Industries anunciou que abrirá um novo escritório em Taiwan, onde expandirá parcerias e venderá munições autônomas.
Por sua parte, a indústria de chips está demonstrando ativamente seu compromisso com Taiwan. Enquanto outros CEOs de tecnologia participaram da segunda posse de Trump, por exemplo, o CEO da Nvidia, Jensen Huang, se reuniu com o presidente da TSMC, e a empresa anunciou em maio que sua sede internacional seria em Taipei. Nos últimos anos, autoridades do governo dos EUA também começaram a prestar mais atenção à situação de segurança de Taiwan e à sua interconexão com a indústria de chips. “Houve um momento em que todos começaram a perceber a dependência da TSMC”, diz Bonnie Glaser, diretora executiva do Programa Indo-Pacífico do German Marshall Fund. A conscientização surgiu, segundo ela, ao longo da última década, mas foi reforçada em março de 2021, quando Phil Davidson, então líder do Comando Indo-Pacífico dos Estados Unidos, testemunhou ao Comitê de Serviços Armados do Senado que poderia haver uma invasão até 2027. Paralelamente à ameaça de segurança está o potencial problema da dependência excessiva, já que tanta capacidade de fabricação de chips está concentrada em Taiwan.
Por enquanto, Taiwan enfrenta um emaranhado de interesses e prazos. A China apresenta sua reivindicação sobre Taiwan como uma inevitabilidade histórica, embora com um cronograma incerto, enquanto o relacionamento dos Estados Unidos com a ilha está focado em um futuro impulsionado pela IA. Mas, do ponto de vista de Taiwan, a luta pelo seu destino está ocorrendo agora, em meio a uma instabilidade geopolítica sem precedentes. Os próximos anos provavelmente determinarão se a dominância da TSMC na fabricação de chips será suficiente para convencer o mundo de que Taiwan merece ser protegido.
A inovação construída sobre interconectividade
A TSMC é uma história de sucesso incontestada. Seu fundador, Morris Chang, estudou e trabalhou nos Estados Unidos antes de ser atraído para Taiwan para iniciar um novo negócio com a promessa de apoio estatal e mão de obra qualificada a baixo custo. Chang fundou a TSMC em 1987 com base em seu modelo de negócios inovador. Em vez de projetar e produzir chips internamente, como era o padrão, a TSMC atuaria como uma fundição: os clientes projetariam os chips e a TSMC os fabricaria.
Esse foco na fabricação permitiu otimizar operações, acumulando conhecimento de processo e, eventualmente, superando concorrentes como a Intel. Isso também liberou outras empresas para se tornarem “fabless”, ou seja, sem suas próprias fábricas de semicondutores, ou “fabs”, e direcionar seus recursos para outras partes do processo de fabricação de chips. Aproveitar a cadeia de suprimentos de eletrônicos domésticos de Taiwan se mostrou eficaz e eficiente para a TSMC. Ao longo da década de 1990 e início dos anos 2000, a demanda global por semicondutores que alimentavam computadores pessoais e outros dispositivos continuou a crescer. A empresa prosperou.
Em 2022, os EUA impuseram controles de exportação à China, restringindo seu acesso a chips avançados. Taiwan foi forçada a escolher entre cumprir, cortando os clientes chineses, ou arriscar perder o apoio do país que abrigava 70% de sua base de clientes e, possivelmente, 100% de suas esperanças de apoio militar externo em caso de um ataque.
Logo depois, Chang anunciou que acreditava que a globalização e os mercados livres estavam “quase mortos”. Os quase três anos desde então mostraram que ele tinha razão. Por um lado, em contraste com a busca do presidente Biden por integração da cadeia de suprimentos com aliados democráticos, a política externa do presidente Trump é caracterizada pelo respeito a grandes potências não democráticas e tarifas punitivas contra os rivais e amigos da América. Trump abandonou em grande parte a diplomacia econômica do antecessor com aliados europeus e asiáticos, mas manteve seu protecionismo direcionado à China, e acrescentou seu tradicional transacionalismo. Em uma medida sem precedentes no início deste mês, a administração permitiu que a Nvidia e a AMD vendessem chips previamente banidos para a China, com a condição de que as empresas pagassem ao governo 15% das receitas obtidas com as vendas para a China.
O protecionismo, ao que parece, estimula a autossuficiência. O governo da China tem feito um esforço maciço para aumentar suas capacidades de produção de chips domésticos, um objetivo identificado no início da ascensão de Xi, mas que foi acelerado após os controles de exportação impostos por Washington.
Qualquer esperança que os EUA tenham de expandir significativamente a produção doméstica de chips vem de seus amigos, com a TSMC em primeiro lugar. A indústria de semicondutores se desenvolveu como um empreendimento global por questões práticas, aproveitando as forças de cada região: o design nos EUA e a fabricação na Ásia, com insumos chave da Europa essenciais para o processo. No entanto, o governo dos EUA, imerso em sua “guerra tecnológica” com a China, está agora determinado a desglobalizar a cadeia de suprimentos de chips, ou pelo menos trazer o máximo possível dela para dentro do país. Mas há um problema: o melhor fabricante de chips não é americano. É a TSMC. Mesmo que alguma produção aconteça no Arizona, os EUA ainda dependem do ecossistema de fabricação de chips de Taiwan. E copiar essa cadeia de suprimentos fora de Taiwan pode ser mais difícil do que a administração atual imagina.
As incertezas de segurança modernas de Taiwan decorrem da questão há muito contestada da soberania da ilha. Após perder a Primeira Guerra Sino-Japonesa no final dos anos 1800, a dinastia Qing cedeu Taiwan ao controle imperial japonês. A ilha foi a “colônia modelo” do Japão até 1945, quando as negociações pós-guerra resultaram em sua transferência para a República da China sob Chiang Kai-shek, do Partido Nacionalista, conhecido como KMT. O Partido Comunista Chinês (CCP), sob Mao Zedong, derrotou os nacionalistas em uma guerra civil travada no continente até 1949. Chiang e muitos de seus generais derrotados fugiram para Taiwan, onde controlaram a ilha sob lei marcial por quase 40 anos.
Taiwan realizou suas primeiras eleições democráticas livres em 1996, dando início a uma rivalidade bipartidária entre o KMT, que favorece relações mais próximas com Pequim, e o DPP, que se opõe à integração com a China. Questões práticas como o crescimento econômico são centrais nas eleições taiwanesas, mas também está em jogo a questão abrangente de como lidar da melhor forma com a ameaça de invasão, que persiste há quase 80 anos. O DPP está cada vez mais defendendo o aumento dos gastos com defesa e a preparação civil para garantir que Taiwan esteja pronta para o pior, enquanto o KMT apoia negociações diretas com Pequim.
Enquanto isso, as incursões militares chinesas ao redor de Taiwan, conhecidas como táticas da “zona cinza”, porque ficam aquém de atos de guerra, estão se tornando cada vez mais frequentes. Em maio, o ministério da defesa estimou que os aviões de guerra chineses estavam entrando na zona de defesa aérea de Taiwan mais de 200 vezes por mês, contra menos de dez vezes por mês, há cinco anos. A China tem realizado exercícios simulando ações necessárias para uma invasão em grande escala ou um bloqueio, que isolaria Taiwan do resto do mundo. Oficiais militares chineses agora falam publicamente sobre a possibilidade de realizar um bloqueio, afirma Lyle Morris, especialista em política externa e segurança nacional do Asia Society Policy Institute. “Eles estão punindo Lai e o DPP,” diz Morris. Enquanto isso, o PCC tem seus próprios cidadãos para prestar contas: Quando se trata da questão de Taiwan, diz Morris, “Pequim provavelmente está bastante preocupado com a insatisfação do povo chinês caso não adotem uma postura agressiva o suficiente ou se aparecerem fracos.” De fato, em resposta às recentes declarações políticas de Lai, incluindo uma em que declarou que a China é uma “força estrangeira hostil”, Gao Zhikai, um proeminente acadêmico na China que se opõe à independência de Taiwan, escreveu recentemente: “A reunificação com a pátria não pode ser adiada indefinidamente. Ação decisiva deve ser tomada.”
A intimidação da China fez alguns cidadãos taiwaneses comuns ficarem mais preocupados. Segundo uma pesquisa recente realizada por um think tank focado em defesa, 51% acham que os gastos com defesa devem ser aumentados (embora 65% dos entrevistados tenham dito que achavam que um ataque nos próximos cinco anos era “improvável”). Não importa quanto dinheiro Taipei gaste, o enorme desequilíbrio militar entre China e Taiwan significa que a ilha precisaria de ajuda. Mas, especialmente após a experiência da Ucrânia, muitos acreditam que a ajuda dos EUA dependeria de uma demonstração de vontade de se defender. “Com base em simulações de guerra, Taiwan teria que resistir por um mês antes que os EUA pudessem potencialmente intervir,” diz Iris Shaw, diretora da missão do DPP nos EUA. E o apoio dos vizinhos de Taiwan, como o Japão, pode depender do envolvimento dos EUA.
Mas quão provável é que os EUA intervenham em tal cenário? O autor Craig Addison popularizou o argumento de que o destino de Taiwan está atrelado à sua habilidade de produção de chips em seu livro de 2001, “Silicon Shield: Taiwan’s Protection Against Chinese Attack” (“Escudo de Silício: A Proteção de Taiwan Contra o Ataque Chinês”, em tradução livre). Na época, Addison escreveu que, embora os EUA tivessem sido intencionalmente vagos sobre se entrariam em guerra para proteger a ilha, a dependência tecnológica da América de “uma Taiwan segura e produtiva” tornava altamente provável que Washington interviria. O presidente Joe Biden se desviou dessas décadas de ambiguidade calculada ao afirmar diversas vezes que os EUA defenderiam a ilha no caso de um ataque. No entanto, agora, Trump parece ter adotado a posição oposta, possivelmente apresentando uma oportunidade para Pequim.
TSMC na era Trump
De muitas maneiras, Taiwan se encontra em um dilema. Sente a necessidade de se aproximar dos EUA para proteção, mas essa manobra defensiva é, em si, arriscada. Existe uma crença comum em Taiwan de que forjar laços mais estreitos com os EUA poderia ser perigoso. Segundo uma pesquisa de opinião pública divulgada em janeiro, 34,7% dos taiwaneses acreditam que uma política ” pró-EUA” provoca a China e causará uma guerra.
Mas a política externa do governo Lai está “inevitavelmente entrelaçada com a ideia de que um relacionamento forte com os EUA é essencial,” afirma Hammond-Chambers.
Fortalecer o apoio dos EUA pode não ser a única razão pela qual a TSMC está construindo fábricas fora de Taiwan. Como a empresa destaca, a maioria de seus clientes são americanos. Ela também está respondendo às limitações cada vez mais evidentes de terra e energia de sua base: encontrar locais para construir novas fábricas às vezes causa conflitos com os taiwaneses que, por exemplo, não querem que seus templos e locais de sepultamento ancestrais sejam convertidos em parques científicos. Taiwan também depende de importações para atender a mais de 95% de suas necessidades energéticas e o partido dominante prometeu eliminar a energia nuclear, a fonte de energia renovável mais viável, porém a mais contestada. As tensões geopolíticas agravam essas restrições físicas: Mesmo que a TSMC nunca dissesse isso diretamente, é bastante provável que, se a China atacasse Taiwan, a empresa preferiria permanecer operacional em outros países a ser destruída completamente.
No entanto, expandir as capacidades de fabricação fora de Taiwan não será fácil. “O ecossistema que eles criaram é verdadeiramente único. É uma função da rede de talentos, da cultura e das leis em Taiwan; não é algo que possa ser facilmente replicado em qualquer lugar”, diz Glaser. A TSMC tem 2.500 fornecedores baseados na ilha. Muitos estão a apenas algumas horas de distância de carro ou uma viagem ainda mais curta de trem-bala. Taiwan construiu um polo de chips totalmente operacional, fruto de quatro décadas de inovação, políticas industriais e trabalho especializado.
Como resultado, não está claro se a TSMC conseguirá copiar seu modelo e implantá-lo nos subúrbios de Phoenix, onde tem 3.000 funcionários trabalhando na fabricação de chips. “Deixando de lado o fator geopolítico, eles não teriam expandido para o exterior,” diz Feifei Hung, pesquisadora da Asia Society. Em vez de instalações independentes, as fábricas do Arizona são “apêndices da TSMC que, por acaso, estão no Arizona,” diz Paul Triolo, parceiro e líder de política de tecnologia na consultoria internacional DGA-Albright Stonebridge Group. Quando o complexo estiver operacional, ele representará apenas uma pequena porcentagem da capacidade total da TSMC, sendo que a maior parte continuará em Taiwan. Triolo duvida que a expansão nos EUA trará resultados semelhantes aos que foram construídos em Taiwan: “O Arizona ainda não é isso, e nunca será”.
Ainda assim, o segundo governo Trump colocou ainda mais pressão sobre a empresa para “friendshoring”, ou seja, sem fornecer sinais claros de amizade. Durante a onda do tarifaço, a administração ameaçou aplicar uma “recíprocidade” de 32% sobre Taiwan, uma medida que foi posteriormente pausada e revivida a 20% no final de julho (e ainda estava sendo negociada na data da publicação). A administração também anunciou uma tarifa de 100% sobre as importações de semicondutores, com a ressalva de que empresas com produção nos EUA, como a TSMC, seriam isentas, embora não esteja claro se as importações de fornecedores críticos em Taiwan serão tarifadas. E a ameaça de uma tarifa específica para chips continua. “Isso está em linha com a retórica de [Trump] de restaurar a manufatura nos EUA e usar tarifas como uma ferramenta única para forçar isso”, diz Nancy Wei, analista de comércio e cadeia de suprimentos do Eurasia Group. Os EUA também estão aparentemente considerando aplicar uma multa de US$ 1 bilhão à TSMC após chips fabricados pela empresa terem sido encontrados em dispositivos da Huawei.
Apesar dessas manobras, a TSMC tem sido firme em suas tentativas de conquistar o apoio de Washington. Em março, Trump e o CEO, C.C. Wei, anunciaram juntos um investimento adicional de US$ 100 bilhões (além de um investimento previamente anunciado de US$ 65 bilhões) no hub da TSMC nos EUA, no Arizona. O compromisso representa a maior fonte única de investimento direto estrangeiro de todos os tempos. Embora o acordo tenha sido negociado durante o mandato de Biden, Trump ficou feliz em assumir o crédito por garantir que “os chips de IA mais poderosos serão feitos bem aqui na América”.
A expansão em Arizona também incluirá uma instalação de Pesquisa e Desenvolvimento, um elemento crucial para a transferência de tecnologia e o desenvolvimento de propriedade intelectual. E, para completar, há a cereja no topo do bolo: a TSMC anunciou em abril que, uma vez que todas as seis novas fábricas estejam operacionais, 30% de seus chips mais avançados serão produzidos no Arizona. Até então, acreditava-se que a produção baseada nos EUA ficaria uma geração ou duas atrás. Parece que a pressão pública e, provavelmente, privada da administração teve efeito.
Enquanto isso, enquanto Trump corta programas governamentais e subsídios ao mesmo tempo que exige o “retorno” da manufatura para os EUA, é a TSMC que está executando um programa de aprendizagem para técnicos no Arizona, criando bons empregos americanos. Os líderes da empresa, diz Triolo, devem questionar o quão séria a administração Trump está em relação à política industrial de longo prazo. Provavelmente estão se perguntando “eles entendem o que é necessário para apoiar a indústria de semicondutores, como nosso governo faz?”.
Lidar com uma administração que coloca tão explicitamente a América em primeiro lugar representa “um dos maiores desafios da história para as empresas taiwanesas”, diz Thung-Hong Lin, pesquisador de sociologia da Academia Sinica, em Taipei. A fabricação de semicondutores depende da confiabilidade. Até agora, Trump não ofereceu à TSMC incentivos adicionais para apoiar sua expansão nos EUA, e iniciou uma guerra comercial que afetou diretamente a indústria de semicondutores, em parte, ao introduzir incertezas irreversíveis. “As tarifas de Trump desencadearam uma nova e mais intensificada bifurcação nas cadeias de suprimentos de semicondutores”, diz Chris Miller, autor de Chip War. Por enquanto, Miller afirma que a TSMC deve navegar por um mundo em que os EUA e a China são ambos competidores intensos e, apesar das restrições comerciais, clientes importantes.
Narrativas em guerra
A China tem aproveitado essas mudanças para travar uma guerra de desinformação. Em resposta à visita de Nancy Pelosi a Taiwan em 2022, quando ela era presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Pequim enviou navios de guerra, aviões e propaganda através do estreito de Taiwan. Usando software chinês, hackers infiltraram as telas de exibição nas lojas 7-Eleven de Taiwan para exibir mensagens dizendo à “belicista Pelosi” para “sair de Taiwan”. Isso pode não ser um ato de guerra, mas está muito próximo disso. O “7” é uma instituição do cotidiano na ilha. Não é difícil imaginar como uma tática similar poderia ser usada para espalhar desinformação mais devastadora, alegando falsamente, por exemplo, que o exército se rendeu à China durante uma futura crise.
Taiwan está “perpetuamente na linha de frente” dos ciberataques provenientes da China, diz Francesca Chen, analista de sistemas de cibersegurança no Ministério de Assuntos Digitais de Taiwan. De acordo com o Bureau de Segurança Nacional de Taiwan, os casos de propaganda rastreáveis até a China aumentaram 60% em 2024 em relação ao ano anterior, atingindo 2,16 milhões.
Nos últimos anos, a discussão online sobre os investimentos da TSMC nos EUA “se tornou um ponto focal” das campanhas de desinformação patrocinadas pelo Estado chinês, afirma Chen. Elas afirmam que a TSMC está transferindo sua tecnologia mais avançada, talentos e recursos para os EUA, “enfraquecendo a linha de vida econômica de Taiwan e sua posição crítica nas cadeias de suprimentos globais”. Termos-chave incluem “esvaziamento de Taiwan” e “destaiwanização.” Esse enquadramento retrata a diversificação da TSMC como um símbolo da vulnerabilidade de Taiwan, diz Chen. A ideia é explorar os debates domésticos reais em Taiwan para gerar níveis elevados de divisão interna, enfraquecendo a coesão social e minando a confiança no governo.
Oficiais chineses não têm hesitado em ecoar essas mensagens abertamente: após o mais recente anúncio de investimento dos EUA em março, um porta-voz do Conselho de Assuntos de Taiwan da China acusou o DPP de Taiwan de entregar a TSMC como um “presente” para os EUA. “TSMC virando USMC?”, perguntou um título da mídia estatal, sinalizando a sua americanização. O ex-presidente de Taiwan, Ma Ying-jeou, postou uma crítica assustadoramente similar, alegando que a expansão nos EUA equivale a “vender” a fabricante de chips em troca de proteção.
A expansão da TSMC no exterior pode se tornar um grande tema nas eleições presidenciais de Taiwan em 2028. Isso se encaixa diretamente na política partidária: o KMT pode acusar o DPP de sacrificar os ativos tecnológicos de Taiwan para agradar os EUA, enquanto o DPP pode acusar o KMT de se aproximar da China, mesmo com as incursões militares de Pequim se tornando uma parte mais evidente da vida diária. Resta saber se a mudança da TSMC para os EUA acabará protegendo ou enfraquecendo Taiwan, ou se não terá efeito na segurança e soberania da ilha. Por enquanto, pelo menos, as aspirações da China ainda são grandes.
Para Pequim, de forma inequívoca, Taiwan não é igual à TSMC. Em vez disso, representa a última etapa não cumprida da luta revolucionária do Partido Comunista. Enquadrado dessa forma, a determinação da China em tomar a ilha pode muito bem ser intransigente. Isso significaria que, se Taiwan for manter um escudo que o proteja do peso total da ortodoxia política da China, ele precisará ser feito de algo muito mais forte do que silício.