Diagnosticar e remediar os desequilíbrios em saúde populacional
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Diagnosticar e remediar os desequilíbrios em saúde populacional

Identificar áreas com comportamentos atípicos como utilizações e custos excessivos é o primeiro passo para a criação de um programa de gestão de saúde que traga resultados.

O que você encontrará neste artigo:

Desafios e soluções na área oncológica pós-pandemia
Uso da tecnologia para otimização de custos em autogestões
Dificuldades na implementação de programas de prevenção

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Programas específicos de saúde que visam a benefícios para grupos específicos se consolidam como uma ferramenta indispensável de sustentabilidade para operadoras de planos de saúde, sobretudo as que operam na modalidade de autogestão. Para que seja bem-sucedida, a estratégia precisa ser guiada por um objetivo claro, sem que a assistência médica sofra prejuízos. Pelo contrário, as medidas aplicadas devem ser norteadas para aumentar a qualidade da assistência aos beneficiários.

Mas, então, como conseguir implementar uma ação que realmente gere resultados? Para a diretora de Treinamento e Desenvolvimento da União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (UNIDAS), Patrícia Melo e Souza, elaborar um plano de gestão é como encontrar um diagnóstico para o problema no paciente e então medicá-lo. Em outras palavras, é mapear e encontrar soluções para dificuldades que precisam ser resolvidas.

“Quando você vê um número cheio, você precisa destrinchar esse número. No valor de um custo assistencial, estão incluídos os exames, as internações, as cirurgias eletivas, os tratamentos seriados, os atendimentos de emergência e os próprios programas de prevenção e acompanhamento. Dentro disso, você precisa entender quais estão sendo os seus ofensores, que mudam de acordo com o mercado. A primeira coisa é você entender o perfil do seu público e depois destrinchar onde está tendo um descolamento em relação à média de utilização, para então você instituir um plano de ação”, explica.

Segundo a executiva, há alguns desafios que são comuns na saúde suplementar. Um exemplo é o que acontece hoje com o transtorno do espectro autista (TEA), definido pela Organização Pan-Americana da Saúde como uma “série de condições caracterizadas por algum grau de comprometimento no comportamento social, na comunicação e na linguagem, e por uma gama estreita de interesses e atividades que são únicas para o indivíduo e realizadas de forma repetitiva” e cujos custos têm aumentado significativamente nos últimos anos.

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Avanços nas técnicas diagnósticas têm influência nesse cenário, assim como mudanças regulatórias anunciadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), ampliando a cobertura obrigatória dos planos para o tratamento em sessões com psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos.

Outra área desafiadora para as operadoras de planos de saúde, especialmente após a pandemia da Covid-19, é a oncológica. Após uma ruptura na rotina de exames preventivos, novos casos foram sendo descobertos tardiamente, exigindo tratamentos mais caros e com menor sobrevida. Essas adversidades têm estimulado as autogestões a investirem em programas visando à promoção e à prevenção, assim como maior acompanhamento e monitoramento dos pacientes oncológicos para fins de melhorar a assistência e evitar desperdícios econômicos.

Identificando e resolvendo um gargalo

Patrícia Melo e Souza também é diretora de Seguridade da Fundação de Previdência e Assistência Social Real Grandeza, de onde traz exemplos concretos de programas que foram estimulados em debates e trocas de experiência proporcionados em eventos da UNIDAS. Um deles é o Programa de Apoio ao Paciente Oncológico, iniciado em fevereiro de 2023. O modelo foi inspirado na metodologia holandesa de cuidado e acompanhamento domiciliar, com visitas presenciais ou remotas realizadas por enfermeiras, de acordo com as necessidades do beneficiário. Além disso, o programa também contempla acompanhamento com uma equipe multidisciplinar. Patrícia conta que uma mudança que teve impacto imediato tanto para pacientes quanto para médicos foi o fornecimento de medicamentos oncológicos e não oncológicos orais subcutâneos e intramusculares.

“Foi uma ação que exigiu muita comunicação e trabalho para conseguir a confiança do beneficiário, para esclarecer o motivo de ele estar recebendo aquele medicamento do hospital diretamente da operadora na casa dele, que isso não colocava em risco a qualidade do tratamento. A primeira coisa que eles queriam saber era se estavam recebendo o remédio mais barato. Tivemos que fazer um trabalho explicando que não, que era justamente o contrário, que teríamos mais controle e certeza da origem e da qualidade. Sim, iríamos economizar, mas sem prejuízo ao tratamento e trazendo mais conforto”, detalha a diretora.

O mesmo esforço se deu com os profissionais de saúde, para deixar claro que o fato de estarem fornecendo o medicamento não significava que estavam interferindo na prescrição do médico. Em pouco mais de um ano, o programa gerou uma economia de R$ 7 milhões, segundo a análise da autogestão.

Em alinhamento com o processo de otimização de custos e contenção de desperdícios, houve também uma medida para o aprimoramento de tratamentos seriados.

“Nós começamos a detectar na nossa massa, com idade média de 50 anos, que os tratamentos seriados, como fonoaudiologia e fisioterapia, estavam se tornando ofensores para o nosso custo assistencial, então desenvolvemos a quatro mãos, com uma empresa de tecnologia, uma metodologia de regulação toda feita por especialistas em tratamentos seriados. A gente vem conseguindo um custo evitável de 9,76% desde agosto de 2023 até agora”, diz Patrícia.

A melhoria no processo de regulação dos serviços seriados envolveu a análise detalhada de quase 5 mil guias emitidas, assim como atualização e padronização de códigos de referência para procedimentos seriados. Assim, foi possível evitar excessos e coibir situações irregulares, posto também que sempre que há suspeita de alguma recomendação, como um número de sessões incompatível com a patologia diagnosticada, uma junta médica de especialistas entra em ação para discutir soluções.

Os resultados que programas como os dois citados trouxeram reforçam a certeza de que a gestão em saúde populacional é um dos principais pilares para se alcançar a sustentabilidade no sistema suplementar. Segundo Patrícia, a Fundação Real Grandeza planeja ampliar seus programas de saúde. Está no radar da autogestão o lançamento de um centro de convivência para oferecer atividade física, médica e socialização para trabalhar prevenção junto ao público de aposentados. Também está em construção um projeto-piloto de uma clínica que vai unir saúde básica e especialidades específicas.

Tecnologia no processo

Entre as autogestões vinculadas a entidades públicas, no último ano, o programa de assistência à saúde dos servidores e magistrados do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (PRO-SOCIAL) ganhou notoriedade pelos resultados financeiros conquistados, mesmo apresentando uma das menores tabelas de contribuição per capita do mercado de autogestões públicas.

O PRO-SOCIAL tem uma carteira de 19 mil vidas, sendo 40% delas nas faixas etárias acima dos 40 anos de idade. No mercado há 34 anos, a operadora começou a enfrentar um desequilíbrio em 2010. À frente da autogestão desde 2014, Ionice de Paula Ribeiro afirma que foi necessário buscar ações para manter a sustentabilidade financeira em resposta a novas demandas tecnológicas.

“Temos hoje uma batalha constante. Na medicina, ao contrário de outros setores, a tecnologia e os avanços não barateiam, eles encarecem os produtos. Quanto mais evoluído o serviço e o produto, mais caro ele fica. E hoje tecnologia e medicina caminham juntas e galopantes. Eu assumi em 2014 com essa missão: a conta precisa fechar. A partir disso, adotamos políticas para atingir o equilíbrio”, avalia.

Entre as ações colocadas em prática, o investimento em tecnologias para monitorar dados gerados pelos usuários foi fundamental. Segundo a gestora, eles já contavam com um software utilizado para cadastro e pagamentos. Partindo desse ponto, o sistema ficou mais robusto: houve a implementação de um autorizador eletrônico para procedimentos que trouxe mais agilidade e eficiência.

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Os dados gerados pelo sistema trouxeram informações importantes sobre usos excessivos, conforme relata Ionice: “Um exame caro como o PET-SCAN, que custa entre R$ 4 mil e R$ 7 mil, dependendo do fármaco utilizado, era feito de mês em mês por alguns pacientes em tratamento de câncer, e nós percebemos que isso não fazia sentido, porque é um exame pesado, que expõe o paciente a radiativos. Fomos atrás de outros modelos, eu fui conversar com profissionais e nós trouxemos limites de temporalidade para exames laboratoriais de imagem e com fármacos. Economizamos aproximadamente 30% dos recursos”.

A análise dos dados também trouxe a percepção de que os prazos para retorno de consulta não eram considerados, tendo um custo muitas vezes duplicado. Com o sistema, foi possível ter um controle maior, o que também gerou economia. A gestora compartilha que ainda gostaria de implementar mais programas, especialmente focados em prevenção, mas enfrenta alguns obstáculos.

“O nosso incentivo à prevenção, à adesão de tratamentos, a gente faz por meio dos exames periódicos de saúde, que anualmente são solicitados aos servidores da ativa, que são cerca de 70%. Também fizemos um credenciamento de assistência primária para alcançar os aposentados, mas a adesão não foi muito boa. Ainda temos pouca gerência no processo decisório do nosso beneficiário. Não podemos determinar, por exemplo, que só vamos liberar algum serviço mediante a comprovação da prática de atividade física, como um plano de saúde privado pode fazer. Precisamos incentivar condutas por um lado e, por outro, não perder o equilíbrio financeiro”, relata.

Por:Carolina Abelin Carolina é redatora de Health na MIT Technology Review.

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