O streaming de música pode ser um problema para o meio ambiente e alguns fãs de K-pop querem limpá-lo
Natureza e espaço

O streaming de música pode ser um problema para o meio ambiente e alguns fãs de K-pop querem limpá-lo

Um pequeno grupo de voluntários está aproveitando o poder do fandom de K-pop para a ação climática.

O que você encontrará neste artigo:

A influência dos grupos de K-pop
Pegada de carbono nas festas
A responsabilidade das plataformas
Greenwashing

Banner indicando a posição do botão de download do artigo em formato pdf

No Dia dos Namorados de 2023, cinco fãs de K-pop foram a uma rua movimentada no centro de Seul, um deles com uma fantasia de abelha. Em seguida, começaram a dançar ao som de “Candy”, do boygroup NCT Dream, e desenrolaram uma faixa com uma mensagem para a maior plataforma doméstica de streaming de música da Coreia do Sul: “Melon, vamos usar 100% de energia renovável e ficar felizes com o K-pop pelos próximos 100 anos”.

Algumas semanas depois, a Melon, que tem mais de 4 milhões de usuários ativos na Coreia do Sul, prometeu fazer exatamente isso – comprometendo-se a adotar 100% de energia renovável para seus data centers até 2030.

Foi o ponto culminante de uma campanha organizada pelo Kpop4planet, um pequeno grupo de voluntários que está obtendo um sucesso surpreendente ao mobilizar fãs de K-pop para agir contra as práticas do setor musical que consomem muita energia. Nos últimos anos, a campanha liderou uma série de ações em prol de causas climáticas, garantiu promessas de redução da pegada de carbono do streaming de música e pressionou marcas internacionais a abandonar os combustíveis fósseis em suas cadeias de suprimentos.

Mini Banner - Assine a MIT Technology Review

Os fãs de K-pop são conhecidos há anos por seu incrível poder de organização. À medida que o número cresceu em todo o mundo, eles se tornaram forças políticas influentes, moldando eleições e defendendo mudanças sociais. Foram essas ações que inspiraram dois jovens fãs, Dayeon Lee, da Coreia do Sul, e Nurul Sarifah, da Indonésia, a fundar o Kpop4planet em 2021. Particularmente preocupados com questões ambientais, eles começaram a pensar em como alguns aspectos da cultura K-pop podem exacerbar a degradação ambiental. Por exemplo, o streaming excessivo de música pode gerar emissões de carbono em cada etapa, desde os data centers que processam as solicitações até os dispositivos que reproduzem a música.

“Inicialmente, eu achava que a questão do desperdício de álbuns físicos era muito mais importante”, diz Lee, o jovem tem 21 anos, está cursando uma universidade e atualmente mora no Japão. “Mas fiquei realmente surpreso quando fiz uma pesquisa a fundo (…) [e] percebi que a questão do streaming é muito mais séria porque é um problema de longo prazo.”

Embora a produção e a venda de gravações físicas tenham, é óbvio, uma pegada de carbono, a maioria dos problemas ambientais termina após a compra inicial. Esse não é o caso da distribuição digital. O streaming de um álbum mais de 27 vezes, de acordo com pesquisa de 2019 da Universidade de Keele, no Reino Unido, provavelmente usará mais energia do que a necessária para produzir um CD. Esse tipo de audição acontece com frequência na cultura K-pop, que, muitas vezes, incentiva os fãs a organizarem “festas de streaming”, em que tocam a mesma música repetidamente.

Impulsionado pelo sucesso de sua campanha de streaming, o Kpop4planet recentemente visou empresas de fora do setor musical que se beneficiaram do trabalho com ídolos do K-pop; pediu a elas que fizessem promessas semelhantes em relação à energia renovável ou a outras metas climáticas para garantir o apoio contínuo dos fãs.

O grupo também pressionou a Tokopedia, a maior empresa de comércio eletrônico da Indonésia, a estabelecer um plano de descarbonização. E foi atrás da Hyundai – que tem o grupo BTS como embaixadores da marca – por causa de um acordo comercial para obter alumínio de uma empresa que depende de uma nova usina de carvão. Isso levou a outra grande vitória: em março de 2024, a Hyundai concordou em buscar fornecedores alternativos para seu alumínio.

Essas vitórias podem ser surpreendentes para um grupo com apenas 10 membros em tempo integral. Hyundai e Melon não responderam imediatamente aos pedidos de comentários, portanto, é difícil saber exatamente por que mudaram de rumo.

Mas, por sua vez, Lee acredita que o sucesso do coletivo se deve à sua capacidade de representar os sentimentos genuínos de uma enorme base de fãs e chamar a atenção das empresas para essas demandas. No total, as petições online do Kpop4planet coletaram assinaturas de quase 60 mil fãs em 223 países. E o grupo não para até conseguir o que quer.

“Temos que ser o mensageiro entre as empresas e os fãs de K-pop”, conclui Lee. “Também queremos expandir nossas campanhas para mais corporações globais, porque acreditamos que os fãs de K-pop têm poder e influência suficientes para tornar nossa sociedade mais sustentável.”

A pegada de carbono das “festas de streaming”

Mesmo que o streaming tenha se tornado a maneira dominante de ouvir música, seu consumo de energia – em centros de dados distantes ou por meio de transmissões de telecomunicações invisíveis – continua difícil de ser reconhecido pelo usuário final.

“Acho que o streaming é especialmente nocivo porque esses impactos negativos estão ocorrendo tão longe e de forma tão invisível”, critica Joe Steinhardt, professor-assistente da Universidade Drexel, na Filadélfia, EUA. Ele estuda o setor musical e é autor do livro Why to Resist Streaming Music & How. Ele chama o streaming de música de “uma audição descartável” devido à maneira como um aplicativo continua extraindo dados da nuvem e não os armazenando localmente.

Ainda assim, é difícil definir, de fato, se o streaming prejudica mais o meio ambiente do que a compra de cópias físicas; sua pegada de carbono real depende de muitos fatores. Por exemplo, a transmissão de um vídeo de música ou letra de música em uma TV consome muito mais eletricidade do que o uso de um dispositivo com baixo consumo de energia, como um smartphone. Mas os smartphones apresentam seus próprios problemas: sua fabricação consome muita energia, e as pessoas costumam abandoná-los após um período curto.

Embora o impacto climático geral do streaming ainda esteja sendo estudado, diversos problemas que ele apresenta são, sem dúvida, exacerbados pelo setor de K-pop. O número de vezes que uma música é transmitida é levado em conta nas tabelas de classificação de músicas, competições televisionadas e prêmios. Os artistas com os números mais altos de streaming são vistos como mais bem-sucedidos e, consequentemente, recebem mais recursos e exposição das gravadoras, incentivando os fãs a continuarem fazendo streaming.

Um evento offline realizado para a campanha do Kpop4planet contra o desperdício de plástico em álbuns físicos. (KPOP4PLANET)

Como resultado, muitos K-pop transmitem bem mais do que os ouvintes de outros gêneros. Nas festas de streaming, os fãs tocam músicas recém-lançadas por um longo tempo para mostrar seu apoio, aumentar o número de tráfego e, com sorte, atrair mais fãs para as músicas.

Em 2022, o Kpop4planet fez uma pesquisa com 1.097 fãs (mais de 75% dos quais estavam na Coreia) e descobriu que a maioria deles passava mais de cinco horas por dia em festas de streaming. Isso é quase o dobro do tempo que um consumidor médio de música passaria ouvindo músicas online, segundo a Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI). Em casos extremos, as festas de streaming podem forçar as pessoas a tocar a mesma música em vários dispositivos ao mesmo tempo – às vezes, silenciando-os, de modo que a música nem sequer é ouvida.

“O fandom nesse nível, seja K-pop ou qualquer outro, é um conceito inerente ao desperdício. Ele se baseia em quanto posso desperdiçar para mostrar que amo você”, analisa Steinhardt. Em qualquer gênero musical, os fãs estão acostumados a expressar seu amor por meio de compras excessivas porque é uma transferência financeira para os artistas. O streaming introduziu maneiras novas e menos dispendiosas de atingir o mesmo objetivo, mas, ainda assim, elas são um desperdício.

A solução prática, diz ele, provavelmente não é pedir aos fãs que deixem de ser tão dedicados: “reconheço que há um valor real nisso”, diz Steinhardt. “A questão é: existe uma maneira de fazer isso que não envolva o consumo excessivo?”

Responsabilidade das plataformas de streaming

Em vez de tentar mudar as ações individuais dos fãs, Lee acredita que é mais importante responsabilizar as grandes empresas por seu comportamento. “Acreditamos que os problemas ambientais que os fãs de K-pop estão sofrendo são causados pelas corporações”, compartilha ela. “Elas têm as principais chaves para resolver a crise climática, pois estão emitindo muito carbono na cadeia de suprimentos.”

Portanto, quando a Kpop4planet iniciou sua campanha de streaming de música em 2022, ela se concentrou em uma solução específica: exigir que as empresas de streaming mudassem para energia renovável.

Grande parte das emissões relacionadas ao streaming depende dos recursos específicos que alimentam o data center, usado por uma empresa de streaming. “O processo de streaming em si utiliza energia elétrica, portanto, assim como os carros elétricos, a questão se resume a como estamos produzindo essa energia elétrica”, diz Simon George, professor de Sustentabilidade e Tecnologia Verde na Universidade de Keele. Um servidor localizado em uma região dependente de combustíveis fósseis, por exemplo, gerará mais emissões de carbono do que um servidor alimentado por energia renovável.

E a Coreia do Sul tem muito pouca energia renovável. Em 2022, os combustíveis fósseis geraram 63,6% da eletricidade no país, em comparação com 52,5% da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). As energias renováveis representam menos de 10%. Por causa disso, as plataformas de streaming domésticas coreanas estão consumindo mais combustíveis fósseis para alimentar seus data centers do que suas contrapartes em outros países. “Quanto mais pudermos pressionar para descarbonizar a rede, melhor nos sentiremos em relação ao streaming de música”, conta George.

Poucos fãs de K-pop parecem estar cientes disso. Lee também estava no escuro até formar o Kpop4planet e começar a fazer sua própria pesquisa. Em agosto de 2022, ela fez uma história em quadrinhos explicando por que o streaming pode ser uma preocupação ambiental e a publicou no X (antigo Twitter, onde a história foi compartilhada mais de 18 mil vezes. “Todos ficaram muito chocados. Esse foi o ponto em que nossa campanha de streaming se tornou viral”, diz Lee.

Depois de inicialmente convocar todas as plataformas de streaming a agir, o Kpop4planet se concentrou no Melon. Em uma pesquisa com fãs naquele ano, quase metade dos entrevistados disse que usava o Melon para organizar festas de streaming e que também esperava que a plataforma assumisse a liderança em ações climáticas. Além disso, 71,2% dos fãs disseram que mudariam para uma plataforma de streaming diferente se ela adotasse práticas mais favoráveis ao clima.

“Queremos tornar as plataformas de streaming coreanas mais sustentáveis para que os fãs de K-pop não se sintam culpados por ouvir as músicas favoritas de seus ídolos”, comenta Lee.

Ela e sua equipe estabeleceram uma meta clara e ambiciosa: fazer com que a Melon se comprometesse a usar 100% de energia renovável em seus data centers até 2030, em vez de 2040, que era a promessa original de sua empresa controladora, a gigante coreana de tecnologia Kakao.

No ano seguinte, o Kpop4planet coletou os nomes e as informações de contato de milhares de fãs e obteve o apoio deles para uma carta pública enviada à Melon, descrevendo suas exigências. O Kpop4planet também trabalhou para estabelecer conexões com os funcionários da Melon e convidou repetidamente representantes da empresa para participarem dos eventos offline do grupo com o objetivo de aumentar a conscientização sobre o impacto do streaming.

Por fim, o Kpop4planet convidou a Melon para participar de um baile do Dia dos Namorados; a empresa recusou devido a conflitos de agenda, mas concordou em se reunir para uma conversa particular. Foi então que a plataforma prometeu “transferir todos os dados para a nuvem que não emite nenhuma emissão de carbono até 2030”, segundo Lee. A Melon não respondeu ao pedido de comentário da MIT Technology Review.

Os ídolos do K-pop não são ferramentas de greenwashing

As ações do Kpop4planet fazem parte de uma evolução mais ampla no fandom de K-pop, que “lentamente deixou de enviar presentes para os ídolos e passou a fazer doações ou trabalho voluntário em nome de seus ídolos”, reflete CedarBough Saeji, professor-assistente de Estudos Coreanos e do Leste Asiático na Universidade Nacional de Pusan, na Coreia do Sul.

Nos últimos anos, essas atividades voluntárias se tornaram muito mais políticas e diretas, como a organização, segundo ela, “para financiar a fuga de Gaza de fãs palestinos de K-pop e suas famílias e o boicote a determinados produtos ou grupos de K-pop devido a preocupações com as questões entre Israel e Palestina”. Kpop4planet, observa ela, também falou diretamente com a Assembleia Nacional da Coreia do Sul sobre “como tornar as empresas de K-pop mais amigáveis ao meio ambiente”.

Essa defesa não se concentra mais apenas nas empresas de streaming. O Kpop4planet organizou nove campanhas no total, envolvendo várias marcas coreanas e internacionais que têm aproveitado a grande base de fãs de K-pop para promover seus produtos.

O fato de ter a Hyundai como alvo foi um exemplo particularmente importante. A montadora coreana tem trabalhado com o BTS como embaixadores da marca desde 2018, e o grupo representou, mais recentemente, veículos elétricos e movidos a hidrogênio. Assim, quando o Kpop4planet soube de um acordo entre a Hyundai e um fornecedor de alumínio da Indonésia em 2023, decidiram chamar a atenção para o que consideravam hipocrisia.

O fornecedor de metal tem planos de construir uma nova usina de carvão para a fundição de alumínio e não estava planejando usar energia renovável até o final de 2029, na melhor das hipóteses. Se levado adiante, esse acordo aumentaria as emissões de carbono associadas à Hyundai, atrasando a meta da montadora de atingir a neutralidade de carbono até 2045. (A Hyundai não respondeu imediatamente a um pedido de comentário da MIT Technology Review).

Assim, o Kpop4planet trabalhou em conjunto com os Armys – fãs do BTS – na Indonésia para destacar o impacto local de uma usina de carvão como essa. Inicialmente, os fãs se preocuparam o fato de que uma campanha contra a Hyundai daria uma má reputação ao BTS, mas Lee e seu grupo explicaram que a campanha tinha como objetivo proteger o BTS de ser associado a possíveis atividades de lavagem verde.

O Kpop4planet coletou assinaturas de 11 mil fãs de K-pop em 68 países e entregou uma carta aberta ao escritório da Hyundai em Jacarta. Também convidou os fãs indígenas do país a participarem de campanhas offline, dançando músicas do BTS, compartilhando como seriam pessoalmente afetados e expressando suas demandas diretamente.

Banner Assine a MIT Technology Review Brasil - Escolha seu plano

A mensagem foi transmitida. A Hyundai concordou em se reunir com o Kpop4planet em Seul duas vezes no ano passado. “Eu estava um pouco nervosa antes do encontro, porque são empresas muito grandes”, diz Lee. “Mas eles são como nós e também adoravam a cultura K-pop quando eram jovens.” Nas conversas, a Hyundai disse ao Kpop4planet que “eles se preocupam com os fãs de K-pop porque a influência da indústria do K-pop está ficando cada vez maior em todo o mundo”. Em março, a Hyundai anunciou que encerraria o acordo e buscaria fontes alternativas de alumínio.

Também neste ano, o coletivo colaborou com cinco grupos internacionais de fãs do grupo Blackpink para fazer uma campanha contra quatro grandes marcas de luxo que suas cantoras representam. Agora, o Kpop4planet está conversando com a Kering (proprietária da Gucci e da Saint Laurent) e com a Chanel sobre a redução das emissões e o uso de energia 100% renovável em suas cadeias de suprimentos.

Lee afirma que, em uma reunião pelo Zoom com a Kering, a empresa fez eco à Hyundai, alegando que se importava com os fãs de K-pop como seus clientes, e chamou a estratégia da Kpop4planet de alavancar a influência dos ídolos do K-pop de “moderna” e “criativa”. (A Kering e a Chanel não responderam imediatamente a um pedido de comentário da MIT Technology Review).

De fato, poucos grupos de ativistas climáticos provavelmente abordam suas demandas da maneira como o Kpop4planet faz, com muita dança alegre. “Assisti a alguns vídeos no TikTok e no YouTube de muitos fãs tailandeses de K-pop fazendo alguns covers de dança para protestar pela democracia”, conta Lee. “Foi realmente impressionante, porque é uma das formas mais criativas e pacíficas de expressar suas opiniões. Então, queremos mostrar e destacar esse tipo de elemento divertido dos fandoms de K-pop.”

No centro de todas as campanhas, afinal, está o amor pela música sul-coreana: “Nós [realizamos] ações climáticas porque queremos amar e apoiar nossos ídolos do K-pop por mais tempo.”

Por:Zeyi Yang
Zeyi cobre assuntos ligados à tecnologia na China e Ásia Oriental para a MIT Technology Review.

Último vídeo

Nossos tópicos