No último dia 23 de junho, um satélite discreto de 150 quilos foi lançado ao espaço a bordo da missão Transporter 14 da SpaceX. Ele testa uma tecnologia de navegação por satélite de nova geração, superprecisa, projetada para compensar as deficiências do Sistema de Posicionamento Global (GPS) dos Estados Unidos.
O satélite é o primeiro de uma constelação planejada chamada Pulsar, que está sendo desenvolvida pela Xona Space Systems, sediada na Califórnia. A empresa planeja contar com uma constelação de 258 satélites em órbita baixa da Terra. Embora esses satélites operem de forma semelhante aos usados no GPS, eles orbitarão cerca de 12 mil milhas mais próximos da superfície da Terra, transmitindo um sinal muito mais forte, mais preciso, e mais difícil de ser bloqueado.
“Somente por causa dessa distância menor, emitiremos sinais aproximadamente cem vezes mais fortes que o sinal do GPS”, diz Tyler Reid, diretor de tecnologia e cofundador da Xona. “Isso significa que o alcance dos bloqueadores será muito menor contra nosso sistema, mas também poderemos alcançar mais profundamente locais internos, atravessando várias paredes.”
Um sistema de navegação do século XXI
O primeiro sistema GPS entrou em operação em 1993. Desde então, tornou-se uma das tecnologias fundamentais das quais o mundo depende. Os sinais precisos de posicionamento, navegação e tempo (PNT) emitidos por seus satélites sustentam muito mais do que o Google Maps no seu celular. Eles orientam cabeçotes de perfuração em plataformas de petróleo offshore, registram carimbos de data e hora em transações financeiras e ajudam a sincronizar redes elétricas em todo o mundo.
Mas, apesar de sua natureza indispensável, o sinal de GPS é facilmente suprimido ou interrompido por tudo, desde o clima espacial até torres 5G e bloqueadores do tamanho de um celular, que custam apenas algumas dezenas de dólares. Esse problema já vinha sendo comentado discretamente entre especialistas há anos, mas ganhou destaque nos últimos três anos, desde a invasão da Ucrânia pela Rússia. O crescimento da guerra com drones, que passou a caracterizar esse conflito, também desencadeou uma corrida pelo desenvolvimento de tecnologia para frustrar ataques com drones. Seja bloqueando os sinais de GPS que eles precisam para navegar, seja falsificando o sinal, criando dados de posicionamento falsos, porém convincentes.
O problema crucial é a distância: a constelação do GPS, composta por 24 satélites e alguns sobressalentes, orbita a 20.200 quilômetros da Terra, em uma região conhecida como órbita média. Quando os sinais chegam até os receptores no solo, estão tão fracos que podem ser facilmente sobrepostos por bloqueadores.
Outras constelações existentes de Sistemas Globais de Navegação por Satélite, como o Galileo da Europa, o GLONASS da Rússia e o Beidou da China, têm arquiteturas semelhantes e enfrentam os mesmos problemas.
Mas quando Reid e o cofundador Brian Manning fundaram a Xona Space Systems em 2019, eles não pensavam em bloqueio e falsificação. O objetivo era tornar a condução autônoma pronta para o horário nobre.
Dezenas de carros autônomos da Uber e da Waymo já circulavam por rodovias americanas, equipados com conjuntos caros de sensores, como câmeras de alta resolução e lidar. Os engenheiros imaginaram que um sistema de navegação por satélite mais preciso poderia reduzir a necessidade desses sensores, tornando possível criar um veículo autônomo seguro e acessível o suficiente para se popularizar. Um dia, os carros poderiam até compartilhar seus dados de posicionamento entre si, diz Reid. Mas eles sabiam que o GPS estava longe de ser preciso o suficiente para manter carros autônomos dentro das faixas e longe de outros objetos na estrada, especialmente em áreas urbanas densas, onde os sinais podem ricochetear nas paredes, criando erros.
“O GPS tem o superpoder de ser um sistema ubíquo que funciona da mesma forma em qualquer lugar do mundo”, diz Reid. “Mas é um sistema projetado principalmente para apoiar missões militares, basicamente para permitir que se joguem cinco bombas na mesma tigela. Mas essa precisão de nível métrico não é suficiente para guiar máquinas com segurança em meio a humanos.”
Reid e Manning começaram a pensar em como construir um sistema PNT baseado no espaço que fizesse tudo o que o GPS faz, só que melhor, com precisão de até 10 centímetros e confiabilidade infalível em todas as condições.
A maneira mais fácil de fazer isso é aproximar os satélites da Terra, para que os dados cheguem aos receptores em tempo real, sem atrasos que causam imprecisão. O sinal mais forte dos satélites em órbita baixa também é mais resistente a interferências de todo tipo.
Quando o GPS foi concebido, nada disso era possível. Constelações na órbita baixa da Terra, até 2.000 quilômetros de altitude, exigem centenas de satélites para garantir cobertura constante em todo o globo. Por muito tempo, a tecnologia espacial era cara e volumosa demais para viabilizar constelações tão grandes. Mas, na última década, a miniaturização dos eletrônicos e a redução dos custos de lançamento mudaram essa equação.
“Em 2019, quando começamos, o ecossistema de órbita baixa da Terra estava realmente explodindo”, diz Reid. “Vimos coisas como Starlink, OneWeb e outras constelações decolarem.”
Uma questão de urgência
Nos poucos anos desde o lançamento da Xona, cresceram as preocupações com a vulnerabilidade do GPS em meio a tensões geopolíticas crescentes. Como resultado, encontrar uma substituição confiável tornou-se questão de importância estratégica.
Na Ucrânia, em especial, o bloqueio e a falsificação de GPS tornaram-se tão comuns que munições de precisão americanas, como o sistema de foguetes Himars, tornaram-se efetivamente cegas. Fabricantes de drones de visão em primeira pessoa, símbolo da guerra, tiveram que recorrer à navegação autônoma baseada em IA para manter seus equipamentos em operação.
O problema logo se espalhou para além da Ucrânia. Países vizinhos à Rússia, como Finlândia e Estônia, relataram que a crescente prevalência de bloqueios e falsificações de GPS estava afetando voos comerciais e embarcações na região.
Mas Clémence Poirier, pesquisadora de segurança espacial no ETH de Zurique, afirma que o problema da interrupção do GPS não se limita a zonas de guerra.
“Bloqueadores básicos são muito baratos e extremamente acessíveis a qualquer pessoa na internet”, diz Poirier. “Mesmo os mais simples, do tamanho de um telefone, podem interromper sinais de GPS em uma área de mais de cem metros.”
Em 2013, um caminhoneiro que usava um desses dispositivos para esconder sua localização do chefe acidentalmente causou a interrupção dos sinais de GPS no aeroporto de Newark, em Nova Jersey. Em 2022, o aeroporto de Dallas-Fort Worth relatou uma falha de GPS de 24 horas, o que levou ao fechamento temporário de uma das pistas. A origem da interferência nunca foi identificada. No mesmo ano, o aeroporto de Denver teve uma interrupção de GPS que durou 33 horas.
Corrida pela segurança do PNT
“Xona é uma solução promissora para aumentar a resiliência de infraestruturas críticas dependentes do GPS e mitigar a ameaça de bloqueio e falsificação”, diz Poirier. Mas ela acrescenta que não existe “varinha mágica” e que será necessário “um conjunto de abordagens diferentes” para resolver o problema.
E, de fato, a Xona não é a única empresa tentando oferecer um backup para o GPS, cada vez mais vulnerável. Empresas como a Anello Photonics, de Santa Clara (Califórnia), e a Advanced Navigation, de Sydney, estão testando soluções terrestres: dispositivos de sistema de navegação inercial pequenos e acessíveis o suficiente para uso além da tecnologia militar de ponta. Esses sistemas usam giroscópios e acelerômetros para deduzir a posição de um veículo com base em seus próprios movimentos.
Integradas aos receptores de Posicionamento, Navegação e Tempo (PNT), essas tecnologias podem ajudar a detectar falsificações de GPS e assumir o controle durante a interferência. A navegação inercial existe há décadas, mas avanços recentes em tecnologias fotônicas e sistemas microeletromecânicos a tornaram mais viável.
O conglomerado francês Safran está desenvolvendo um sistema que distribui dados PNT por redes de fibra óptica, que formam a espinha dorsal da internet mundial. Mas o fascínio pelo espaço continua forte: a capacidade de alcançar qualquer lugar a qualquer momento foi o que transformou o GPS de um sistema obscuro em uma infraestrutura da qual quase ninguém consegue mais abrir mão.
E a Xona pode ter concorrência no espaço. A TrustPoint, com sede na Virgínia, está arrecadando fundos para construir sua própria constelação PNT em órbita baixa, e alguns propuseram reaproveitar os sinais da Starlink, da SpaceX, para oferecer serviços PNT.
A Xona espera garantir sua posição no mercado projetando seu sinal para ser compatível com o do GPS, permitindo que fabricantes de receptores GPS integrem facilmente a nova constelação em tecnologias existentes.
Embora a constelação completa só esteja operacional por volta de 2030, Reid afirma que o sistema da Xona já trará valor à infraestrutura existente do GPS quando apenas 16 satélites estiverem em órbita.
A Xona planeja lançar outros quatro satélites no ano que vem e espera ter a maior parte da constelação em funcionamento até 2030.