A saga mortal da controversa terapia genética da Elevidys
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A saga mortal da controversa terapia genética da Elevidys

Medicamento, que foi desenvolvido para tratar a distrofia muscular de Duchenne, tem sido vinculado à morte de dois adolescentes.

Tem sido um período sombrio para a comunidade da Distrofia Muscular de Duchenne (DMD). Houve algum entusiasmo quando, há alguns anos, uma terapia genética para o distúrbio foi aprovada pela primeira vez pela Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA (Food and Drug Administration, ou FDA). O medicamento, Elevidys, agora foi implicado nas mortes de dois adolescentes.

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A aprovação do remédio sempre foi controversa. Havia uma falta de evidências de que realmente funcionasse, para começar. Mas a agência, que antes havia aprovado, agora se voltou contra seu fabricante, a Sarepta Therapeutics. Em uma sequência de eventos excepcionais, o FDA pediu à empresa que parasse de enviar o medicamento no dia 18 de julho. A Sarepta se recusou a cumprir a ordem.

Nos dias seguintes, a empresa cedeu. Mas sua reputação já havia sido afetada. E os acontecimentos deram um golpe devastador nas pessoas desesperadas por tratamentos que possam ajudar a elas mesmas, seus filhos ou outros membros da família.

A DMD é um distúrbio genético raro que causa a degeneração muscular ao longo do tempo. É causada por uma mutação em um gene que codifica uma proteína chamada distrofina. Essa proteína é essencial para os músculos. Sem ela, eles enfraquecem e se deterioram. A doença afeta, principalmente, os meninos, e os sintomas geralmente começam na primeira infância.

Inicialmente, as crianças afetadas geralmente começam a ter dificuldade para pular ou subir escadas. Mas, à medida que a doença progride, outros movimentos também se tornam difíceis. Eventualmente, a condição pode atinge o coração e os pulmões. A expectativa de vida de uma pessoa com DMD melhorou recentemente, mas ainda está entre 30 e 40 anos. Não há cura. É um diagnóstico devastador.

O Elevidys foi desenvolvido para substituir a distrofina ausente com uma versão encurtada e modificada da proteína. Em junho de 2023, o FDA aprovou a terapia para crianças elegíveis de quatro e cinco anos. O custo foi de US$ 3,2 milhões.

A aprovação foi celebrada pelas pessoas afetadas pela DMD, diz Debra Miller, fundadora da CureDuchenne, uma organização que financia pesquisas sobre a condição e oferece apoio às pessoas afetadas. “Não tivemos muitas terapias significativas até agora”, diz ela. “A empolgação foi grande”.

Mas a liberação foi controversa. Ela foi concedida através de um programa de “aprovação acelerada”, que essencialmente diminui o nível de evidência para medicamentos destinados a tratar “doenças graves ou com risco de vida, onde há uma necessidade médica não atendida.”

Elevidys foi aprovado porque parecia aumentar os níveis da proteína modificada nos músculos dos pacientes. Mas não havia sido demonstrado que ele melhorava os resultados dos pacientes: ele havia falhado em um ensaio clínico randomizado.

A aprovação do FDA foi concedida com a condição de que a Sarepta completasse outro ensaio clínico. Os resultados preliminares desse ensaio foram descritos em outubro de 2023 e publicados em detalhes um ano depois. Novamente, o medicamento não atingiu seu “objetivo primário”. Em outras palavras, não funcionou tão bem quanto se esperava.

Em junho de 2024, o FDA expandiu a aprovação do Elevidys. Concedeu a aprovação tradicional para o medicamento tratar pessoas com DMD que têm mais de quatro anos e andam de forma independente, além de uma nova aprovação acelerada para aqueles que não conseguem realizar o mesmo.

Alguns especialistas ficaram horrorizados com a decisão do FDA. Até mesmo alguns dentro da próprio agência discordaram dela. Mas as coisas não eram tão simples para as pessoas que vivem com DMD. Eu conversei com alguns pais de crianças com essa condição há alguns anos. Eles destacaram que as aprovações de medicamentos podem ajudar a trazer interesse e investimentos para a pesquisa sobre o assunto. E, acima de tudo, estavam desesperados por qualquer medicamento que pudesse ajudar seus filhos. Eles estavam desesperados por esperança.

Infelizmente, o tratamento não parece estar cumprindo essa expectativa. Sempre houve questionamentos sobre se ele funciona. Mas agora, surgem sérias dúvidas sobre quão seguro ele é.

Em março, um menino de 16 anos morreu após ser tratado com Elevidys. Ele desenvolveu insuficiência hepática aguda após o tratamento, segundo informou a própria Sarepta em um comunicado. Em 15 de junho, a empresa anunciou a segunda morte: um adolescente de 15 anos que também desenvolveu a condição após o tratamento com Elevidys. A empresa disse que suspenderia o envio do medicamento, mas apenas para pacientes que não conseguem andar.

No dia seguinte, a Sarepta fez uma apresentação online, na qual o CEO Doug Ingram disse que a empresa estava explorando maneiras de tornar o tratamento mais seguro, talvez tratando os receptores com outro remédio que atenua seus sistemas imunológicos. Mas, no mesmo dia, a empresa anunciou que estava demitindo 500 funcionários, 36% de sua força de trabalho. A Sarepta não respondeu a um pedido de comentário.

Em 24 de junho, o FDA anunciou que estava investigando os riscos de resultados graves “incluindo hospitalização e morte” associados ao Elevidys, e “avaliando a necessidade de mais ações regulatórias”.

Houve mais notícias trágicas em 18 de julho, quando foram relatados a morte de um terceiro paciente após um tratamento da Sarepta. Este paciente, de 51 anos, não estava tomando Elevidys, mas estava inscrito em um ensaio clínico para uma terapia genética diferente da Sarepta, projetada para tratar a distrofia muscular de cinturas. No mesmo dia, o FDA pediu à empresa que interrompesse voluntariamente todos os envios de Elevidys. A resposta foi uma recusa a fazer isso.

Foi surpreendente, diz Michael Kelly, diretor científico da CureDuchenne: “Foi uma medida incomum a ser tomada.”

Após ampla cobertura da mídia, incluindo relatos de que o FDA estava “profundamente preocupado” com a decisão e usaria sua “plena autoridade regulatória”, a Sarepta recuou alguns dias depois. Em 21 de julho, a empresa anunciou sua decisão de “voluntariamente e temporariamente” pausar todos os envios de Elevidys nos EUA.

A Sarepta diz que agora trabalhará com o FDA para abordar preocupações sobre segurança e rotulagem. Mas, enquanto isso, a saga deixou a comunidade de DMD lidando com “uma mistura de decepção e preocupação”, diz Kelly. Muitos estão preocupados com os riscos de tomar o tratamento. Outros estão devastados por não poderem mais acessá-lo.

Miller diz que conhece famílias que têm trabalhado com seus provedores de seguros para obter autorização para o medicamento. “É como se o tapete tivesse sido puxado debaixo deles”, diz ela. Muitas famílias não têm outras opções de tratamento. “E sabemos o que acontece quando você não faz nada com a Duchenne”, ela afirma. Outros, particularmente aqueles com filhos adolescentes com DMD, estão decidindo não tentar o medicamento, acrescenta ela.

A decisão sobre tomar ou não o Elevidys já era pessoal e baseada em vários fatores, diz ele. Pessoas com DMD e suas famílias merecem informações claras e transparentes sobre o tratamento para tomar essa decisão.

A decisão do FDA de aprovar o Elevidys foi tomada com dados limitados, diz Kelly. Mas, como as coisas estão hoje, mais de 900 pessoas foram tratadas com Elevidys. “Isso dá ao FDA… uma oportunidade de olhar para dados reais e tomar decisões informadas”, afirma.

“As famílias enfrentando a Duchenne não têm tempo a perder”, diz Kelly. “Elas precisam navegar por um cenário onde a esperança é temperada pela realidade da complexidade médica.”

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