Uma onda de retratações está abalando a Física
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Uma onda de retratações está abalando a Física

Enfrentando artigos problemáticos e dados mal documentados, pesquisadores e editores de periódicos se reuniram em Pittsburgh para definir o melhor caminho a seguir.

O que você encontrará neste artigo:

Escândalos de reprodutibilidade na física
Críticas às revistas científicas
Propostas para melhorar a reprodutibilidade

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Escândalos recentes e altamente divulgados deixaram a comunidade da Física preocupada com sua reputação – e com seu futuro. Nos últimos cinco anos, várias alegações de grandes avanços na computação quântica e na pesquisa de supercondutores, publicadas em revistas de prestígio, foram desintegradas quando outros pesquisadores descobriram que não conseguiam reproduzir os resultados de sucesso.

Em maio, cerca de 50 físicos, editores de periódicos científicos e emissários da National Science Foundation (NSF) se reuniram na Universidade de Pittsburgh para discutir o melhor caminho a seguir. “Para ser sincero, deixamos passar tempo demais”, diz o físico Sergey Frolov, da Universidade de Pittsburgh, um dos organizadores da conferência.

Os participantes se reuniram após as retratações de duas equipes de pesquisa importantes. Uma equipe, liderada pelo físico Ranga Dias, da Universidade de Rochester, alegou ter inventado o primeiro supercondutor de temperatura ambiente do mundo em um artigo publicado em 2023 na Nature. Depois que pesquisadores independentes analisaram o trabalho, uma investigação posterior da universidade de Dias descobriu que ele havia fabricado e falsificado seus dados. A Nature retratou o artigo em novembro de 2023. No ano passado, a Physical Review Letters retirou uma publicação de 2021 sobre propriedades incomuns do sulfeto de manganês, da qual Dias era coautor.

A outra equipe de pesquisa de alto nível consistia em pesquisadores afiliados à Microsoft que trabalhavam para construir um computador quântico. Em 2021, a Nature retirou o artigo de 2018 da equipe que alegava a criação de um padrão de elétrons conhecido como partícula de Majorana, um avanço há muito procurado na computação quântica. Investigações independentes dessa pesquisa descobriram que os pesquisadores haviam escolhido seus dados a dedo, invalidando, assim, suas descobertas. Outra equipe de pesquisa menos divulgada, que buscava partículas de Majorana, teve um destino semelhante, com a Science retratando um artigo de 2017 que alegava evidências indiretas das partículas em 2022.

No empreendimento científico atual, os cientistas realizam pesquisas e enviam o trabalho aos editores. Os editores designam pareceristas anônimos para revisar o trabalho e, se o artigo for aprovado na revisão, o trabalho passa a fazer parte do registro científico aceito. Quando os pesquisadores publicam resultados ruins, não está claro quem deve ser responsabilizado – os pareceristas que aprovaram o trabalho para publicação, os editores do periódico que o publicaram ou os próprios pesquisadores. “No momento, todos estão jogando a batata quente”, diz a cientista de materiais Rachel Kurchin, da Universidade Carnegie Mellon, que participou da reunião de Pittsburgh.

Grande parte da reunião de três dias, denominada International Conference on Reproducibility in Condensed Matter Physics (um campo que abrange pesquisas sobre vários estados da matéria e por que eles exibem determinadas propriedades), concentrou-se no princípio científico básico de que um experimento e sua análise devem produzir os mesmos resultados quando repetidos. “Se pensarmos na pesquisa como um produto pago pelo contribuinte, então a reprodutibilidade é o departamento de garantia de qualidade”, disse Frolov à MIT Technology Review. A reprodutibilidade oferece aos cientistas uma verificação de seu trabalho, e, sem ela, os pesquisadores podem perder tempo e dinheiro em projetos infrutíferos baseados em resultados anteriores não confiáveis, diz ele.

Além das apresentações e dos painéis de discussão, houve um workshop durante o qual os participantes se dividiram em grupos e elaboraram ideias para diretrizes que pesquisadores, revistas e agências de financiamento poderiam seguir para priorizar a reprodutibilidade na ciência. O tom dos procedimentos permaneceu civilizado e, às vezes, até leve. O físico Vincent Mourik, do Forschungszentrum Jülich, uma instituição de pesquisa alemã, mostrou uma foto de uma criança comendo espaguete para ilustrar sua experiência ao investigar o experimento de outra equipe, agora retirado. De vez em quando, a discussão quase parecia uma sessão de aconselhamento para casais, com o diretor do programa da NSF, Tomasz Durakiewicz, pedindo a um painel de editores de periódicos e a um pesquisador que refletissem sobre seu “vínculo íntimo baseado na confiança”.

Mas os pesquisadores não hesitaram em criticar diretamente as revistas Nature, Science e a família de revistas Physical Review, que enviaram editores para participar da conferência. Durante um painel, o físico Henry Legg, da Universidade da Basileia, na Suíça, criticou a revista Physical Review B por ter publicado um artigo sobre um dispositivo de computação quântica de pesquisadores da Microsoft que, por motivos de propriedade intelectual, omitiu informações necessárias para a reprodutibilidade. “Parece um passo para trás”, disse Legg. (Sentado na plateia, o editor da Physical Review B, Victor Vakaryuk, disse que os autores do artigo concordaram em divulgar “os parâmetros restantes do dispositivo” até o final do ano).

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As revistas também tendem a se “concentrar na história”, disse Legg, o que pode fazer com que os editores sejam tendenciosos em relação aos resultados experimentais que correspondem às previsões teóricas. Jessica Thomas, editora -executiva da American Physical Society, que publica as revistas Physical Review, rebateu a afirmação de Legg. “Não acho que, quando os editores leem os artigos, eles estejam pensando em um comunicado à imprensa ou [contando] uma história incrível”, disse Thomas à MIT Technology Review. “Acho que eles estão procurando por uma Ciência realmente boa. ”Descrever a Ciência por meio de narrativas é uma parte necessária da comunicação, diz ela. “Sentimos a responsabilidade de que a Ciência serve à humanidade, e, se a humanidade não consegue entender o que está em nossos periódicos, então temos um problema.”

Frolov, cuja revisão independente com Mourik do trabalho da Microsoft estimulou sua retratação, disse que ele e Mourik tiveram que enviar repetidamente e-mails aos pesquisadores da Microsoft e a outras partes envolvidas para insistir nos dados. “É preciso aprender a ser um idiota”, disse ele à MIT Technology Review. “Não deveria ser tão difícil.”

Na reunião, os editores ressaltaram que erros, má conduta e retratações sempre fizeram parte da Ciência na prática. “Não acho que as coisas estejam piores agora do que no passado”, disse Karl Ziemelis, editor da Nature.

Ziemelis também enfatizou que “as retratações nem sempre são ruins”. Embora algumas retratações ocorram devido à má conduta na pesquisa, “algumas retratações são de uma variedade muito mais inocente – os autores cometeram ou foram informados de um erro honesto e, após reflexão, sentem que não podem mais sustentar as afirmações do artigo”, disse ele ao falar em um painel. De fato, o físico James Hamlin, da Universidade da Flórida, um dos palestrantes e revisor independente do trabalho de Dias, discutiu como ele voluntariamente retratou um experimento de 2009 publicado na Physical Review Letters em 2021, depois que o ceticismo de outro pesquisador o levou a reanalisar os dados.

O que há de novo é que “a facilidade de compartilhar dados permitiu um escrutínio maior do que antes”, diz Jelena Stajic, editora da Science. As revistas e os pesquisadores precisam de uma “abordagem mais padronizada sobre como os artigos devem ser escritos e o que precisa ser compartilhado na revisão por pares e na publicação”, diz ela.

O foco nos escândalos “pode desviar a atenção” dos problemas sistêmicos de reprodutibilidade, diz o participante Frank Marsiglio, físico da Universidade de Alberta, no Canadá. Os pesquisadores não são obrigados a disponibilizar prontamente os dados não processados para análise externa. Quando Marsiglio revisita seu próprio trabalho publicado há alguns anos, às vezes, ele tem dificuldade de lembrar como chegou a essas conclusões porque não deixou documentação suficiente. “Como alguém que não escreveu o artigo conseguirá entendê-lo?”, diz ele.

Os problemas podem surgir quando os pesquisadores ficam muito entusiasmados com suas próprias ideias. “O que mais chama a atenção são os casos de fraude ou manipulação de dados, como alguém que copia e cola dados ou os edita manualmente”, diz o organizador da conferência, Brian Skinner, físico da Universidade Estadual de Ohio. “Mas acho que a questão muito mais sutil é que há ideias interessantes que a comunidade quer confirmar, e, então, encontramos maneiras de confirmar essas coisas.”

Mas alguns pesquisadores podem publicar dados ruins por um motivo mais direto. A cultura acadêmica, popularmente descrita como “publicar ou perecer”, cria uma pressão intensa sobre os pesquisadores para que apresentem resultados. “Não é um mistério ou uma patologia o motivo pelo qual alguém que está sob pressão em seu trabalho pode declarar coisas erradas ao seu supervisor”, disse Eugenie Reich, uma advogada que representa denunciantes científicos, durante sua palestra.

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Notavelmente, a conferência não contou com perspectivas de pesquisadores sediados fora dos EUA, Canadá e Europa, e de pesquisadores de empresas. Nos últimos anos, os acadêmicos se reuniram em empresas como Google, Microsoft e startups menores para fazer pesquisas sobre computação quântica e publicaram seus trabalhos nas revistas Nature, Science e Physical Review. Frolov diz que entrou em contato com pesquisadores de algumas empresas, mas “não deu certo por causa do tempo”, diz ele. Ele pretende incluir pesquisadores dessa área em conversas futuras.

Depois de discutir os problemas no campo, os participantes da conferência propuseram soluções viáveis para o compartilhamento de dados para melhorar a reprodutibilidade. Eles discutiram como persuadir a comunidade a ver o compartilhamento de dados de forma positiva, em vez de ver a demanda por ele como um sinal de desconfiança. Eles também levantaram os desafios práticos de pedir aos alunos de pós-graduação que trabalhem ainda mais, preparando seus dados para análise externa, quando eles já podem levar mais de cinco anos para concluir o curso. Os participantes da reunião pretendem divulgar publicamente um artigo com suas sugestões. “Acho que a confiança na Ciência acabará aumentando se estabelecermos uma cultura robusta de resultados compartilháveis, reproduzíveis e replicáveis”, diz Frolov.

Por:Sophia Chen
Sophia Chen é escritora na MIT Technology Review, focada em temas de física e ciência de materiais.

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