Reajuste dos planos de saúde considera despesas assistenciais e inflação
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Reajuste dos planos de saúde considera despesas assistenciais e inflação

O princípio básico da assistência suplementar está na viabilidade econômica por meio da contribuição dos beneficiários, por isso o comportamento de cada um impacta no preço final do produto para todos.

O Brasil tem uma população estimada de 212,7 milhões de pessoas, segundo projeção realizada em 2021 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Desse total, cerca de 23% (49,8 milhões) possuem plano de saúde, segundo dados de julho da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Como são privados, os planos de assistência médica cobram mensalidade e, por isso, sofrem reajustes anuais como quaisquer outros serviços.  

Dessa maneira, o beneficiário de plano de saúde, seja individual ou coletivo, tem de se organizar financeiramente todo início de ano para um reajuste no valor pago mensalmente. O mesmo ocorre com quem acaba de contratar um novo plano: tem de estar preparado financeiramente para pagar um valor acima daquele que está pagando inicialmente.  

Vale destacar que o princípio básico da saúde suplementar é o mesmo de qualquer seguro: o de mutualismo, em que todos pagam mensalmente para que alguns utilizem quando houver necessidade. Sem esse equilíbrio, os planos de saúde não teriam condições de se manter financeiramente e assegurar os cuidados com seus beneficiários.   

Considerando essa mesma perspectiva, é possível afirmar que quanto mais os usuários de um plano gastam, maior a chance de haver um reajuste de preço mais alto no ano seguinte. Por isso, práticas como a emissão de duas notas fiscais por um único serviço para fins de reembolso – considerada fraude – ou o acionamento desnecessário do plano pelo beneficiário, por exemplo, podem impactar no valor pago por todos. 

“Tecnicamente, a saúde suplementar, por ter base principiológica securitária e amparar os pagamentos na formação do mutualismo, exige que os beneficiários mais saudáveis subsidiem os que necessitam de maior atenção e cuidado e, no chamado pacto intergeracional, os mais novos garantem a manutenção dos mais velhos, que estão mais expostos aos riscos”, detalha o advogado e ex-diretor da ANS Rogério Scarabel. 

Reajuste na mensalidade 

Os reajustes nas mensalidades ocorrem por diferentes critérios: tipo de plano (individual, familiar e coletivo); data de contratação (reajuste anual); e idade dos beneficiários. 

De acordo com a ANS, nos contratos individuais ou familiares, o percentual máximo de reajuste anual é definido pela própria agência reguladora e deverá incidir no mês de aniversário do contrato, ou seja, 12 meses após a contração do plano de saúde. Já no plano coletivo — obtido por empresas ou por um grupo organizado de pessoas, como estudantes, sindicatos e associações —, o percentual de reajuste é definido contratualmente.  

“O cálculo é feito com base na sinistralidade [relação entre procedimentos feitos por um plano e valor pago pelos beneficiários] do grupo e nos termos contratuais negociados entre a entidade e a operadora. Nesse caso, não há determinação específica por parte da ANS”, explica a advogada especialista em direito médico Nycolle Soares.  

Em planos coletivos com menos 30 integrantes, as operadoras devem aplicar um reajuste único, segundo a ANS. Ou seja, as operadoras devem reunir os contratos de diferentes grupos para aplicar um único percentual de reajuste. A medida, chamada de Agrupamento de Contratos (o chamado pool de risco), tem como objetivo diluir os riscos dos contratos para que o reajuste seja aplicado de forma mais equilibrada. 

De acordo com a agência, esse reajuste único deve ser sempre informado aos usuários no site das operadoras no mês de maio, com vigência até abril do ano seguinte. 

Recomposição por faixa-etária 

As regras de recomposição de preço por faixa-etária, por sua vez, são aplicadas tanto para contratos coletivos quanto para individuais e familiares, e são as mesmas para homens e mulheres. A diferença está na data de contratação, conforme informações disponibilizadas pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS). 

Os contratos firmados entre 1999 e 2003 estabelecem sete faixas etárias, de acordo com Resolução 6 do Conselho de Saúde Suplementar: 0 a 17; 18 a 29; 30 a 39; 40 a 49; 50 a 59; 60 a 69 e 70+. Já os estabelecidos a partir de 2003, com a Resolução Normativa 63 da ANS, definem 10 intervalos: 0 a 18; 19 a 23; 24 a 28; 29 a 33; 34 a 38; 39 a 43; 44 a 48; 49 a 53; 54 a 58 e 59+. 

“Toda vez que mudamos de faixa etária, temos uma alocação de risco. Afinal, quanto mais envelhecemos, mais expostos ao risco nós estamos”, reforça Scarabel. 

Fazendo a conta 

O sistema de saúde suplementar se baseia em projeção de custos com procedimentos e insumos, perfis epidemiológicos e demográficos e expectativa de vida dos usuários. “Nos planos coletivos, é analisado também o uso dos serviços por parte daquele grupo em específico”, destaca Nycolle Soares. 

Para o reajuste anual de planos individuais, existe uma composição entre as despesas assistenciais de um ano para outro – no índice chamado IVDA (Índice de Valor das Despesas Assistenciais). “Quando vou calcular o reajuste de 2022, faço uma comparação da despesa de 2021 com o ano de 2020”, exemplifica o advogado. 

Além das despesas, a ANS considera também o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), que reflete a inflação oficial do país. No cálculo do reajuste, o IVDA tem peso de 80% e o IPCA, de 20%. A fórmula utilizada pela agência, então, é: reajuste = (80% * IVDA) + (20% * IPCA expurgado). 

Em 2021, o IPCA fechou com alta de 10,06%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE). A taxa foi a maior desde 2005, quando o índice foi de 10,67%. 

“Tenho 20% do IPCA expurgado dos planos de saúde e 80% da variação da despesa assistencial. Além disso, é retirado do cálculo tudo aquilo que já foi pago da faixa-etária e o fator de ganho de eficiência. A partir disso, essa fórmula compõe o reajuste anual”, explica Scarabel. 

A diferença dos planos individuais para os coletivos é que os coletivos incluem um cálculo por sinistralidade. Se o peso de sinistralidade presente no contrato do serviço for ultrapassado (mais pessoas utilizarem o serviço do que o valor pago pelos beneficiários), haverá uma correção nos valores dos planos.  As mensalidades desses planos, no entanto, costumam ser menores do que a de planos individuais e familiares.  

Todos os índices existem para que os planos de saúde mantenham sua viabilidade econômica e garantam a assistência aos beneficiários.  Afinal, como é de praxe no mercado, o serviço requer o equilíbrio das contas: que os proventos sejam superiores às despesas. 

Reajustes históricos 

Os últimos dois reajustes aprovados pela ANS explicam bem como esse cálculo funciona na prática. Em 2021, os planos de saúde individuais e familiares registraram o primeiro reajuste negativo da história: uma queda de 8,19%, relativa às mensalidades de maio de 2021 a abril de 2022. Ou seja, ficaram mais baratos aos beneficiários. 

A justificativa foi a redução no número de atendimentos em 2020 por conta da pandemia da Covid-19. Com menos sinistros, as despesas assistenciais caíram, reduzindo o índice de reajuste e, consequentemente, o valor das mensalidades. Na época, o advogado Rogério Scarabel ocupava a posição de diretor-presidente substituto da ANS.  

“Em 2021, tivemos um impacto das cirurgias eletivas e diversos outros procedimentos não foram realizados por conta da pandemia. Na comparação, houve uma diminuição na utilização e isso impactou no percentual do reajuste porque 80% do cálculo é a variação da despesa assistencial”, afirma o ex-diretor. 

Dados do Conselho Federal de Medicina (CFM) apontam que em 2020 houve uma queda de 26,9 milhões de procedimentos médicos em comparação ao ano de 2019, sendo 16,6 milhões de exames, 8,8 milhões de consultas, 1,2 milhão de pequenas cirurgias e 210 mil transplantes. 

Em maio deste ano, por sua vez, a ANS aprovou um reajuste de 15,5% nos planos de saúde individuais e familiares até abril de 2023 – o maior desde o início da série histórica em 2000.  

De acordo com Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), o aumento se deve a uma demanda reprimida e à retomada dos serviços após o início da vacinação e pico da Covid-19. A entidade afirma também que a aplicação do reajuste é necessária para a manutenção da sustentabilidade do sistema.   

Em 2021, os brasileiros voltaram a ir a médicos, a buscar atendimento de pronto-socorro e a solicitar diversos outros procedimentos, como cirurgias, transplantes e tratamentos oncológicos. Esse movimento fez com que a atividade econômica fosse retomada, e as despesas dos planos de saúde voltaram a pesar no cálculo do reajuste.  

“Quando há reajustes muito elevados, as pessoas começam a questionar o que está dentro da cobertura. Precisamos levar o reajuste para um patamar menor. Agora, como fazer isso com tamanha pressão por aumento de gastos? Não é simples”, avalia o superintendente-executivo da Abramge, Marcos Novais. 

Novais explica que as contas de um plano de saúde funcionam coletivamente, como as de um condomínio. A diferença, na visão do executivo, é que existe uma dificuldade muito maior em termos de transparência de dados devido ao sigilo da informação pessoal. Por isso, o gasto individual de um beneficiário não pode ser aberto aos demais.  

Eu não posso abrir a conta de uma pessoa que fez um tratamento oncológico e justificar que o reajuste anual foi mais caro por isso”, exemplifica.  

A entidade representativa orienta que os beneficiários avaliem as opções de planos de saúde disponíveis no mercado e reforça que, atualmente, existe a possibilidade de portabilidade de produtos sem cumprimento de carência.  

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Este artigo foi produzido por Manoela Albuquerque, Repórter e Editora de Saúde na MIT Technology Review Brasil.

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