Q+A Roberta Monteiro – Modelos inovadores para o acesso a terapias disruptivas
Aesthetics TrendsBiotech and Health

Q+A Roberta Monteiro – Modelos inovadores para o acesso a terapias disruptivas

Diretora de Acesso ao Mercado da Ultragenyx Brasil fala sobre o momento desafiador de impulsionar terapias gênicas para que elas alcancem seu público.

Com mais de 20 anos de experiência na indústria farmacêutica, Roberta Monteiro está à frente da área de Acesso ao Mercado e Assuntos Governamentais da Ultragenyx Brasil, biofarmacêutica especializada em doenças raras e ultrarraras.

Nesta entrevista à MIT Technology Review Brasil, ela fala sobre a importância dos estudos clínicos locais e as discussões em torno de novos modelos de incorporação no Sistema Único de Saúde (SUS) e na saúde suplementar – incluindo formatos alternativos de pagamento e compartilhamento de risco.

Leia a seguir:

MIT Technology Review Brasil: A Ultragenyx tem um foco bastante definido em doenças raras e ultrarraras. Como as terapias avançadas, especialmente as gênicas, se inserem na estratégia global da companhia e nas prioridades locais aqui no Brasil?

Roberta Monteiro: A Ultragenyx é relativamente nova – a companhia foi fundada em 2010 nos Estados Unidos e estamos presentes no Brasil desde 2017, há oito anos. Atualmente, nós estamos conduzimos estudos clínicos com terapias gênicas aqui no país e temos um pipeline promissor neste sentido – tendo em vista que o foco da companhia é buscar alternativas para doenças com alta necessidade médica não atendida, para as quais normalmente não há opção terapêutica aprovada. Esse é o nosso principal objetivo. O Brasil é um país prioritário para a empresa. Quando olhamos o ciclo de lançamento de novos medicamentos, o país costuma estar sempre na primeira onda – e isso mostra a importância que temos dentro da estratégia global da companhia.

TR: O acesso a terapias inovadoras continua sendo um dos grandes desafios para pacientes com doenças raras. Que caminhos a Ultragenyx tem buscado no Brasil para viabilizar a chegada dessas tecnologias?

RM: Na realidade, estamos em um processo de entendimento. Estamos tentando compreender melhor o ambiente e contribuir com a regulamentação. Um exemplo de contribuição foi a nossa participação na consulta pública da nova resolução de preços da CMED [Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos], em conjunto com entidades de classe. Também estamos acompanhando de perto a incorporação, pelo Ministério da Saúde, da primeira terapia avançada por meio de um modelo alternativo. O objetivo é, justamente, entender esse processo e as propostas que estão sendo discutidas. Na saúde suplementar, a discussão é igualmente relevante: cerca de 25% da população tem plano de saúde, e há debates sobre a lei que prevê a incorporação automática de tecnologias no setor privado após a entrada no Sistema Único de Saúde (SUS) — embora ainda haja questões jurídicas a resolver. Estamos monitorando tudo isso para entender qual seria a melhor forma de garantir acesso aos pacientes. E o que temos percebido é que modelos como o compartilhamento de risco e alternativas de reembolso, sem dúvida, devem fazer parte do futuro.

TR: Como você avalia o ambiente regulatório brasileiro hoje para a incorporação dessas tecnologias? Que avanços seriam necessários para garantir mais segurança jurídica e estimular a inovação no setor?

RM: É um processo em evolução. A norma de precificação vigente, por exemplo, é de 2004, e naturalmente não captura o nível de inovação que temos hoje. O setor privado também tem trazido essa discussão por meio de consultas públicas. Acho que o caminho é justamente esse: atualização. A norma antiga acaba não cabendo mais dentro do contexto das terapias que temos hoje, com o nível de inovação que elas trazem. O preço já está em discussão, mas acredito que o próximo passo seja pensar nas regras de reembolso. Como incorporar essas novas alternativas, tanto no sistema público quanto no privado? A grande questão é se o processo de submissão, os critérios de avaliação, os dados clínicos, as análises de custo-efetividade e impacto orçamentário deveriam seguir exatamente o mesmo modelo que já existe ou se seria necessário um formato diferente. Estamos falando de modelos distintos, com dados e estudos diferentes. Já percebemos esse desafio no caso das doenças raras. Muitas vezes ouvimos que a forma tradicional de avaliar custo-efetividade talvez não seja a mais adequada para esse tipo de condição. E existe bastante literatura que aponta isso. Com as terapias avançadas, é parecido. São alternativas muito específicas e, por isso, faz sentido discutir um modelo de avaliação mais focado. Não dá para aplicar a mesma lógica para tudo.

TR: Como é possível demonstrar, na prática, o valor das terapias avançadas, especialmente em contextos de doenças raras, baixa escala populacional e orçamentos restritos?

RM: Enxergo dois caminhos principais. Um deles é o acompanhamento dos pacientes. Isso é fundamental para que a gente consiga demonstrar o valor real da terapia que está sendo trazida. Outro ponto importante é investir em estudos clínicos realizados dentro do país. A Ultragenyx tem, no Brasil, estudos clínicos em andamento, o que é um diferencial. Isso traz a tecnologia para mais perto e já permite alguma visibilidade dos seus resultados. Além disso, nós focamos bastante em estudos de acompanhamento pós-incorporação. O acompanhamento após o início do tratamento é algo em que a empresa acredita muito. É por meio desse acompanhamento que conseguimos mostrar de forma mais concreta os resultados, o benefício quantitativo que essa terapia pode trazer para o paciente, para o sistema de saúde, para todo mundo envolvido.

TR: Na sua visão, quais áreas terapêuticas têm maior potencial de transformação nos próximos anos? E o que ainda falta para que o Brasil acompanhe essa evolução de forma sustentável?

RM: Vejo um potencial muito grande na área de neurologia. Os distúrbios neurológicos têm recebido bastante atenção. Outra área com perspectivas importantes são os erros inatos do metabolismo. Nesse caso, há uma conexão direta com o Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), que está no centro de uma discussão relevante no Brasil desde que a Lei nº 14.154/2021, a respeito da ampliação do teste do pezinho foi sancionada. Muitas indústrias têm voltado seus esforços para essas duas áreas, que considero bastante promissoras para o futuro. Em relação à capacidade do Brasil de acompanhar essa evolução, quando observamos o campo da avaliação de tecnologias, é possível notar avanços consistentes. É um processo de amadurecimento institucional. E esse aprendizado vem com o tempo, conforme os casos vão sendo analisados. Outro ponto importante é que o processo tem se tornado mais participativo. A Conitec [Comissão Nacional de Avaliação de Incorporação de Tecnologias no SUS], por exemplo, passará a contar com uma cadeira voltada à representação de associações de pacientes, o que amplia a escuta e fortalece o debate. É uma construção contínua, com melhorias em várias frentes. Se o Brasil mantiver esse caminho de escutar todas as partes envolvidas e promover uma discussão democrática, tem condições reais de avançar. Potencial, sem dúvida, existe.

Último vídeo

Nossos tópicos