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O ecossistema de saúde é composto por players em órbitas circulares distintas – com características próprias e interesses por vezes conflitantes. Ainda assim, como na lei da gravitação universal, por meio da qual Isaac Newton explicou a dinâmica do sistema solar e a força atrativa entre os planetas, eles se mantêm em alinhamento. No centro, está o paciente.
Autoridades, empresários e líderes dos segmentos do setor precisam atuar de maneira convergente pela ampliação da coordenação do cuidado em saúde. Em entrevista à MIT Technology Review Brasil, o presidente da Universidade Corporativa da Abramge (UCA) e executivo do Grupo Hapvida, Carlito Marques, avalia que a sustentabilidade do sistema só poderá ser garantida dessa maneira.
“Para realmente funcionar, é preciso que todo o ecossistema de saúde esteja engajado e acredite que, com essa união, é possível melhorar o acesso e a qualidade de vida das pessoas, com sustentabilidade”, afirma.
Nesse caminho, a saúde suplementar e o sistema público também precisam estar integrados. A interoperabilidade de dados e o uso de novas tecnologias servirão como suporte para alcançar esse grande objetivo.
“O prontuário único do cidadão é essencial. O ideal é que isso seja feito pela RNDS [Rede Nacional de Dados em Saúde], para indicar quais são as ações de saúde necessárias para o fortalecimento tanto do sistema público quanto do sistema privado. Também é preciso que
as operadoras se aproximem cada vez mais do beneficiário com o uso de ferramentas de automatização e inteligência artificial”.
MIT Technology Review Brasil: Como a saúde suplementar se insere no ecossistema de saúde no Brasil? Como ela se relaciona com o SUS?
Carlito Marques: A saúde suplementar tem um papel essencial na entrega de saúde à população brasileira na medida em que, ao absorver o cuidado de cerca de 50 milhões de cidadãos, permite ampliar a transferência de recursos na esfera pública, aliviando as pressões sobre o SUS [Sistema Único de Saúde].
Agora, para aumentar o relacionamento entre o sistema público e privado, é preciso fazer mudanças estruturais no setor de saúde, por meio de soluções e processos gerenciais voltados à ampliação da atenção à saúde das pessoas, como a integração dos sistemas de informação — a exemplo do prontuário único do cidadão — , o uso de ferramentas de tecnologia de gestão, protocolos clínicos e sistemas de regulação de acesso.
Uma pesquisa realizada em 2021 pela consultoria McKinsey, com mais de 100 líderes globais do setor da saúde, apontou que quase a totalidade deles concorda com a necessidade da criação de ecossistemas de saúde e de jornadas integradas de cuidado ao paciente. Isto é, os atores do mercado de saúde, seja no ambiente público ou privado, precisam se aproximar, formar redes assistenciais e modelos de negócio que coloquem os pacientes no centro das decisões. Precisam compartilhar dados e seguir protocolos clínicos pré-estabelecidos para oferecer serviços complementares entre si, promovendo a chamada coordenação do cuidado.
A integração dos atores da saúde é fundamental para essa coordenação, agregando resolutividade e qualidade ao processo, podendo ser ele tanto vertical, dentro de um mesmo grupo organizacional, quanto horizontal, com a participação de diferentes grupos. O importante é que isso seja feito de maneira organizada, para de fato se entregar mais valor ao paciente. O modelo integrado dentro de uma única rede de saúde traz o benefício de agilidade, mas requer grandes investimentos. Por outro lado, existe a integração contratual, em que se criam redes sem que, necessariamente, elas pertençam a mesma empresa.
MIT Technology Review Brasil: E quais são os principais players dessa cadeia?
Carlito Marques: Todos os players são importantes e fundamentais para manter o sistema de saúde em funcionamento. Os principais são os profissionais de saúde, hospitais, operadoras, pacientes, fornecedores de insumos, laboratórios e farmacêuticas.
MIT Technology Review Brasil: Uma alteração significativa em algum desses segmentos pode ter impacto no custo dos planos de saúde no futuro?
Carlito Marques: No setor de saúde, todos os segmentos precisam compreender a enorme responsabilidade que têm para a continuidade e a melhoria dos processos e desfechos clínicos. Para a entrega de um melhor resultado, a cadeia produtiva tem de atuar em consonância com os protocolos propostos que, por sua vez, devem ser revisados e aperfeiçoados constantemente. A situação é complexa e exige um diálogo colaborativo entre as fontes pagadoras e os prestadores para que seja possível manter a saúde suplementar assim como a conhecemos.
MIT Technology Review Brasil: Como os planos de saúde podem amortecer o preço sem deixar de ofertar um serviço de qualidade ao beneficiário?
Carlito Marques: A própria coordenação do cuidado é um dos caminhos. O objetivo da gestão integrada da saúde é realmente o de zelar pelo cuidado das pessoas, acolhê-las para antecipar eventuais problemas de saúde e monitorar a sua qualidade de vida.
A expansão da coordenação do cuidado, tanto na iniciativa privada como na pública, evita desperdícios e garante o cuidado certo, na medida certa. Para isso, é preciso reconhecer a performance dos prestadores médicos, a melhoria contínua dos desfechos clínicos, da experiência dos pacientes e da promoção de parâmetros de custo-efetividade.
MIT Technology Review Brasil: Como você enxerga a digitalização da saúde e o surgimento de novas tecnologias do ponto de vista da sustentabilidade?
Carlito Marques: A telessaúde é um caminho sem volta. O que seria de nós sem a telemedicina no período da pandemia? Um levantamento feito pela Abramge [Associação Brasileira das Operadoras de Planos de Saúde] com as associadas responsáveis pelo atendimento de 9 milhões de beneficiários indica que, de abril de 2019 a maio de 2022, foram realizadas ao menos 6,5 milhões de teleatendimentos gerando acesso ágil, prático e sem expor as pessoas a riscos de saúde desnecessários, com cerca de 90% de satisfação dos pacientes.
Outro passo fundamental é aumentar a capacidade de coleta e processamento de dados de maneira inteligente. Nesse caminho, o prontuário único do cidadão é essencial. O ideal é que isso seja feito pela RNDS [Rede Nacional de Dados em Saúde], para indicar quais são as ações de saúde necessárias para o fortalecimento tanto do sistema público quanto do sistema privado. Também é preciso que as operadoras se aproximem cada vez mais do beneficiário com o uso de ferramentas de automatização, inteligência artificial etc.
Temos ainda grandes desafios pela frente, mas acredito que agora eles poderão ser vencidos com uma velocidade muito maior do que antes. Ainda precisamos de mudanças estruturais importantes.
Se daqui a alguns anos existirem operadoras bem-sucedidas com um novo modelo de atuação, podemos ter uma quebra de paradigma confirmada. E, então, nesse caso, podem ocorrer três possibilidades: elas continuarem atuando sozinhas, serem compradas por grandes empresas ou se juntarem a outras empresas, para fortalecer o próprio ecossistema de serviços de saúde.
MIT Technology Review Brasil: Qual mensagem você gostaria que transmitir aos integrantes desse ecossistema?
Carlito Marques: Para realmente funcionar, é preciso que todo o ecossistema de saúde esteja engajado e acredite que, com essa união, é possível melhorar o acesso e a qualidade de vida das pessoas, com sustentabilidade.
Este artigo foi produzido por Manoela Albuquerque, Repórter e Editora de Saúde na MIT Technology Review Brasil.