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Quando Dave Hodson caminhou por campos de trigo na Etiópia em 2010, parecia que tudo havia sido pintado de amarelo. Um fungo de ferrugem estava infectando cerca de um terço das plantações de trigo do país, e os ventos espalhavam esporos que recobriam tudo pelo caminho. “Os campos estavam completamente amarelos. Você caminhava por eles e suas roupas ficavam brilhantemente amarelas”, relembra Hodson.
Na época, Hodson trabalhava na Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) em Roma e viajou para a Etiópia com colegas para investigar a epidemia. No entanto, pouco pôde ser feito: apesar de algumas reservas de fungicidas, quando as autoridades perceberam o que estava acontecendo, já era tarde demais. A Etiópia, maior produtora de trigo da África Subsaariana, perdeu entre 15% e 20% de sua safra naquele ano. “Conversando com os agricultores, eles simplesmente estavam perdendo tudo”, disse Hodson à MIT Technology Review. “E era como, ‘Deveríamos ter conseguido fazer mais para ajudá-los.’”
Hoje, Hodson é cientista principal no CIMMYT, uma organização internacional sem fins lucrativos, e tem trabalhado com colegas em um plano para evitar perdas semelhantes no futuro. Juntamente com Maricelis Acevedo, da Faculdade de Agricultura e Ciências da Vida da Universidade de Cornell, Hodson co-lidera o Sistema de Alerta Antecipado de Doenças do Trigo (Wheat DEWAS), uma iniciativa internacional que reúne cientistas de 23 organizações ao redor do mundo.
O objetivo do Wheat DEWAS é criar um sistema ampliado para monitorar doenças do trigo e prever surtos potenciais, fornecendo alertas em tempo quase real para governos e agricultores. Essa iniciativa visa proteger uma cultura que fornece cerca de um quinto das calorias consumidas no mundo.
Desde que o trigo foi domesticado, há cerca de 8.000 anos, a ferrugem tem devastado colheitas. Esforços de cruzamento de variedades resistentes à ferrugem no século XX ajudaram a aumentar os rendimentos e a conter epidemias em grande parte do mundo. Contudo, a ferrugem está ressurgindo, especialmente na Europa, impulsionada pelas mudanças climáticas que criam condições mais favoráveis à infecção. Regiões vulneráveis na Ásia Meridional e na África também enfrentam ameaças crescentes.
O Wheat DEWAS foi oficialmente lançado em 2023, com um financiamento de US$ 7,3 milhões da Fundação Gates e do Departamento de Desenvolvimento, Relações Exteriores e Cooperação do Reino Unido. Apesar disso, sua eficácia já havia sido testada em 2021, quando outra epidemia ameaçou os campos de trigo da Etiópia. Pesquisadores locais identificaram precocemente uma nova cepa de ferrugem amarela, e graças ao sistema de alerta, o governo conseguiu aplicar fungicidas a tempo, resultando em uma colheita recorde.
O Wheat DEWAS combina esforços e tecnologias em várias frentes. Equipes de patologistas locais monitoram campos de trigo e registram dados por meio de smartphones, coletando informações sobre as variedades cultivadas e tirando fotos e amostras. O projeto também está desenvolvendo aplicativos com IA para identificar doenças analisando imagens.
Outra peça central é o diagnóstico avançado. O centro John Innes, no Reino Unido, em parceria com CIMMYT e o Instituto Etíope de Pesquisa Agrícola, criou o MARPLE, um sequenciador genético portátil do tamanho de um celular. Ele pode testar amostras de trigo para identificar a ferrugem localmente e entregar resultados em dois a três dias, muito mais rápido que os meses exigidos por diagnósticos convencionais.
Os dados coletados são enviados ao Centro de Referência Global de Ferrugem na Universidade de Aarhus, na Dinamarca, onde uma equipe compila informações em um banco de dados centralizado. Essa abordagem colaborativa é essencial, segundo Jens Grønbech Hansen, líder da gestão de dados do projeto: “Ao combinar os dados, conseguimos enxergar padrões que não seriam visíveis de forma fragmentada.”
No Reino Unido, a equipe liderada por Chris Gilligan, na Universidade de Cambridge, utiliza supercomputadores do Met Office para modelar a propagação de esporos de fungos com base nas condições climáticas. Boletins diários com previsões de sete dias são publicados online, e alertas são enviados diretamente aos agricultores, permitindo ações preventivas com semanas de antecedência.
Atualmente, o Wheat DEWAS está focado em oito países: Etiópia, Quênia, Tanzânia e Zâmbia na África, e Nepal, Paquistão, Bangladesh e Butão na Ásia. A expectativa é que o projeto receba mais recursos para se estender a outros países e culturas, como o arroz, que também sofre com patógenos dispersos pelo clima.
Dagmar Hanold, patologista de plantas da Universidade de Adelaide, considera a iniciativa “um trabalho vital para a agricultura global”. Ela ressalta que, apesar dos esforços para criar culturas mais resistentes, novas cepas de patógenos surgem frequentemente, podendo se tornar ainda mais agressivas.