O fim dos automóveis tais como os conhecemos pode estar próximo.
Para limitar o aquecimento global a 1,5°C, os Acordos Climáticos de Paris de 2015 definiram 2050 como um prazo mundial para atingirmos emissões líquidas zero de gases de efeito estufa. Isso significa que grande parte dos veículos movidos a gasolina já precisarão ter saído de circulação até lá. Isso também nos leva a acreditar que até 2035, as chances de não haver mais produção de carros movidos a combustíveis fósseis também são altas, uma vez que os carros costumam ter uma vida útil de 15 a 20 anos.
Em antecipação à transição, várias grandes empresas de automóveis, incluindo GM e Volvo, anunciaram planos para produzir somente carros elétricos antes ou a partir de 2035. Todavia, nem todas as montadoras estão de acordo.
A Toyota, a maior fabricante de automóveis do mundo, enfatiza que, em vez de se concentrar exclusivamente nos Veículos Elétricos (VEs), planeja oferecer uma gama de opções, incluindo veículos que usam células de hidrogênio como combustível. Um porta-voz da Toyota disse a MIT Technology Review americana que a empresa está focada em achar o modo mais rápido de reduzir as emissões de carbono, ao invés da quantidade de veículos de um determinado tipo que poderiam vender.
A empresa continua lançando novos veículos híbridos, incluindo híbridos plug-in capazes de percorrer curtas distâncias usando uma bateria pequena. Em novembro, a Toyota anunciou o modelo 2023 do seu Prius Prime, um híbrido plug-in.
Alguns grupos ambientais criticam a abordagem lenta da empresa em relação aos VEs. Eles argumentam que, para chegar a zero emissões, precisaremos de veículos totalmente elétricos o mais rápido possível.
Entretanto, em entrevistas recentes, o CEO da Toyota, Akio Toyoda, levantou dúvidas sobre a agilidade com a qual a indústria automobilística conseguirá se desvencilhar dos combustíveis fósseis, chamando de um “pedido difícil” a meta dos EUA de fazer com que os VEs alcancem metade das vendas de carros novos até 2030. Enquanto a Toyota se prepara para que as vendas de VEs atinjam 3,5 milhões até 2030 (ou 35% de suas vendas anuais no momento), a empresa também vê os híbridos como uma opção acessível para os clientes e que pode desempenhar um papel fundamental na redução das emissões.
Um conto de dois híbridos
Os veículos chamados de híbridos pertencem a duas categorias diferentes. Os veículos elétricos híbridos convencionais têm uma pequena bateria que auxilia o motor movido a gasolina ao recuperar energia durante a locomoção, como a que seria perdida no decorrer da frenagem. Eles andam pouco, não mais do que alguns quilômetros com a energia da bateria, e devagar. Mas, em contrapartida, a bateria ajuda a aumentar o desempenho do combustível e pode fornecer torque extra. Os modelos originais do Toyota Prius são alguns dos veículos híbridos tradicionais mais conhecidos.
Por outro lado, os veículos híbridos plug-in têm uma bateria cerca de 10 vezes maior que a de um híbrido tradicional, e essa bateria pode ser conectada na rede elétrica e carregada. Os híbridos plug-in costumam andar de 40 a 80 quilômetros usando eletricidade, deixando o motor a gasolina para distâncias mais longas. Lançado em 2012, o Prius Prime é um híbrido plug-in.
Nos EUA, os híbridos convencionais são muito mais comuns do que os veículos completamente elétricos ou que os plug-ins, embora as vendas de VEs tenham crescido com rapidez nos últimos anos.
Vendas de veículos elétricos e híbridos nos EUA
Quando se trata dos efeitos climáticos, os veículos híbridos são uma alternativa simples: adotar o uso de um veículo totalmente movido a gasolina para uma versão híbrida do mesmo modelo significará reduzir as emissões em cerca de 20% durante a direção.
Os híbridos plug-in e os VEs podem ser responsáveis por cortes ainda maiores nas emissões, mas descobrir exatamente o quanto eles ajudam pode ser um exercício complicado. A resposta depende, majoritariamente, dos hábitos de direção e carregamento de baterias, afirma Georg Bieker, pesquisador do Conselho Internacional de Transporte Limpo (ICCT, em inglês).
Não é surpresa nenhuma que os VEs produzam menos emissões de carbono ao longo de suas vidas úteis do que seus equivalentes movidos a gasolina. Uma porção significativa das emissões de um veículo elétrico é atribuída à fabricação, especialmente à produção das baterias. Suas emissões totais também dependem das fontes de eletricidade utilizadas para carregá-las.
Nos EUA, os VEs apresentam emissões ao longo da vida útil entre 60% e 68% mais baixas do que os veículos movidos a gasolina. Na Europa, a economia é ainda maior, entre 66% e 69%. Na China, onde a rede é movida por uma quantidade maior de energia a carvão, os quais são altamente poluentes, os cortes são mais baixos, ficando entre 37% e 45%.
À medida que a rede passar a ser movida mais por energias renováveis e menos por combustíveis fósseis como o carvão, espera-se que a distância entre os VEs e os veículos movidos à gasolina continue crescendo. Por exemplo, em 2030, os VEs que entrarem em circulação na China poderão produzir 64% menos emissões durante sua vida útil do que um carro a gasolina, em comparação com uma economia máxima de 45% atualmente.
Os veículos híbridos plug-in também podem gerar economias significativas de emissões: até 46% (em comparação com os veículos movidos a gasolina) nos EUA.
Economia de emissões de veículos híbridos plug-in e elétricos à bateria em comparação com modelos movidos a gasolina
Fonte: Conselho Internacional de Transporte Limpo (ICCT). Obter dados. Feito com Datawrapper
Segundo Bieker, a diferença entre os EUA e os outros mercados no impacto climático dos híbridos plug-in se deve, em grande parte, aos hábitos de direção. Nos EUA, os veículos movidos a gasolina têm maior consumo de combustível. Portanto, a mudança para a eletricidade possui um impacto maior.
Os hábitos de direção e de carregamento estão no centro do debate sobre os híbridos plug-in: os efeitos climáticos desses veículos dependem da forma como são utilizados. Em casos ideais, os veículos podem usar eletricidade durante a maioria da sua quilometragem. A maioria dos novos híbridos plug-in tem um alcance entre 48 e 80 quilômetros com eletricidade, o que é suficiente para as necessidades diárias de deslocamento de muitas pessoas, diz David Gohlke, analista de energia e meio-ambiente do Argonne National Laboratory, em Illinois (EUA).
“Não acho que eu seja um exemplo representativo de uso do veículo, mas meu híbrido plug-in é um veículo elétrico durante nove meses do ano”, afirma Gohlke. Ele conecta seu veículo todos os dias quando chega em casa para carregá-lo, o que costuma fornecer energia suficiente para ir e vir do trabalho. O tempo frio ainda pode limitar o alcance, então Gohlke acrescenta que costuma usar mais gasolina no inverno.
No entanto, os motoristas de híbridos plug-in podem ter hábitos muito variados. “Há uma grande distância entre o que a regulamentação presume e o desempenho real”, lembra Zifei Yang, chefe do departamento de veículos comerciais ligeiros (VCL) do ICCT. Embora algumas estimativas oficiais da União Europeia (UE) pressuponham que os motoristas utilizem eletricidade cerca de 70 a 85% das vezes, dados autorrelatados mostram que a porcentagem para os automóveis pessoais é mais próxima de 45 a 50%. Os motoristas dos EUA têm hábitos de carregamento semelhantes.
O caminho pela frente
Na recém-aprovada Lei de Redução da Inflação dos EUA, os novos créditos fiscais valem tanto para os híbridos plug-in como para os VEs, desde que cumpram os requisitos de preços e de fabricação nacional estabelecidos.
Todavia, em outros grandes mercados, os impulsos políticos estão favorecendo os VEs em detrimento dos plug-ins. Alguns países europeus, como a Alemanha, estão lentamente começando a eliminar os subsídios aos híbridos plug-in. De acordo com Yang, além da China exigir um alcance elétrico mínimo de cerca de 80 quilômetros, os subsídios para veículos plug-in são inferiores aos dos elétricos.
As várias políticas refletem diferenças nas atitudes dos consumidores: muitos americanos, em particular, continuam relutantes em comprar VEs.
A falta de acesso a locais para carregamento, bem como as preocupações com o alcance, estão entre as principais razões pelas quais os consumidores dos EUA dizem que não considerariam comprar um veículo elétrico, alega Mark Singer, pesquisador do Laboratório Nacional de Energia Renovável (NREL, pela sigla em inglês) dos EUA. Ele ainda acrescenta que essas preocupações tornaram alguns consumidores mais receptivos aos híbridos plug-in do que aos VEs.
Desde o final de 2021, há pouco mais de 6.000 estações de carregamento rápido e um total de cerca de 50.000 locais que oferecem opções para carregamento de VEs nos EUA. Em comparação, existem cerca de 150.000 postos de combustível para carros movidos a combustíveis fósseis. O acesso ao carregamento continua sendo uma preocupação para muitos motoristas, em particular ao longo das estradas interestaduais, que abrigam apenas 6% das estações de carregamento de VEs.
Hoje, um motorista poderia facilmente ter que percorrer centenas de quilômetros até encontrar estações de carregamento rápido, sobretudo nas partes rurais do país. Mas, esse quadro está mudando em um ritmo acelerado: nos últimos anos, o número total de estações de carregamento duplicou nos EUA e o novo financiamento federal continuará apoiando o crescimento da rede.
A transição dos motores de combustão interna já está em andamento. As vendas de VEs continuam crescendo: atingiram 10% das vendas globais em 2022. Porém, a situação não é igual em todos os lugares: a China registrou quase o dobro da média global, com 19%, e os EUA ficaram para trás, com 5,5%.
No fim de 2022, a UE proibiu novas vendas de carros movidos a gasolina a partir de 2035, incluindo híbridos plug-in e qualquer outra coisa que possa queimar combustíveis fósseis. Califórnia e Nova York decretaram proibições semelhantes que também entrarão em vigor em 2035, embora ainda pretendam permitir as vendas de alguns híbridos plug-in.
A descarbonização dos transportes não terá a mesma aparência em todos os lugares. Ainda não se sabe como os híbridos plug-in se encaixam nessa transição, sobretudo no curto prazo e em mercados que ainda não aprovaram regulamentações rígidas sobre vendas futuras de veículos.
Mesmo que os cortes de emissões relativamente modestos que os híbridos trazem não se alinhem com as ambiciosas metas climáticas, as pessoas ainda poderão recorrer a eles em breve. A Toyota, por exemplo, está apostando que os híbridos plug-in, em conjunto com os modelos híbridos convencionais, serão aceitos e adotados pelos consumidores. E é difícil argumentar que a maior montadora do mundo não sabe vender carros.