Por dentro de um laboratório de cimento de última geração
Natureza e espaço

Por dentro de um laboratório de cimento de última geração

Cientistas da startup Sublime Systems querem resolver um de nossos maiores problemas climáticos.

Algumas semanas atrás estive em uma sala com luzes fluorescentes que se refletiam em tanques de aço inoxidável alinhados contra as paredes. O cenário lembrava o de uma cervejaria artesanal de última geração.

Eu não estava em uma degustação, mas sim em uma visita à Sublime Systems, startup sediada em Boston que trabalha para resolver um dos maiores desafios climáticos do mundo: cimento. Hoje, a produção de cimento envolve muitos combustíveis fósseis, sendo o material responsável por 8% das emissões globais. 

Mas talvez não precise ser assim. Me acompanhe para ver o que essa startup vem fazendo e como seu processo pode mudar nossa forma de construir. 

Avanço concreto 

Começando pelo começo: vamos esclarecer algumas definições. O cimento é, basicamente, a cola que dá liga ao concreto. Prédios, calçadas e esculturas são feitos de concreto. O cimento equivale a cerca de 10% de sua composição. 

Eu já escrevi anteriormente sobre os desafios de tornar a produção de cimento mais limpa. Você pode conferir a matéria aqui, caso tenha perdido. 

Resumidamente, o cimento é considerado um pesadelo climático por duas grandes razões. 

Primeiro, seu processo de produção requer temperaturas altíssimas (estamos falando de mais de 1.500 ºC), o que atualmente significa queimar combustíveis fósseis. Segundo, as reações químicas envolvidas na transformação de minerais em cimento para construção liberam dióxido de carbono.  

A solução da Sublime para esse problema está na eletroquímica. Os cofundadores da empresa, Yet-Ming Chiang e Leah Ellis, já deixaram sua marca no mundo das baterias e agora se voltam para os materiais de construção. Trabalhando no MIT, a dupla desenvolveu uma série de reações químicas movidas a eletricidade que transformam minerais no cimento que conhecemos e amamos. Eles fundaram a Sublime Systems em 2020.  

A parte mais interessante de minha visita foi ver como a empresa adapta os resultados obtidos em laboratório para empregá-los em uma escala muito maior. 

BOB O’CONNOR/SUBLIME SYSTEMS 

 

Construindo 

Meu dia começou em um pátio arborizado no prédio da Sublime Systems, onde conversei com Ellis, CEO da empresa. Ela me explicou a evolução da tecnologia de produção de cimento utilizada pela startup, começando no laboratório do MIT, onde fez seu pós-doutorado. 

As coisas começaram devagar: a primeira vez que ela e um colega de laboratório fizeram cimento, foi apenas o volume de mais ou menos um bloco. 

Anos mais tarde, essa pequena escala é quase inconcebível quando visitamos a planta piloto da empresa. O teto parece estar a dezenas de metros de altura e os tanques espalhados pela sala são maiores que eu. 

Essa planta foi inaugurada em novembro de 2022, conta Mike Corbett, chefe de engenharia da Sublime. A equipe correu para construí-la, passando do projeto à execução em cerca de nove meses.  

A empresa está fazendo algo totalmente novo, trazendo a eletroquímica para a produção de cimento. Mas eles conseguiram aproveitar tecnologias de outros setores, como mineração e produção química, para encontrar os equipamentos necessários.  “Geralmente é possível tirar ideias de outros setores para resolver problemas técnicos semelhantes”, diz Corbett. 

O resultado é parte bateria, parte mineração e parte produção de cimento.  

A linha de produção é um grande avanço em relação aos primeiros testes, mas como disse Ellis, no grande esquema da indústria, ainda é “uma fábrica de cimento para formigas”. 

Um caminhão betoneira pode carregar cerca de 20 toneladas de mistura de concreto, o que inclui cerca de duas toneladas de cimento. Com uma produção de 100 toneladas por ano, a Sublime levaria aproximadamente uma semana para produzir concreto suficiente para um único caminhão.  

O próximo passo para a startup é construir uma planta de demonstração que produza cerca de 100 toneladas por dia. “Esse é o tamanho para que você deixe de ser invisível no mundo do cimento”, diz Ellis. O objetivo atual é colocar essa nova planta em funcionamento até 2025. Depois disso, há mais uma etapa: chegar à escala comercial, produzindo cerca de 1 milhão de toneladas por ano. 

O mundo tem uma grande necessidade de cimento, e a Sublime quer expandir sua produção para atendê-la. Embora esse material seja quase invisível para nós atualmente, seu impacto climático é enorme, e tende a crescer. “Todo mundo usa cimento, mesmo que não perceba”, diz Ellis. Assim, temos que ficar de olhos abertos, tanto para ver o cimento a nossa volta, como para mais notícias sobre o tema.  

Leituras relacionadas 

Para mais detalhes técnicos sobre a produção eletroquímica de cimento, bem como sobre um outro método que envolve injetar dióxido de carbono no material, confira essa edição do início deste ano.  

Leah Ellis entrou para nossa lista de 35 inovadores abaixo dos 35 anos em 2021. Leia mais sobre seu trabalho aqui. 

Há uma outra startup em Boston que quer levar eletricidade à indústria pesada, mas seu alvo é a produção de aço. Leia mais sobre a Boston Metal aqui. 

STEPHANIE ARNETT/MITTR 

 

Outra coisa 

Foi aprovada recentemente a venda de carne de laboratório nos Estados Unidos. Em teoria, essa seria uma grande vitória para o clima.  

Mas ainda existem muitas questões sobre o quanto a carne cultivada realmente nos ajudará a reduzir as emissões de nossos alimentos. Para que esses novos produtos sejam, de fato, uma solução para o clima, as empresas que os fabricam precisarão aumentar sua produção e encontrar maneiras de evitar processos caros e com consumo intensivo de energia.  

Você pode se aprofundar nos detalhas do que sabemos sobre carne de laboratório e mudanças climáticas em minha matéria mais recente. 

Acompanhando o clima 

Alterações genéticas em micróbios podem melhorar nossa saúde. Podem também ajudar no combate às mudanças climáticas, se mirarmos naqueles que produzem metano dentro de vacas e outros animais. (MIT Technology Review) 

No dia 4 de julho, a média das temperaturas globais superou o recorde que havia se estabelecido… no dia anterior. Está fazendo calor lá fora, pessoal. (Bloomberg) 

→ O clima extremo está prejudicando a confiabilidade de plantas de gás natural nos EUA. (Bloomberg) 

Infelizmente, não podemos resolver o aquecimento global só com a energia solar dos telhados. Painéis solares em telhados podem suprir, no máximo, um terço de nossas necessidades energéticas. (Los Angeles Times) 

Conheça as startups que querem virar a nova Tesla das bombas de calor, tornando o produto mais prático e atrativo. (Heatmap News) 

A China está produzindo energia eólica e solar em um ritmo surpreendente. O país está a caminho de atingir suas metas para 2030 bem antes do previsto. (The Guardian) 

A fumaça de incêndios florestais no Canada fará parte da vida nos Estados Unidos por um bom tempo. (Associated Press) 

É claro que as mudanças climáticas têm a ver com a escassez de molho Sriracha. (USA Today) 

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