Reino Unido investe em sistema de alarme para pontos de virada climática
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Reino Unido investe em sistema de alarme para pontos de virada climática

A Agência de Pesquisa e Invenção Avançada está destinando 81 milhões de libras esterlinas para que equipes científicas procurem sinais reveladores de mudanças climáticas fora de controle.


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A nova agência de pesquisa do Reino Unido acaba de lançar um programa de 81 milhões de libras (US$ 106 milhões) para desenvolver sistemas que antecipem alertas para caso a Terra se aproxime perigosamente de cruzar pontos críticos de virada climática.

Um ponto de virada climática é um momento crítico a partir do qual certos ecossistemas ou processos planetários começam a se alterar de um estado estável para outro, desencadeando mudanças drásticas, muitas vezes autorreforçadas, no sistema climático.

No dia 4 de setembro, a Agência de Pesquisa e Invenção Avançada (ARIA) anunciou que busca propostas para trabalhar em sistemas para dois pontos de virada climática relacionados. Um deles é o derretimento acelerado da camada de gelo da Groenlândia, que pode elevar drasticamente o nível do mar. O outro é o enfraquecimento do Giro Subpolar do Atlântico Norte, uma enorme corrente que gira no sentido anti-horário ao sul da Groenlândia e que pode ter sido fundamental no desencadeamento da Pequena Idade do Gelo por volta do século XIV.

O objetivo do programa de cinco anos será reduzir a incerteza científica sobre quando esses eventos poderão ocorrer, como eles afetarão o planeta e as espécies nele existentes, e em que período esses efeitos poderão se desenvolver e persistir. Ao final, a ARIA espera entregar uma prova de conceito que demonstre que os sistemas de alerta precoce podem ser “acessíveis, sustentáveis e justificáveis”. Atualmente, não há nenhum sistema dedicado a isso, embora uma pesquisa considerável seja feita para entender melhor a probabilidade e as consequências de se ultrapassar esses e outros pontos de virada climática.

Sarah Bohndiek, diretora do programa de pesquisa de pontos de virada, diz que subestimamos a possibilidade de que o cruzamento desses pontos possa acelerar significativamente os efeitos da mudança climática e aumentar os perigos, possivelmente nas próximas décadas. Com a criação de um sistema de alerta antecipado, “talvez possamos mudar a maneira como pensamos sobre as mudanças climáticas e como nos preparamos para elas’, diz Bohndiek, professora de Física Biomédica da Universidade de Cambridge.

A ARIA pretende apoiar equipes que trabalharão com três objetivos: desenvolver sensores de baixo custo que possam resistir a ambientes adversos e fornecer dados mais precisos e necessários sobre as condições desses sistemas; implantar essas e outras tecnologias de sensoriamento para criar “uma rede de observação para monitorar esses sistemas de virada”; e criar modelos de computador que aproveitem as leis da Física e da Inteligência Artificial para identificar “sinais sutis de alerta precoce de mudança” nos dados.

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Contudo, os observadores enfatizam que projetar sistemas precisos de alerta precoce para qualquer um desses sistemas não seria uma tarefa simples, e talvez não seja possível tão cedo. Além de os cientistas terem uma compreensão limitada desses sistemas, os dados sobre como eles se comportaram no passado são irregulares e cheios de ruídos, e a criação de ferramentas de monitoramento extensivo nesses ambientes é cara e complicada.

Ainda assim, há um amplo consenso de que precisamos entender melhor esses sistemas e os riscos que o mundo pode enfrentar.

Desbloqueando descobertas

É nítido que a queda de qualquer um desses sistemas poderia ter efeitos enormes sobre a Terra e seus habitantes.

Com o aquecimento do mundo nas últimas décadas, trilhões de toneladas de gelo derreteram do manto de gelo da Groenlândia, despejando água doce no Atlântico Norte, elevando o nível dos oceanos e reduzindo a quantidade de calor que a neve e o gelo refletiam de volta para o espaço.

As taxas de derretimento se aceleram à medida que o aquecimento do Ártico avança mais rapidamente do que a média global, e as águas oceânicas mais quentes têm erodido as plataformas de gelo que sustentam as geleiras terrestres. Os pesquisadores temem que, com o colapso dessas plataformas, a camada de gelo se torne cada vez mais instável.

A perda total da camada de gelo elevaria o nível global do mar em mais de seis metros, submergindo as costas e desencadeando migrações em massa devido ao clima ao redor do mundo.

Entretanto, a qualquer momento, o influxo de água doce no Atlântico Norte também poderia desacelerar substancialmente os sistemas de convecção que ajudam a impulsionar o Giro Subpolar, pois a água doce é menos densa e menos propensa a afundar. (A água salgada e fria afunda com mais facilidade.)

O enfraquecimento do Giro Subpolar poderia resfriar partes do noroeste da Europa e do leste do Canadá, deslocar a corrente de jato para o norte, criar padrões climáticos mais irregulares em toda a Europa e prejudicar a produtividade da agricultura e da pesca, segundo um estudo no ano passado.

O Giro Subpolar também pode influenciar a força da Circulação Meridional de Revolvimento do Atlântico (AMOC), uma rede de correntes oceânicas que movimenta abundâncias de calor, sal e dióxido de carbono ao redor do mundo. As especificidades de como um Giro Subpolar enfraquecido afetaria a AMOC ainda são objeto de pesquisas em andamento, porém, uma desaceleração ou desligamento drástico desse sistema é considerado um dos pontos de virada climática mais perigosos. Isso poderia resfriar substancialmente o norte da Europa, entre outros efeitos de grande alcance.

O colapso da AMOC em si, por outro lado, não é o foco do programa de pesquisa da ARIA.

A agência, criada no ano passado para “desbloquear avanços científicos e tecnológicos”, é uma resposta do Reino Unido aos programas de pesquisa DARPA e ARPA-E dos EUA. Outros projetos financiados por ela incluem esforços para desenvolver neurotecnologias de precisão, melhorar a destreza dos robôs e criar sistemas de IA mais seguros e energeticamente eficientes. A ARIA também estabelece programas para o desenvolvimento de plantas sintéticas e explora intervenções climáticas capazes de resfriar o planeta, incluindo a geoengenharia solar.

Bohndiek e outra diretora do programa de pontos de virada, Gemma Bale, professora-assistente da Universidade de Cambridge, são ambas físicas clínicas que, anteriormente, concentravam-se no desenvolvimento de dispositivos médicos. Na ARIA, elas esperavam trabalhar, a princípio, com iniciativas para descentralizar o atendimento médico.

Apesar disso, Bohndiek diz que logo perceberam que “muitas dessas mudanças, necessárias ao nível individual de saúde, serão irrelevantes se a mudança climática realmente ultrapassar esses grandes limites”. E ela acrescenta: “Se vamos acabar em uma sociedade em que o mundo está muito mais quente… O problema da descentralização da assistência médica ainda será relevante?”.

Perigos da virada

Esforços já estão em andamento para desenvolver uma maior compreensão do Giro Subpolar e da camada de gelo da Groenlândia, incluindo a probabilidade, o momento e as consequências de sua mudança para estados diferentes.

Há, por exemplo, expedições de campo regulares para medir e refinar a modelagem da perda de gelo na Groenlândia. Vários grupos de pesquisa já criaram redes de sensores que cruzam diversos pontos do Atlântico, a fim de monitorar as mudanças nas condições dos sistemas correntes mais de perto. Além disso, vários estudos já destacaram o surgimento de alguns “sinais de alerta precoce” de um possível colapso da AMOC nas próximas décadas.

No entanto, o objetivo do programa da ARIA é acelerar os esforços desses estudos e aprimorar o foco do campo na melhoria de nossa capacidade de prever eventos de virada.

William Johns, oceanógrafo especializado na observação da AMOC na Universidade de Miami, afirma que a área continua longe de poder afirmar com confiança que sistemas como o Giro Subpolar ou a AMOC se enfraquecerão além das variações naturais normais, quanto mais dizer quando isso ocorreria precisamente.

Ele enfatiza que ainda há uma grande discordância sobre essas questões entre os modelos e evidências limitadas sobre o que aconteceu antes de esses sistemas cruzarem seus pontos de virada no passado distante, o que dificulta saber até mesmo quais sinais devemos monitorar com mais atenção.

Jaime Palter, professora-associada de Oceanografia da Universidade de Rhode Island, acrescenta que achou “intrigante” a escolha de financiar um programa de pesquisa focado no enfraquecimento do Giro Subpolar. Ela observa que os estudiosos acreditam que o vento impulsiona o sistema mais do que a convecção, que sua conexão com a AMOC não é bem compreendida e que a desaceleração desse último sistema é o que mais concentra a atenção da área e preocupa o mundo.

Ainda assim, tanto ela quanto Johns concordam que fornecer fundos para monitorar esses sistemas mais de perto é fundamental para melhorar a compreensão científica de seu funcionamento e das chances de eles se desviarem.

Intervenções radicais

Então, o que o mundo poderia fazer se a ARIA ou qualquer outro órgão conseguisse desenvolver processos capazes de prever com alta confiança que um desses sistemas entraria em um novo estado, digamos, na próxima década?

Bohndiek enfatiza que os efeitos de alcançar um ponto de virada não seriam imediatos, e que o mundo ainda teria anos, talvez décadas, para adotar medidas que poderiam prevenir o colapso desses sistemas ou começar a se adaptar às mudanças resultantes. No caso do derretimento descontrolado da camada de gelo, isso poderia significar a construção de muros marítimos mais altos ou a realocação de cidades. No caso do enfraquecimento do Giro Subpolar, grande parte da Europa pode ter de procurar outras áreas do mundo para obter seus suprimentos de alimentos.

Previsões mais precisas também poderiam alterar a percepção das pessoas sobre intervenções radicais, como projetos extremamente caros e maciços de Engenharia, no intuito de sustentar as plataformas de gelo ou congelar as geleiras de forma mais estável sobre o leito rochoso em se assentam.

Do mesmo modo, isso poderia alterar como algumas pessoas avaliam os riscos da mudança climática em comparação com os perigos das intervenções, como a geoengenharia solar, que consistiria na liberação de partículas na atmosfera para refletir mais calor de volta ao espaço.

Em contrapartida, alguns observadores apontam que, se água doce suficiente for despejada no Atlântico para enfraquecer o Giro e desacelerar substancialmente o sistema mais amplo de correntes do Atlântico, o mundo tem pouquíssimo a fazer para impedir isso.

“Receio que não haja uma ação possível”, diz Johns. “Você não pode aspirar toda a água doce – não seria viável – e não pode impedir que o gelo derreta na escala que seria necessária.”

Bale reconhece prontamente que eles selecionaram um problema extremamente difícil de resolver, mas enfatiza que o objetivo dos programas de pesquisa da ARIA é trabalhar no “limite do possível”.

“Não sabemos realmente se um sistema de alerta precoce para esses sistemas é possível”, diz ela, “mas acho que, se for possível, sabemos que seria valioso e importante para a sociedade, e isso faz parte da nossa missão”.

Por:

James é editor de energia na MIT Technology Review, focado em assuntos ligados à energia renovável e o uso de tecnologia no combate às mudanças climáticas.

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