Você lembra de 2021, e de como – ainda mais após o anúncio do rebranding do Facebook para Meta – tudo que se falava era do potencial disruptivo e transformador do Metaverso?
Empresas gastaram centenas de milhares de dólares para comprar terrenos no Metaverso, em plataformas como The Sandbox e Decentraland – que, inclusive, rapidamente alcançaram o status de unicórnio, valendo mais de um bilhão de dólares. Também, para que o Metaverso se tornasse mais artístico e personalizado, surgiu a febre dos NFTs, os tokens únicos e não-fungíveis, que também alcançaram avaliações extraordinárias e fizeram artistas ou coletivos como o Yuga Labs (criadores da série de NFTs Bored Ape Yacht Club) ficarem extremamente ricos rapidamente. Mas, tão rapidamente quanto cresceu, o mundo do Metaverso implodiu, e, hoje, conta com plataformas semidesertas e falta de investimento por parte de marcas.
É por isso, que a partir daquele momento, sempre tomo cuidado ao entrar em hypes tecnológicos que prometem mudar o mundo. Isso, porém, durou até chegar a onda da Inteligência Artificial – que, com sua interface mais simples e sua maturidade, me fez de novo encantar como o Metaverso inicialmente fez.
Só que, também, ao usar a IA em meu dia a dia, comecei a perceber que algumas das promessas que ela faz, entre as quais a melhora na produtividade no trabalho, não necessariamente são cumpridas – e isso é comprovado por um recente estudo do professor do MIT Daren Acemoglu, que aponta um possível impacto da IA na produtividade global de apenas 1%.
Aqui, é importante fazer uma confissão: estou usando o ChatGPT cada vez menos, e delegando para “ele” tarefas cada vez menos importantes. Explico-me melhor: assim que o ChatGPT lançou, fui um early user, e confesso que comecei a terceirizar muitas das minhas tarefas do dia a dia para ele. Como palestrante, tenho que criar muito conteúdo, e, particularmente, na parte de escrita e roteirização de novas palestras e de artigos, usava muito o ChatGPT. Ao longo do tempo, porém, fui identificando alguns pontos críticos da IA que fazem com que, hoje, por exemplo, as únicas partes em que uso o ChatGPT é na transcrição de áudios e traduções. Estou me limitando? É possível, mas, ao mesmo tempo, deixe eu explicar as 3 razões pelas quais isso aconteceu:
Notava que a qualidade do output do ChatGPT era consideravelmente pior do que a minha: ao terceirizar para o ChatGPT algo que sabia fazer bem para, “supostamente”, ganhar tempo e ser mais eficiente e produtivo, eu me encontrava sempre inevitavelmente insatisfeito com o que eu lia. Por isso, tinha vezes em que, por falta de tempo, simplesmente mantinha as coisas como estavam, conformando com uma qualidade pior do meu trabalho, ou, em outros casos, após já ter gasto tempo a produzir esse conteúdo com ChatGPT, recomeçava de zero…
Usar o ChatGPT não necessariamente maximizava minha eficiência e produtividade: seja pelo fato, como mencionei antes, de que, muitas vezes, ficava tão insatisfeito com o resultado que recomeçava de zero, de forma manual, e acabava gastando mais tempo do que se não tivesse usado o ChatGPT em primeiro lugar, ou também a parte de que, para obter um bom resultado com a IA, você tem de começar com um bom “prompting”. Ou seja, fazer as perguntas certas – e o que mais acontecia comigo era que, por nem sempre acertar de primeira, passava muito tempo refinando, ajustando, editando o que a IA generativa gerava após perguntas mal formuladas, assim como me debruçava sobre como formular a melhor pergunta para alcançar o resultado esperado;
Ao usar o ChatGPT, minha criatividade diminuiu, assim como minha sensação de “orgulho” do meu trabalho: sabe aquela sensação na cozinha que, por mais que seja evidentemente não feito da mesma forma do que no seu restaurante preferido, aquele prato que você cozinhou em casa fica mais gostoso? Não pelo gosto em si (eu sei que nem sempre fica mais gostoso mesmo), mas é pelo prazer e pela satisfação que você tem de ter feito isso com suas mãos? Pois bem: ao usar o ChatGPT, essa sensação estava sumindo de meus trabalhos. Ficava relendo meus textos e não os reconhecia como meus, mas, simplesmente, poderiam ter sido escritos por qualquer um. Aliás, foram escritos por um escritor mediano, convenhamos – pois o ChatGPT é fundamentalmente a média de todos os escritores da Internet, e nunca vai replicar uma escrita acima da média.
Eu sei que, agora, você pode até me dizer: “mas é porque você não está usando bem a IA”, “você não sabe fazer o melhor prompting”, e assim por diante. Eu entendo, e concordo que é preciso aprender a usar a IA, mas, ainda assim, esses problemas não serão resolvidos. Pense em uma Inteligência Artificial preditiva que toma decisões a partir de dados: eu falo com médicos que me dizem que se sentem menos úteis e engajados no trabalho, pois já muita parte do diagnóstico é feito pela IA. Isso é melhor para o paciente? É, mas e o lado do médico?
São todos pontos importantes para nossa discussão, e aqui é que entra em jogo o Daren Acemoglu. Em seu paper recente “The simple macroeconomics of AI”, ele argumenta que o impacto da IA na produtividade total dos fatores – o indicador que avalia os ganhos de eficiência da economia – não deverá chegar a 1% ao longo da próxima década nos EUA. Mais precisamente, Acemoglu estima que o ganho acumulado na década poderá ser de 0,66%, mas mesmo esse número pode estar “exagerado”, porque as primeiras evidências mostram uma contribuição mais relevante da IA em tarefas fáceis de serem aprendidas – e o impacto sobre tarefas mais complexas deverá ser sentido apenas no futuro.
“A IA pode automatizar apenas cerca de 5% das tarefas de um escritório”, o economista disse ao The New York Times. “A IA tem muito mais a oferecer para ajudar no problema da baixa produtividade”, comentou ele. “Mas não será com a sua atual trajetória, por isso o hype me preocupa.” Para o economista, as ferramentas de Inteligência Artificial teriam um efeito mais relevante caso ajudassem os trabalhadores a serem “melhores em resolver problemas ou assumissem tarefas mais complexas.” Isso liberaria as pessoas para se dedicar a questões mais elaboradas, como a criação de novos produtos ou estratégias.
Mas é aqui que entra o meu relato acima – até agora, isso é algo que a IA não faz. E não sou apenas eu que digo: em um artigo do The Conversation entitulado “ChatGPT: por que provavelmente continuará a ser uma ferramenta que faz um trabalho ineficiente de forma mais eficiente”, é apresentada a tese convincente e controversa do falecido antropólogo David Graeber sobre “bullshit jobs”. Sua ideia era de que um grande número de trabalhos (principalmente) de escritório são essencialmente inúteis; que até mesmo as pessoas que os fazem sentem que contribuem muito pouco para a sociedade.
Então, digamos que o ChatGPT comece a assumir mais funções em uma organização – escrevendo faturas, formatando dados, organizando planilhas ou compilando questionários. Se esses trabalhos existem por causa de ineficiências burocráticas, automatizar esse trabalho não aumentará a produtividade – porque o trabalho era improdutivo desde o início!
Esse conflito, entre a expectativa de produtividade mais alta devido a novas tecnologias e à falta de concretização na prática, é chamado do “Paradoxo de Produtividade”, como famosamente colocou um paper de 1994 do Erik Brynjolfsson, de título “The Productivity Paradox of Information Technology: Review and Assessment”.
Os números de Acemoglu contrastam drasticamente com números otimistas da McKinsey e da Goldman Sachs que esperam um crescimento do PIB dos EUA um ou dois pontos percentuais mais rápido nos próximos 10 anos, ou mais — 2% a mais de crescimento a cada ano, graças à IA.
Qual a mensagem final aqui? É que possamos ser críticos, de verdade, no uso que fazemos da tecnologia (não apenas a IA), questionarmos sempre sobre ela e não apenas cairmos no hype. E que possamos nos perguntar: o uso da IA no meu dia a dia gera valor de verdade, ou, como eu descobri na pele, me desconecta do prazer e satisfação do meu trabalho? O uso da IA, de verdade, melhora a qualidade do meu trabalho, ou, no fim das contas, no ato prático, a piora? Como posso me desenvolver para utilizar a IA, da melhor forma, no que ela faz melhor?
Só o futuro irá trazer respostas claras – e que, até lá, possamos sempre ter olhar crítico, e não nos deixemos persuadir pelas narrativas dominantes, mas sempre refletir de forma subjetiva se, e como, as novas tecnologias funcionam para a gente e para nossas organizações.