Nada na mídia me moldou mais do que MythBusters: Os Caçadores de Mitos, um programa de TV de meados dos anos 2000.
No programa, um grupo de profissionais de efeitos especiais testava mitos do conhecimento popular ou de programas de TV, como: um limpa-neves consegue virar um carro? Dá para voar usando fogos de artifício? Os elefantes têm mesmo medo de ratos? A equipe tentava descobrir as respostas usando um processo que muitas vezes envolvia explosões e costumava contar com a ajuda de um boneco de teste de colisão que eles chamavam de Buster.
Como jornalista, meu processo hoje em dia mudou um pouco, mas acho bem provável que dezenas de repetições do ciclo MythBusters, como perguntar, pesquisar e responder tenham me marcado.
O episódio piloto do MythBusters completou 20 anos no final de janeiro, então, em homenagem à ocasião, vamos caçar alguns mitos sobre um dos meus tópicos favoritos: os materiais necessários para combater as mudanças climáticas.
Mito n.º1: não temos materiais suficientes para construir o que precisamos para combater as mudanças climáticas.
Esse é comum e por um bom motivo. Vamos precisar de muitas coisas para criar um mundo com emissões zero.
Para simplificar, focarei nas duas indústrias com as maiores emissões no momento: geração de eletricidade e transporte. Juntas, elas representam quase três quartos das emissões mundiais de gases de efeito estufa.
A fim de reduzir as emissões nestes setores, precisamos construir muitas infraestruturas novas, sobretudo formas de gerar eletricidade e baterias para armazená-la. Então, de quanto material estamos falando?
Quase todas as construções requerem alguma combinação de aço, alumínio e provavelmente cobre. Segundo um novo estudo, para cumprir as metas climáticas, precisaremos de muito de cada um deles apenas para construir essa infraestrutura para gerar eletricidade. Entre agora e 2050, a demanda pode chegar a um total de 1,96 bilhão de toneladas de aço, 241 milhões de toneladas de alumínio e 82 milhões de toneladas de cobre.
Isso parece muito, e é. Todavia, esses números são uma pequena fração das reservas já conhecidas no planeta, e que podemos acessar de maneira econômica. E a produção anual não precisará crescer mais de 20% para que a oferta de qualquer um desses materiais atenda à demanda.
A situação é um pouco diferente quando se trata de ingredientes mais específicos, como os metais de terras raras dos motores de turbinas eólicas, o polissilício dos painéis solares ou o cobalto e o lítio das baterias.
Precisaremos ter um crescimento mais drástico em relação a alguns desses materiais. Devido às turbinas eólicas, a demanda por disprósio e neodímio pode quadruplicar entre agora e 2050. É provável que tenhamos de duplicar a produção de polissilício. Também podemos ter um aumento de procura dos materiais para baterias.
Usar as minas e colocar as infraestruturas em funcionamento para suprir a demanda de forma eficaz com certeza será um desafio. Contudo, em todos os casos, o planeta tem muitas reservas dos materiais necessários. Para mais informações sobre este tópico e detalhes do estudo que mencionei, confira minha matéria sobre o tema.
Mito n.º2: toda essa mineração será pior para o clima e para o meio ambiente do que os combustíveis fósseis.
Mais uma vez, esse também é comum e por um bom motivo: a mineração tem ramificações sociais e ambientais. Vamos comparar os impactos ambientais da queima de combustíveis fósseis e da mineração de materiais de energia renovável.
Pode ser difícil avaliar diferentes tecnologias que causarão diferentes danos em diferentes lugares. Portanto, vamos nos concentrar em dois conjuntos de dados: as emissões totais e a quantidade total de mineração necessária.
Em se tratando de emissões, a história é bem simples: geraremos emissões ao construir novas infraestruturas energéticas, mas evitaremos muitas mais ao não queimar combustíveis fósseis. As emissões de gases de efeito estufa geradas pela construção das infraestruturas de energia renovável pode chegar, no máximo, a 29 bilhões de toneladas. Hoje, isso representa menos de um ano das emissões mundiais de combustíveis fósseis. E o resultado pode ser ainda melhor se conseguirmos descobrir como reduzir as emissões da produção de aço e cimento ou definir fortes programas de reciclagem de alguns materiais essenciais.
Quanto aos danos ambientais para além da poluição relacionada ao clima, o quadro pode ser mais complicado, e vamos nos aprofundar nisso quando falarmos do último mito. Por ora, vamos considerar a quantidade que precisa ser minerada para os combustíveis fósseis e energias renováveis.
Cerca de 7,5 bilhões de toneladas de carvão foram extraídas em 2021. As estimativas para a quantidade anual máxima de materiais que precisaremos para construir uma infraestrutura energética de baixas emissões chegam a cerca de 200 milhões de toneladas, incluindo todo o cimento, alumínio, aço e até mesmo vidro que será necessário produzir.
Então, no total, em comparação com a dependência de combustíveis fósseis, uma transição para as energias renováveis significa tanto menos material saindo do solo quanto menos poluição climática sob a forma de emissões.
Mito nº3: as energias renováveis e de baixo carbono são “limpas” e impecáveis.
Embora as energias renováveis sejam necessárias para combater as mudanças climáticas, existem alguns desafios importantes que acompanham a transição para longe dos combustíveis fósseis. Isso inclui potenciais danos causados pela mineração e processamento dos materiais utilizados para construir essas novas tecnologias.
Um exemplo é o Thacker Pass, o local proposto para uma mina de lítio em Nevada, nos EUA. A mina poderia gerar o lítio necessário para produzir um milhão de veículos elétricos por ano. Entretanto, isso não serve de consolo para os povos indígenas que vivem na área e consideram a terra sagrada.
Mineração pode causar poluição, sobretudo a da água, e as comunidades que vivem perto dessas minas sofrerão as consequências. Não só isso, mas a mineração tem sido associada a abusos dos direitos humanos em algumas partes do mundo, como o trabalho forçado e infantil. Esses abusos com certeza não acontecem apenas na extração dos metais que precisamos para a energia renovável, mas é importante lembrar que os esforços para descarbonizar o mundo não estão imunes a esses problemas.
Se quisermos um mundo habitável no futuro, é necessário reduzir as emissões para lidar com as mudanças climáticas. E acredito que precisaremos de muitas tecnologias novas para que isso aconteça.
No entanto, a forma como construímos essas tecnologias poderá ter uma enorme influência nas suas ramificações sociais e ambientais. Por exemplo, um estudo recente constatou que a procura de lítio será influenciada por políticas relativas ao transporte público, ao tamanho dos veículos e à reciclagem. Encontrar alternativas e reduzir a quantidade de lítio que usamos pode significar ter de construir menos minas.
Duas coisas podem ser verdade simultaneamente, e acredito que várias pessoas que pensam muito sobre as mudanças climáticas podem concordar que: a ação climática é necessária e como agimos será importante.
Acompanhando o clima
A Boston Metal, uma startup derivada do MIT, levantou US$120 milhões para expandir sua tecnologia de produção de aço sem carvão. (Canary Media)
- A empresa utiliza um processo chamado eletrólise de óxido fundido, que usa eletricidade no lugar do carvão para fabricar aço. (MIT Technology Review)
Falando em dinheiro, os investimentos em tecnologia climática ultrapassaram US$1 trilhão em 2022, um novo recorde. E, pela primeira vez na história, houve mais investimentos em tecnologias de baixo carbono do que na produção de petróleo e gás. (Bloomberg)
Em 99% dos casos, a construção de novas instalações solares e eólicas é mais barata do que operar usinas de carvão existentes nos EUA. A queda dos custos das energias renováveis e um estímulo das políticas recentes estão transformando a energia de carvão em coisa do passado. (Inside Climate News)
À medida que as mudanças climáticas potencializam os incêndios florestais no oeste dos EUA, o Colorado está se juntando à lista dos estados que usa Inteligência Artificial para localizar incêndios. (Associated Press)
O gás natural é um combustível fóssil, mas um número crescente de empresas está tentando vendê-lo como “verde”.” (Canary Media)
As mudanças climáticas estão afetando mais uma das minhas coisas favoritas: presunto chique. Para fazer o jamón ibérico bellota espanhol, os porcos precisam comer bellotas (frutos que se parecem com a avelã) durante o último mês de vida. Porém, os carvalhos estão produzindo menos bellotas devido aos verões excepcionalmente quentes e secos. (The Guardian)
Baterias de íons de lítio mais baratas estão chegando aos EUA. As baterias de fosfato de ferro de lítio (LFP) não usam cobalto e níquel, que são caros, e agora a produção está se espalhando para fora da China. (Chemical and Engineering News)
- Saiba mais sobre tais baterias de baixo custo em um artigo com previsões para 2023. (MIT Technology Review)