Quase exatamente um ano atrás, os desenvolvedores de software se apressaram em criar tecnologias que pudessem ajudar a conter a pandemia. Naquela época, o foco estava em aplicativos que podiam rastrear se você estava perto de alguém com Covid-19. Atualmente, a discussão gira em torno de credenciais de vacina digital, muitas vezes chamadas de “passaportes de vacinação”, projetadas para funcionar em seu smartphone e mostrar que você foi vacinado.
O lançamento mais recente ocorreu em 17 de maio, na Inglaterra, com a nova credencial digital do Serviço Nacional de Saúde (NHS, em inglês) britânico, que autoriza seus portadores a cruzarem fronteiras. Confira o que sabemos sobre isso:
- É apenas para pessoas da Inglaterra que querem sair do Reino Unido (Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte ainda não estão usando o aplicativo, embora seu uso possa ser expandido para eles em breve).
- É apenas para cruzar fronteiras. Usá-lo em lugares da cidade (como bares e restaurantes) foi sugerido por alguns, mas essa continua sendo uma ideia controversa.
- Poucos países o aceitam como uma alternativa à quarentena ou à exibição de um PCR negativo, então aqueles que usam o aplicativo ainda terão que verificar as regras de seu destino específico.
- É uma atualização de um aplicativo do NHS que conecta as pessoas aos consultórios e registros médicos — e não uma adição ao aplicativo de rastreamento de contatos muito debatido do NHS.
- No momento, ele só pode mostrar o status de vacinação, não outras informações, como resultados de testes negativos, embora isso possa ser adicionado.
- Pessoas sem smartphones podem solicitar uma carta confirmando que receberam as duas doses da vacina.
Os especialistas já estão atentos para saber se a credencial do NHS vai além de seu escopo atual. Imogen Parker, do Ada Lovelace Institute, observa que já houve resistência a uma autorização que precisaria ser exibida em lugares como lojas e restaurantes. “Será importante monitorar se o lançamento do passaporte de vacinação é um prelúdio para um uso mais extenso”, diz ela. “Mas é muito bom perceber que o governo está agindo com muita cautela”.
O aplicativo do NHS não é a única credencial de vacina em desenvolvimento. Em toda a Europa, os governos estão trabalhando — ou já lançaram — passaportes de vacinação para smartphones. Isso inclui a própria União Europeia (UE), que propôs um “certificado verde” digital em meados de março. O aplicativo de rastreamento de contatos, TousAntiCovid, da França, foi atualizado no mês passado, em abril, para que possa mostrar um certificado de vacinação ou um resultado de teste negativo, embora agora outros países precisem aceitá-lo. O ministro da inovação da Itália, entretanto, disse que o país pode adaptar seu aplicativo de notificação de exposição Immuni para incluir uma credencial de vacina, e as autoridades alemãs dizem que esperam lançar uma até o final de junho.
Fora da Europa, o quadro é ainda mais diversificado. Israel lançou seu “passe verde” em fevereiro, e o aplicativo TraceTogether de Cingapura agora pode apresentar certificado de vacinação. Nos Estados Unidos, as autoridades disseram que não desenvolverão um aplicativo federal, então vários estados e empresas privadas estão criando um emaranhado de abordagens. Iniciativas privadas e sem fins lucrativos também estão trabalhando em seus próprios sistemas e protocolos, incluindo Linux Foundation Public Health, a empresa de segurança biométrica CLEAR, várias iniciativas ligadas à indústria de viagens e muito mais.
Elizabeth Renieris, pesquisadora de tecnologia e direitos humanos do Carr Center da Harvard Kennedy School e membro do Digital Civil Society Lab da Universidade de Stanford, diz que o exagero sobre os passaportes de vacinas — tanto nos EUA quanto no mundo — soa tão inquietante quanto o lançamento dos aplicativos de rastreio de Covid-19 no ano passado. Ela diz que esses aplicativos foram lançados com pressa e com uma série de perguntas não respondidas sobre como eles poderiam apoiar as metas de saúde pública de maneiras úteis.
“Há uma espécie de repetição acontecendo”, diz ela. “Precisamos pensar em como a tecnologia se torna um substituto para a governança. Isso cria a ilusão de ter as coisas sob controle”. Ela aponta para o que está acontecendo na Índia agora: “Você tem o Modi [primeiro-ministro da Índia] promovendo um novo aplicativo, e todos os especialistas do país estão gritando: ‘Precisamos de vacinas’”.
As lições da tecnologia pandêmica do ano passado
É necessário esclarecer que os certificados de vacinação e os aplicativos de notificação de exposição são tecnicamente muito diferentes. Os aplicativos geralmente funcionam de forma anônima e invisível, usando sinais Bluetooth entre telefones. Os certificados (ou passaportes) de vacinas, em comparação, são documentos digitais vinculados a nomes reais e mostrados a estranhos como prova de que podem estar perto de você sem medo de infecção.
Mas outras questões são semelhantes, como a maneira como são construídos, os tipos de entidades envolvidas e o fato de que novos sistemas estão sendo implementados em um ambiente de alta pressão. E algumas das mesmas perguntas se aplicam, especialmente quando se trata de como a tecnologia funciona — ou não — com políticas públicas.
Luca Ferrari esteve profundamente envolvido no lançamento do aplicativo de rastreamento de contatos da Itália, Immuni, em junho de 2020, como CEO da Bending Spoons — não mais envolvida na operação do sistema. Construído com o que Ferrari diz ser cerca de 30.000 horas de trabalho voluntário, a parte mais difícil, segundo o CEO, foi lidar com os ruídos e conexões entre a tecnologia e as autoridades públicas.
“Todos com quem lidamos [no governo] estavam genuinamente determinados a ajudar as pessoas”, diz ele. “Mas um ligeiro desalinhamento de prioridades e objetivos criou grandes dores de cabeça e lentidão”.
Por exemplo, diz ele, Immuni exigia que os usuários testados positivos para a Covid-19 entrassem em contato com as autoridades locais de saúde pública. Mas esses departamentos costumavam ficar sobrecarregados demais para lidar adequadamente com as solicitações — e, portanto, o aplicativo não era usado tanto quanto se esperava originalmente.
Ele também diz que o governo italiano permitiu que informações confusas sobre a confiabilidade do aplicativo se propagassem — e esperou muito tempo para neutralizar isso.
Ainda assim, diz ele, a próxima onda de tecnologia pandêmica pode aprender agora com essas lições, e quaisquer futuras emergências de saúde pública também podem se beneficiar: “Eu encorajaria as autoridades a tentarem sair da pandemia com um kit de ferramentas que pudéssemos usar novamente quando necessário”.
Globalmente, Parker e sua equipe no Ada Lovelace Institute têm monitorado cuidadosamente como as credenciais de vacinas digitais são implementadas. Na semana passada, eles divulgaram um relatório de 110 páginas de recomendações [pdf]. E embora seja muito cedo para avaliar como o aplicativo do NHS se sairá, “eles estão indo muito devagar”, diz ela, “o que eu acho uma coisa boa”.