O investimento em Black Money para muito além do ESG
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O investimento em Black Money para muito além do ESG

O que antes era uma questão tocada apenas por ativistas, pesquisadores e intelectuais de nicho, hoje se consolidou como uma prática essencial e requisito básico para qualquer empresa se manter relevante no longo prazo. O ESG (Environmental, Social and Governance, na sigla em inglês) representa um conjunto de fatores e critérios que tornam a filosofia de qualquer investimento mais sustentável no sentido de valorizar questões ambientais, sociais e de governança corporativa.

É um tipo de estratégia que não se abstrai do lucro. Pelo contrário, o lucro ainda é o objetivo, porém muda-se a forma de realizá-lo, realocando o dinheiro para projetos que visam um mundo mais justo, com igualdade racial, com maior respeito à individualidade das pessoas e maior responsabilidade no uso de recursos naturais e preservação do meio ambiente, por exemplo.

A demanda por justiça racial em erupção em uma nação devastada por uma pandemia que afeta desproporcionalmente as comunidades negras é um chamado à ação. O momento para filantropos, empresas e governos investirem em lideranças negras e organizações racializadas com histórico de emancipação negra é agora.

O Black Lives Matter e os conceitos de Black Money não devem ser apenas ideias abstratas sobre o impacto que queremos alcançar; são vias para alcançá-lo. A raça é um dos indicadores mais confiáveis de expectativa de vida, desempenho acadêmico, renda, riqueza, saúde física e mental, mortalidade materna e muitos outros indicadores de qualidade de vida. Esse fator determinante, a raça, mostra que as organizações que se preocupam em apoiar a mudança social devem parar de tapar o sol com a peneira e tomar medidas deliberadas para confrontar o óbvio: o problema racial precede o social.

O Black Money é um movimento que surgiu para equilibrar as relações de poder no Brasil, no que diz respeito à população preta, oferecendo mais instrumentos, tecnológicos e financeiros, para fortalecer o nosso povo no enfrentamento do racismo por meio da forma mais eficiente que há: conquistando poder. Afinal, dinheiro é um instrumento de poder.

Basta olhar em volta para perceber que o grupo racial que controla as instituições é o mesmo que concentra o capital. Isso ocorre pela forma como nossa sociedade foi estruturada: com a escravização dos povos africanos, as riquezas se concentram entre os brancos e o dinheiro do povo negro (R$ 1,9 trilhão de reais anualmente) não circula tempo suficiente em nossa comunidade porque não somos os detentores dos meios de produção, o que impede que essa realidade seja alterada.

Como o Movimento Black Money atua para mudar essa realidade?

Por meio do fomento à inovação e ao empreendedorismo na população negra, o Black Money tem como objetivo fazer com que o dinheiro circule, e se mantenha por mais tempo, entre pessoas pretas antes de ir para as mãos de outros grupos étnicos. Uma ação extremamente importante em um país que tem 28% da sua renda concentrada em apenas 1% da população. No Brasil, essa fatia mais rica (1% do todo) ganha 33 vezes o valor recebido pelos 50% mais pobres.

Antes que se possa argumentar que essa não é uma questão racial, o IBGE já comprovou que os brancos possuem uma renda média 40% superior que a de pretos e pardos. Em algumas profissões, homens brancos ganham 150% a mais que mulheres negras. Por isso é tão importante que haja um movimento direcionado para mudança deste cenário e que rompa com o pacto narcísico da branquitude.

Para alterar essa realidade, o Movimento Black Money atua em três frentes fundamentais ancoradas na nova economia: educação tecnológica, senso de comunidade e digitalização.

O Afreektech é um programa de transformação digital 100% feito e voltado para os pretos. O ponto de partida para que negros conquistem cada vez mais destaque no mercado é a educação. Estamos em uma era na qual a tecnologia é o meio pelo qual nos comunicamos e fazemos negócios, por isso é fundamental que não fiquemos alijados desta transformação.


O segundo pilar do nosso movimento é a conexão, o senso de comunidade. Com o Startblackup, criamos eventos digitais e presenciais que reúnem profissionais, estudantes e empreendedores para trocarem ideias, discutirem assuntos de mercado e terem um momento de convivência e descontração. Desses encontros surgem novos negócios e parcerias, além do fortalecimento da rede de contatos pretos.

A digitalização surge por meio da D’Black Bank, uma fintech criada para conectar consumidores a empreendedores negros. No primeiro produto lançamos a maquininha de cartões #Pretinha, um instrumento desenvolvido especialmente para empreendedores negros. Outra ação digital é o Mercado Black Money, um marketplace que permite a conexão entre empreendedores e consumidores negros.

Debruçando-se sobre os dados e fortalecendo o Black Money

A melhor forma das instituições privadas apoiarem o Black Money é analisando os dados e tomando Ações Racializadas dentro das políticas de ESG.

O feminicídio está crescendo entre as mulheres negras e indígenas, embora esteja diminuindo entre as mulheres brancas. Nos dois primeiros grupos, o índice do crime chega a ser o dobro do que entre as mulheres brancas. Ou seja, as mulheres negras e indígenas não estão sendo atingidas pelas políticas universais e precisam de programas e políticas públicas específicas.

Recentemente, duas empresas (Bayer e Magazine Luiza) investiram em processos seletivos de lideranças exclusivos para pessoas negras, por meio de consultorias e cooperação com entidades negras. Dois cases de grande relevância.

Tomando como base esses dois casos, podemos verificar que se torna fundamental apoiar os líderes e as instituições negras verdadeiramente comprometidos com a comunidade, porque esses líderes costumam trazer estratégias desenvolvidas por uma compreensão íntima das experiências racializadas e os problemas que essas comunidades enfrentam. Infelizmente, esse tipo de apoio, principalmente financeiro, não é presente no Brasil.

E nos Estados Unidos?

Considere o grupo de candidatos da Echoing Green, um grupo conhecido por reunir as mais promissoras instituições sem fins lucrativos. Olhando apenas para seus candidatos mais qualificados (ou seja, aqueles que progrediram para seu estágio semifinalista e além), as receitas das organizações lideradas por negros são 24 por cento menores do que as receitas de suas contrapartes lideradas por brancos e os ativos líquidos irrestritos das organizações dirigidas por Negros são 76 por cento menores do que suas contrapartes dirigidas por brancos. A grande disparidade em ativos irrestritos é particularmente surpreendente, já que esse tipo de financiamento costuma ser um indicador de confiança.

As disparidades persistem mesmo quando se levam em consideração fatores como área problemática ou níveis de educação. Por exemplo, entre as organizações da bolsa Echoing Green’s Black Male Achievement, que se concentra em melhorar os resultados de vida de homens e meninos negros nos Estados Unidos, as receitas das organizações lideradas por negros são 45% menores do que as das organizações lideradas por brancos, e os ativos líquidos irrestritos das organizações lideradas por negros são 91 por cento menores do que as organizações lideradas por brancos – apesar de focar no mesmo trabalho.

Essas desigualdades não são novas e nem limitadas ao grupo de candidatos da Echoing Green, fazem parte do pacto narcísico do racismo. Organizações lideradas por negros nos EUA e o Movimento Black Money no Brasil, vêm alertando sobre esse assunto há um bom tempo. Embora a crise econômica provocada pela pandemia global esteja causando estragos nas finanças da maioria das organizações, as entidades e negócios liderados por pessoas negras já viviam perto do limite financeiro. Por meio de pesquisas descobrimos que esses negócios ficaram ainda mais vulneráveis no momento, principalmente os liderados por mulheres.

“Somos Todos Iguais”

A mudança é possível. A pandemia global desafiou a sociedade de maneiras que antes pareciam inimagináveis. Mas, com essa interrupção, alguns financiadores aproveitaram a oportunidade para fazer as coisas de maneira diferente do que era tradicionalmente feito antes. Organizações como Tide Setubal e empresas como a B3, que doaram recursos diretamente para projetos negros, mostram o que os doadores são capazes de fazer quando enfrentam uma crise imediata. A crise da injustiça racial é crônica, mas seus danos não são menos imediatos; construir uma sociedade justa e equitativa não é menos urgente.

Aaron Walker, CEO da Camelback Ventures, uma bolsa de empreendimento social para empreendedores sub-representados nos EUA, escreveu uma carta aberta para financiadores sobre racismo financeiro. Refletindo sobre as barreiras enfrentadas pelos empreendedores em busca de financiamento e investimento, ele destacou o apego do poder ao dinheiro.

Quem o obtém? Como o obtêm? O financiamento é suficiente para que esses líderes negros possam focar no trabalho? O que verificamos é o enfrentamento de ainda mais barreiras para receber o próximo cheque. Walker escreve: “o que os empreendedores têm dito essencialmente é ‘deixe-me respirar!’. O oxigênio neste mundo é dinheiro. A falta de investimentos afeta muitos dos pescoços de nossa organização. E a questão é: você esperará ‘nove minutos’ até que estejamos mortos ou nos levantemos?” É hora de os financiadores agirem.

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